27/05/2022 - 18:21
Antes de ser trancado e asfixiado na “câmara de gás lacrimogêneo” improvisada no porta-malas de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Genivaldo de Jesus Santos foi alvo de xingamentos, rasteira e chutes, além de ter sido imobilizado por dois agentes que colocaram os joelhos sobre seu tórax. Vídeos de testemunhas reunidos pelo Estadão mostram o início da abordagem à vítima e o desenrolar da ocorrência.
A truculência da ação em Umbaúba, no interior do Sergipe, culminou na morte do homem de 38 anos e envolveu uso inapropriado de força, desrespeito a protocolos, abuso de poder e ação dolosa na avaliação de Adilson Paes de Souza, tenente-coronel aposentado da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
“A abordagem foi errada do começo ao fim”, aponta Paes. Nas imagens, é possível ver os policiais gritando palavras de baixo calão desde o início da operação, enquanto mandam Genivaldo colocar as mãos na cabeça. “Bota a p**** da mão pra cima, c******”, berra um dos agentes, ao mesmo tempo em que manda o homem “calar a boca”.
Ao se aproximar, um dos policiais segura com uma mãos os braços de Genivaldo e com a outra começa a revistá-lo. Simultaneamente, é possível ver que ele tentar derrubar o homem no chão com as pernas, mas sem sucesso. Quando finalmente conseguem derrubá-lo, um dos agente começa a imobilizá-lo forçando o joelho em seu tórax, em uma cena similar à do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos.
Com Genivaldo já imobilizado, um segundo policial se abaixa e também pressiona o joelho sobre a sua costela. Um terceiro agente assiste à cena com a arma apontada para o homem no chão, eventualmente pisando sobre as pernas da vítima. Durante toda a ação, ele pergunta o que está acontecendo e por que está sendo abordado, enquanto as pessoas em volta comentam que ele tem “problema mental”.
“Não vejo erro nenhum da parte do Genivaldo. A partir do momento que ele questiona a abordagem, começa a ser agredido. Mas o fato de questionar nunca pode ser enquadrado como resistência ou desobediência, como acusa a nota da PRF. Isso é mentira. O que a nota fez foi tentar acobertar os policiais e dar um viés de legalidade à execução”, aponta Paes.
Deitado com o rosto virado para o chão de terra e as mãos atadas nas costas, Genivaldo tem então os tornozelos amarrados. É assim que ele é colocado na parte de trás da viatura, com os pés para fora devido à sua altura. Enquanto esperneia, um dos policiais começa a bater a porta em cima das suas pernas e empurrá-las para dentro do carro, que a essa altura já está completado tomado pela fumaça da bomba de gás lacrimogêneo.
“Os policiais erraram desde o início. As polícias, seja militar, civil ou rodoviária, têm protocolos de abordagem que não foram seguidos ali. Apenas o ato inicial, que teve intuito de ameaçar, ofender e humilhar, é totalmente errado e já seria considerado crime, como injúria, difamação, abuso de poder ou ataque à honra”, explica Paes.
O tenente-coronel aponta que todos os movimentos feitos sobre o corpo de Genivaldo foram violentos e não estão previstos em nenhuma abordagem. “É apenas uma sequência de violências que foram escalando. A consequência lógica foi a morte dele asfixiado e assassinado pelos policiais, que praticaram uma ação dolosa porque sabiam que não poderiam agir assim.”
Para Paes, é possível afirmar que Genivaldo só foi abordado “porque era negro e, talvez, porque estava sem capacete”. “Mas isso, quando muito, é uma infração de trânsito e não muito mais que isso”. “Nada justificava essa abordagem dos policiais.”
Ele explica também que a “câmara de gás” instalada de improviso na viatura é um desrespeito a todas as normas que regulamentam o uso de munições químicas no País. “É vedado o emprego em locais fechados e com grande público, como estádios e ginásios onde há um evento. Isso é expressamente proibido. Os policiais sabiam o que estavam fazendo e queriam punir severamente o Genivaldo, o torturando através da asfixia com o gás lacrimogêneo.”
Agentes foram afastados
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) afastou os agentes envolvidos no caso. O órgão, que abriu processo disciplinar sobre o caso, não informou qual foi o número de agentes afastados. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, disse nesta quinta-feira, 26, ter determinado a abertura de investigações pelas Polícia Federal (PF) e pela PRF sobre o caso.
No Twitter, Torres escreveu que o objetivo da pasta é “esclarecer o episódio com a brevidade que o caso requer”. A PRF informou em nota à imprensa que “está comprometida com apuração inequívoca das circunstâncias relativas à ocorrência”. A instituição reforçou ainda “seu compromisso com a transparência e isenção,valores que sempre marcaram sua atuação em 93 anos de história”.