A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206/2019, que propõe cobrar mensalidade em universidades públicas, deve ser votada na próxima semana. A ideia é que as instituições usem os recursos captados para dívidas de custeio, como água e luz, e a gratuidade seja mantida só para alunos que não tenham condições socioeconômicas de arcar com os custos. O valor mensal seria definido pelo Ministério da Educação (MEC).

A PEC está na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, segundo o relator, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP). O grupo precisa avaliar a admissibilidade da proposta, ou seja se a PEC não viola as cláusulas pétreas da Constituição.

Caso seja admitida, ela terá mérito analisado por uma comissão especial, que pode alterar a proposta original – com prazo de 40 sessões para votação. Só então vai ao plenário. Por ser uma PEC, a aprovação ainda depende dos votos favoráveis de três quintos dos deputados (308), em dois turnos. Após a aprovação em uma Casa, é enviada para a outra – neste caso, o Senado. Se aprovada, é promulgada na forma de emenda constitucional – se houver modificação substancial, não só na redação, ainda volta à Casa de origem.

Autor da proposta, o deputado federal General Peternelli (União Brasil-SP) justifica a mudança no artigo 206 da Constituição com base no relatório “Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, elaborado pelo Banco Mundial em 2017. O estudo da entidade diz que o gasto brasileiro com estudantes do ensino superior público é “muito superior” ao de países como a Espanha e a Itália, por exemplo.

Mudança de perfil

Peternelli, que está entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, escreveu que a “maioria dos estudantes dessas universidades acaba sendo oriunda de escolas particulares e poderia pagar a mensalidade”.

“Não seria correto que toda a sociedade financie o estudo de jovens de classes mais altas. A gratuidade generalizada, que não considera a renda, gera distorções gravíssimas, fazendo com que os estudantes ricos – que obviamente tiveram uma formação mais sólida na educação básica – ocupem as vagas disponíveis no vestibular, em detrimento da população mais carente, justamente a que mais precisa da formação superior, para mudar sua história de vida”, continua a justificativa.

Nesta segunda-feira, o Estadão mostrou que os Institutos Villas Bôas, Sagres e Federalista apresentaram o Projeto de Nação, O Brasil em 2035. O documento, dentre outros pontos, prevê que a classe média deve pagar mensalidades nas universidades públicas.

Na última década, a implementação das cotas socioeconômicas e raciais levou para as universidades alunos de perfil socioeconômico mais vulnerável. Pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), de 2018, indica que 70,2% dos alunos estão na faixa de renda mensal familiar per capita de 1,5 salário mínimo. Alunos que cursaram ensino médio em escolas públicas foram maioria (64,7%) – e os que cursaram em particulares representaram 35,3%.

Reação

Nas redes sociais, entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) criticaram a proposta. “Nós não vamos pagar nada! Uma educação pública, gratuita e de qualidade é direito assegurado pela nossa Constituição!”, escreveu a UNE nas redes sociais. A postagem mobilizou influencers, incluindo a cantora Anitta, contrária ao projeto.

Relator da proposta, Kataguiri votou a favor da proposta e considera a repercussão da PEC “excelente”. “Quanto mais debatido for esse projeto, melhor. Mesmo porque ainda tem 40 reuniões de comissão especial se for aprovado”, disse o deputado.

Ele afirmou também que ainda precisa sentir o clima do plenário para saber se o projeto pode avançar mesmo em ano eleitoral. E disse acreditar que a cobrança de mensalidade de alguns alunos não seja “retrocesso”. “Pelo contrário, trata-se de prestigiar a regra geral de igualdade – esta, sim, cláusula pétrea.”

Especialistas divergem

Presidente da associação de reitores das instituições federais, a Andifes, Marcus Vinicius David diz que a proposta se baseia em “tese ultrapassada” de que as universidades públicas são ocupadas apenas por segmentos sociais de maior renda. Reitor da Federal de Juiz de Fora (UFJF), ele avalia que a mensalidade, mesmo que para alunos mais abastados, elitizaria as instituições. “A educação superior de qualidade é muito cara. Se estabelecer os custos, colocaremos valores inacessíveis para a classe média”, pondera.

Já o professor do Insper, Sergio Firpo, é favorável à mensalidade para os mais ricos desde que “ajude na distribuição de gastos”, com benefício aos mais pobres. Firpo destaca que o modelo de financiamento já é usado em outros países, como os EUA. “Público não é igual à gratuito”, diz. “Havendo gente que possa pagar não há razão para não cobrar, dado que é algo que você se beneficia privadamente também.”

Já Paulo Meyer Nascimento, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é contrário à mensalidade. Ele defende cobrar sobre a renda futura, como é na Austrália, segundo ele. O valor a ser cobrado seria moldado conforme o desempenho do profissional no mercado de trabalho.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.