02/04/2022 - 9:00
O general Joaquim Silva e Luna deixa claro não aceitar o rótulo imposto pelo presidente Jair Bolsonaro de responsável pela disparada no preço dos combustíveis no Brasil. “É muito mais fácil encontrar um culpado do que uma solução”, diz. Indicado pessoalmente pelo presidente para o comando da Petrobras há um ano, o general passou por semanas de “fritura” pública, mas evitou insubordinação. Na segunda-feira, foi comunicado pelo ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) da demissão decidida por Bolsonaro.
De sua sala, na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, o general revelou, em videochamada ao Estadão/Broadcast, que não conversa com o presidente da República há dois meses. Discreto, o militar revela desconforto com a forma como foi afastado e diz que é preciso respeitar sua biografia. No cargo até o dia 13, Silva e Luna nega que tenham lhe faltado jogo político e comunicação. E diz que só “com sorte” seu sucessor, Adriano Pires, poderá cumprir a missão que exige Bolsonaro.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
O sr. se sentiu abandonado quando as críticas ao preço dos combustíveis se concentraram na Petrobrás?
Eu não diria abandonado, não. Vou usar uma expressão que está no meu interior. Sou uma pessoa religiosa, acredito em Deus. Então, meu grande conforto é que sempre me sinto acompanhado e fortalecido. Minha relação com o Ministério de Minas e Energia não foi afetada em nada, sempre tive um contato permanente com o ministro Bento Albuquerque, com a equipe dele.
O que diria hoje para o presidente Bolsonaro sobre sua passagem pelo comando da Petrobras? Chegou a conversar com ele depois do anúncio da troca?
Não conversei. Próximo de dois meses que a gente não tem conversado. Tem trocas com (interlocutores), mas contato pessoal, não. Eu diria o seguinte: que ele tem na Petrobras, talvez, uma empresa que qualquer país do mundo gostaria de ter, que representa 4% do PIB. Uma empresa que é reconhecida mundialmente. Se falar em Brasil, alguém vai pensar em perguntar sobre Petrobras.
Diria mais alguma coisa?
Que, na Petrobras, uma equipe mais dedicada e leal, impossível. Que agiu com correção em todos os momentos, ganhou no ano passado dez prêmios de conformidade, governança e sustentabilidade. Tem no conselho e na presidência uma pessoa que é fiel, leal e continuará sendo. Não tem ressentimento nenhum, mas queria que houvesse essa compreensão. Para o período de crise que tivemos, chegamos a ficar 152 dias sem reajustar o preço do GLP e 57 dias sem alterar o preço da gasolina. O câmbio ajudou um pouco, mas assumimos (o risco), e a empresa deu lucro. Esse lucro todo é devolvido à sociedade. Meu sucessor vai estar aqui para dar prosseguimento. Mas que tenha esse olhar para a empresa, para o que ela pode oferecer para o País, que é muito.
O sr. acredita que Bolsonaro teve essa compreensão?
Eu não sei. Como nestes últimos dois meses não tivemos contato, não sei. Mas precisaria ter. A solução que o mundo inteiro está dando nesse momento são os subsídios por um período temporário para aquelas classes que precisam. É esse o caminho que deve ser feito.
O sr. acredita que a privatização seja a solução para a Petrobras, para fugir da interferência do governo?
Para tirar essa pecha de que o presidente é o culpado pelo aumento de preço, diria que é uma solução, sim. Hoje se sabe que o valor da Petrobras está represado em função desse risco.
Como o sr. se sente ao colocarem no seu lugar o consultor Adriano Pires, que sempre defendeu a atual política de preços?
A empresa tem uma governança muito forte, construída a partir de problemas que aconteceram no passado. Dentro desse quadrado legal, o que se pode fazer é o que fizemos. A ideia de preço de paridade de importações, uma referência, está mais do que compreendida. Não aceitar isso é que é difícil. Agora, muitas vezes, o pessoal diz que é muito mais fácil encontrar um culpado do que uma solução. Talvez esse endereçamento tenha sido só para ficar na empresa, mas a gente sabe que o preço do combustível, se pegar a gasolina, por exemplo, é um terço do valor, depois tem tributos, tem serviços, e isso não está no nosso colo.
Esta semana seu antecessor, Roberto Castello Branco, disse que recebia mensagens de Bolsonaro sobre preço dos combustíveis. O sr. também recebia?
