Na frente da área de desembarque do aeroporto, homens exibem na tela do celular a logomarca da Uber, empresa de transporte de passageiros. A corrida que oferecem, no entanto, é feita fora do aplicativo. A cada novo pouso, surgem os “pescadores”: homens que abordam passageiros para viagens em carros ou táxis irregulares a preços abusivos. Sem monitoramento, essa prática tem riscos.

A demora para conseguir um carro de app e cancelamentos consecutivos têm atraído “pescadores” – ou “arrastadores”, como também são chamados -, que distribuem ainda facilidades de pagamento, como Pix. A reportagem esteve na terça-feira em Congonhas e em Cumbica. Pelo menos dez homens que fazem esse tipo de serviço foram identificados na área externa do desembarque. No Aeroporto de Guarulhos, pescadores de passageiros afirmam que a “fila presencial”, formada por carros já parados no desembarque que fazem corridas fora do aplicativo, anda mais rápido do que a virtual. Com isso, tentam convencer quem quer ir embora logo para casa.

“Uber na hora”, gritava um motorista cujo carro não tem registro na plataforma. Um jovem que pretendia ir para o bairro de Santana, na zona norte, foi abordado. A oferta era de R$ 87 pela corrida, com a vantagem de não ter de esperar a chegada de um Uber regular. No fim da manhã, era grande a aglomeração de passageiros que aguardavam viagens. O jovem fez o orçamento no celular (a mesma corrida saía por R$ 39) e decidiu esperar um motorista do app.

Em seguida, o mesmo motorista “pescador” abordou uma família que pretendia ir de Congonhas a Guarulhos. Cobrou de cada um dos quatro integrantes R$ 40 pelo percurso e partiu em um Palio Weekend 2011. O carro não faz parte dos cadastros da Uber, nem seria permitido no app, já que a empresa exige veículos com até dez anos de fabricação.

Até táxis atuam de forma irregular no terminal. Na manhã de terça, a reportagem abordou um motorista no desembarque que disse cobrar R$ 98 para ir de Congonhas à Rua 25 de Março, na região central de São Paulo. Segundo afirmou, o taxímetro não seria ligado – o que é considerado irregular. O preço é quase o dobro da estimativa oficial de taxistas para fazer o mesmo trajeto.

O transporte pirata de passageiros, sem licença para fazer isso, é infração gravíssima pelo Código de Trânsito Brasileiro, sujeito a multa e remoção do veículo. O problema nos aeroportos já incomodava antes, mas tem crescido nos últimos meses. Na semana passada, o vereador Antonio Donato (PT) enviou ofício à Prefeitura, pedindo aumento da fiscalização em Congonhas e atuação de policiais militares.

Taxistas da região também enviaram ofício à Prefeitura para relatar o que chamaram de “invasão”. Para o presidente do Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores nas Empresas de Táxi no Estado de São Paulo (Simtetáxi), Antonio Matias, a situação piorou nos aeroportos e rodoviárias desde novembro, impulsionada pela retomada dos voos e pela crise.

“A pessoa quer se locomover rápido, pensa que está no táxi e se confunde. Acha que é legalizado, mas não é”, diz ele. Golpes a passageiros que aceitam essas viagens não são incomuns. No fim do mês passado, uma mulher pegou por engano um carro que se dizia de aplicativo em Congonhas. A corrida, estimada em R$ 160, acabou custando R$ 642 e não foi feita pelo app, segundo relato da família em um site de reclamações. Estrangeiros e mulheres são vítimas preferenciais.

SEM VOLTA E COM RISCOS

Para Marcelo Marques, membro da Comissão de Direito do Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), é difícil reaver o dinheiro nessas situações. Além do prejuízo, há outros riscos para o passageiro, como o de ser indiciado caso o veículo esteja levando drogas.

A Uber explica que as viagens “só podem ser realizadas por meio do aplicativo, no qual o usuário solicita um carro ao toque de um botão e recebe, via app, informações do motorista parceiro que vai buscá-lo, como nome, foto, além de modelo e placa do veículo”. “Dessa forma, qualquer viagem feita fora desses padrões não é uma viagem pela Uber.” A empresa afirma estar à disposição dos órgãos de segurança para colaborar com investigações.

Por meio de nota, a prefeitura de Guarulhos informou que são feitas “fiscalizações constantes na área externa do aeroporto, buscando reprimir o transporte clandestino de passageiros” e “dentro do aeroporto a responsabilidade pela fiscalização é da concessionária GRU Airport”. Já a concessionária diz dar apoio na vigilância dos terminais e alertar frequentadores.

Responsável pelo Aeroporto de Congonhas, a Infraero diz que são distribuídos vigilantes ostensivos nas áreas ao redor do terminal onde seja identificada a atuação dos arrastadores e que mantém monitoramento por câmeras. A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, afirma que as ações de fiscalização em Congonhas são efetuadas “de forma constante e rotineira” e estuda a viabilidade de ampliar a fiscalização por meio da Operação Delegada (com PMs de folga). Procurada, a Secretaria da Segurança Pública não se manifestou.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.