Se o espaço urbano muitas vezes é hostil para adultos, pode ser ainda mais difícil na visão das crianças. Para uma geração que convive com as telas desde o berço, experimentar o mundo fora de casa vira um desafio. Trânsito seguro, mais árvores, acessibilidade nas calçadas e áreas para brincar são apenas algumas das demandas de especialistas, pais e das próprias crianças. Segundo estudos, cidades que incorporam as necessidades dessa faixa etária ajudam a melhorar o desenvolvimento infantil.

O interesse da fotógrafa e produtora cultural Drica Lobo, de 47 anos, pelo assunto começou na busca por lugares para passear com os dois filhos pequenos. Depois, ela resolveu somar esforços. “Outras mães e eu queríamos tirar as crianças de casa para brincar e viver com qualidade pela cidade”, conta.

Foi a semente de um coletivo que em 2018 virou o Instituto Jardins da Infância. O grupo criou um roteiro de atividades recreativas e educacionais nos fins de semana em uma área aberta do Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia (MuBE). “Levamos mais de 2 mil mães para brincar com a gente. Em uma das festas, 500 bebês estavam lá”, conta. “Os pequenos estão formando conhecimento corporal e precisam correr para gastar energia. Nos eventos, tivemos também aulas de gastronomia e orientações sobre como andar com segurança nas ruas do bairro.”

Também foi iniciado um intercâmbio infantil. “Crianças dos Jardins foram para Paraisópolis, no extremo sul, e as de Paraisópolis vieram para os Jardins”, afirma Drica. O Jardim Ângela foi outro destino. “Em 2021, em parceria com a Secretaria Municipal da Cultura, fizemos um projeto no CEU (Centro Educacional Unificado) de Tiquatira, na zona leste, para levar artistas para fazer a pintura de um muro, assim como oficinas”, afirma.

Com a contribuição arrecadada de mães dos Jardins, é feita uma ação em uma praça do bairro, como a San Martin – hoje a mais ocupada por crianças -, e é replicada a atividade uma praça na periferia. A próxima parada é a Brasilândia (zona norte).

Ruas livres

Os filhos também mudaram a percepção da desenvolvedora de sites Carolina Borges, de 39 anos, sobre São Paulo. “Antes de engravidar, a cidade estava boa para mim. Depois, observei os desafios para me locomover nas ruas, ir ao ponto de ônibus ou ao metrô. A cidade começou a parar de funcionar”, diz ela, que tem filhas de 10 e 7 anos.

Primeiro, a estratégia foi participar de conselhos da cidade, para colocar o tema da infância em pauta. Em 2018, ela e duas mães oficializaram o grupo Ocupa Mãe. Uma das mobilizações mais recentes envolveu as ruas de lazer nos fins de semana e feriados. Carolina, que já havia pressionado pela volta do programa em novembro de 2021, cobrou o fato de veículos invadirem as vias e deixarem crianças em risco.

“Apesar do fechamento, motos passavam pela rua de lazer. Um dos entregadores abordados pediu desculpas, mas disse que estava atrasado. Ele também é vítima: saiu para trabalhar e o trajeto oferecido passava pela rua de lazer”, diz ela.

Em nota, o Google informou que para atualização mais precisa da sinalização de vias fechadas, o Google Maps usa várias fontes, como agências de trânsito, dados em tempo real de tráfego e informação enviada pelos usuários, que podem reportar erros. Já a Prefeitura disse que as ruas de lazer são escolhidas após análise, para evitar conflito com rotas de hospitais ou ônibus. A partir de agora, cada área terá um conselho de moradores.

“Isso faz parte de um processo de retomada de espaços públicos”, observa o arquiteto e urbanista Antônio Cláudio Fonseca, que nota essa tendência crescer nos últimos 15 anos.

Comitê mirim

E como participam as próprias crianças? Jundiaí, na Grande São Paulo, criou em 2018 um comitê com 24 integrantes de 9 a 11 anos, de seis regiões da cidade. No último sorteio para formar o grupo, 164 concorreram. “Tenho pedido sugestões de ideias para meus amigos”, conta Kaleb Couto, de 10 anos, que faz parte do fórum. Quinzenalmente, o Comitê das Crianças discute desde melhorias na própria sede a ideias de intervenções urbanas. Todo ano, é entregue ao prefeito um documento com demandas. Um dos pedidos atendidos foi o parque Mundo das Crianças, com 170 mil m² de área verde e brinquedos.

“São possíveis intervenções com participação infantil: pontos de ônibus interativos, calçadas ampliadas, escadarias coloridas”, enumera a psicóloga Cláudia Vidigal, representante no Brasil da Fundação Bernard van Leer, que há mais de 50 anos investe na primeira infância e deu assessoria a Jundiaí. “E apesar de a criança não ligar para conforto, os pais precisam de amparo estrutural quando estão ao ar livre com os pequenos. Banheiros, trocadores para bebês e local para se acomodar”, afirma.

Junto com o Instituto Cidades Sustentáveis, a Bernard van Leer criou o programa Urban95, que capacita gestores públicos sobre o tema. No total, há intervenções com apoio da Urban95 em 24 cidades.

Na capital paulista, um dos projetos de urbanismo social com atenção à primeira infância é o Territórios Educadores. A partir de dados de vulnerabilidade social, foram definidas as primeiras áreas de ação, como Cidade Tiradentes (zona leste) e Brasilândia (norte). Está previsto, diz a Prefeitura, reformar e ampliar calçadas, reduzir o tráfego de veículos e melhorar a iluminação e a infraestrutura de áreas de lazer.

Paula Mendonça, assessora pedagógica do programa Criança e Natureza do Instituto Alana, diz que a rotina longe das ruas e áreas verdes prejudica a saúde. “Esse modo de vida, se não for repensado a partir dos direitos de circular na cidade, pode prejudicar a saúde das crianças. A tendência é que fiquem mais obesas e tenham miopia mais precocemente.”

Fique atento

– Direito de brincar: Praças, espalhadas por vários bairros, e parques com área verde, brinquedos e elementos lúdicos são importantes. Ruas de lazer – fechadas para veículos – complementam.

– Segurança: Policiamento deixa as ruas mais convidativas para caminhar e aproveitar as vias como espaços de lazer. Áreas de trânsito calmo, com limite de velocidade reduzido, também dão mais confiança. Menos poluição é outro atrativo.

– Inclusão: Espaços com brinquedos inclusivos para crianças com deficiência e acessibilidade nas calçadas fazem com que todos possam curtir a cidade.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.