A minha relação com o presidente sempre foi muito respeitosa, recíproca, da minha parte 100% leal, imagino que da dele também. Pode ter seu momento ou sua forma de dizer também. Mas são contatos que eu preferiria não comentar. Tivemos encontros de diversas naturezas, para tratar de covid, para tratar de outros assuntos…
O sr. não se sentiu pressionado diretamente por ele?
Pressionado não, não deixei de trabalhar da forma que eu trabalhava. Eu respondia às perguntas, mas nunca alterei a voz, nunca mantive um tratamento que não fosse respeitoso e 100% leal.
O sr. não acha que esse cenário atrapalha a visão do investidor?
Acho não, afirmo que sim! O mercado fica instável. Essa (sucessão), estamos fazendo com todo o equilíbrio do mundo. Conversei com meu sucessor, com muita elegância. Não pessoalmente, mas por telefone. Eu fico até 13 de abril, não vou sair antes. O trabalho continua normal, temos a maior serenidade para fazer as coisas, porque a Petrobras é do Brasil, é um bem muito importante para o País, é 4% do PIB do País. Ela é dos brasileiros. São 63% dos investidores privados, sim, mas 750 mil são brasileiros, que colocaram no FGTS, muitas vezes, a esperança aqui dentro. Quando estão se pagando dividendos para a União também estão se pagando dividendos para os brasileiros. De qualquer maneira, tudo o que a Petrobras gera, ela gera para o Brasil. Nós temos de preservar essa imagem.
O que aconteceu nos bastidores enquanto o sr. recebia críticas do governo? Como o sr. se sentiu?
Há 53 anos fiz um juramento que termina dizendo que vou honrar a integridade das instituições, defender com a própria vida. Ser leal a essas instituições está no meu DNA, então, zero risco de eu querer atacar qualquer instituição ou qualquer rosto que represente uma instituição, jamais farei isso.
Mas foram muitas críticas…
Sempre que a gente recebe, a gente se machuca. Tem duas coisas que é preciso preservar. Uma é a reputação pessoal, que também passa a ser a reputação da empresa, porque o meu rosto é o rosto da Petrobras. A outra é a minha biografia, que pertence à minha família. Quem ficou, como eu, mais de 50 anos dentro das Forças Armadas, tem amigos para todos os lados, superiores, chefes e subordinados, que têm uma expectativa sobre a gente… Eu saí de cadete para general de Exército, essas pessoas não podem achar que, em algum momento, passaram 55 anos sendo enganadas por alguém, que tinha um perfil diferente. Esse cuidado eu tenho. Isso é sagrado para mim.
O que incomoda é o impacto que essas críticas podem ter na sua biografia?
Isso, na minha reputação, na minha biografia. Quero que olhem para trás, que verifiquem dentro da própria empresa se tem algum senão. Não tem, não vão encontrar. Agora, mudança (no comando da empresa) é natural. Não vejo nenhuma complicação nisso. A forma (de fazer a troca), o jeito aí é de cada um. Não me cabe julgar.
Mas foi uma forma meio turbulenta, com notícias diárias. Isso não deixa o processo mais confuso?
Um desgaste emocional gera, sim. Gera também para o entorno afetivo que a gente tem, de amigos e familiares.
Não é complicado lidar com as críticas do presidente Bolsonaro ao lucro de mais de R$ 100 bilhões obtido pela estatal em 2021? Atrapalha o trabalho?
Afeta sim. Faltou compreensão ou um bom assessoramento para esse tipo de narrativa. Lucro é consequência de investimento e, no caso da Petrobras, é dos desinvestimentos feitos, de 20 e poucos bilhões de reais, parte daquilo ali são desinvestimentos, e pelo fato de estar concluindo colocar a dívida em um nível saudável, o que antes era colocado para pagamento de dívida, de juros, passou a ser colocado para lucro, ou está pagando dívida, ou está fazendo investimento, ou está pagando dividendos para seus acionistas.
O sr. sentiu muita pressão política sobre as decisões da Petrobrás?
Tomamos todas as decisões técnicas, usando o que a gente tem de usar, a nossa diretoria executiva, o nosso conselho. Logicamente, a gente sente de alguma forma, cada dia um fato, uma notícia, uma coisa ruim. Rezando para que o preço caísse, o (petróleo tipo) Brent caísse para esse momento passar. Esse momento não chegava, e só complicava mais ainda (com a alta no preço do petróleo no mercado internacional).
Até agora não teve alívio…
Vamos ver se meu sucessor tem sorte, de ele chegar aqui, e a guerra acabar. Que o conflito de oferta e demanda se equilibre.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.