02/06/2022 - 20:29
Em Mandaguari, cidade do interior do Paraná distante cerca de 5 horas de carro de Curitiba e com apenas 35 mil habitantes,
um prédio bastante singelo quando visto da estrada esconde uma unidade fabril que pode ajudar o Brasil a alcançar a liderança
da 4ª Revolução Mundial: uma das mais modernas biofábricas da América Latina. Na fotografia do seu interior, a imagem não remete a quase nada do campo: está mais para uma aparente inóspita coleção de tubos de aço inox.
Mas como já dizia a
sabedoria popular, a aparência engana. Naquele emaranhado platinado digno de instalações futuristas de filme de ficção científica estão as condições ideais para a produção de milhares de litros de superbactérias. “Nós chegamos para revisitar as revoluções agrícolas, industrial e tecnológica refazendo os processos usuais, mas agora de forma sustentável”, falou em entrevista exclusiva à RURAL, Luiz Chacon Filho, o fundador e CEO da Superbac, empresa dona da unidade. “Fazemos
isso com biotecnologia.”
Com investimento de R$ 100 milhões, a biofábrica da Superbac é amparada por cinco laboratórios exclusivos nos quais a microbiota do solo de todo o território brasileiro está sendo analisada; os microrganismos, isolados; suas funções mapeadas;
e seu comportamento estudado até que, dentro de parâmetros de segurança tão rigorosos como os mais avançados laboratórios farmacêuticos, começam a ser produzidos em escala que vai de 5 litros a 250 mil litros considerando a capacidade instalada atual. Finalizado, o produto é comercializado em forma de pó, concentrado ou líquido.
A flexibilidade com a qual a fábrica foi concebida também chega ao produto final. As bactérias da Superbac já são usadas em projetos de saneamento básico no Brasil e em Israel; pelo consumidor final com produtos com finalidades tão diversas como desentupir ralos até neutralizar odores de pet; mas sobretudo são usadas com grande impacto e com potencial ainda maior como biofertilizantes.
OPORTUNIDADE Quando inaugurou a biofábrica oficialmente no fim de 2021, nem mesmo o fundador tinha ideia de quão necessária a operação poderia se tornar em tão pouco tempo para o Brasil. E o motivo é a guerra do outro lado do mundo. Ocupando o posto de 4º maior mercado consumidor global de fertilizantes com demanda de mais de 40 milhões de toneladas por ano do composto NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), o País se viu refém da decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia em fevereiro deste ano.
Naquela data, fazia menos de seis meses da inauguração da unidade paranaense e, desde então, se mostrou uma excelente alternativa para substituir parte dos 20% dos fertilizantes usados em propriedades brasileiras com bandeira russa ou ucraniana. “A guerra da Ucrânia está para o agronegócio o que a pandemia foi para a indústria da saúde”, afirmou Chacon. Trocando em miúdos, se a Covid-19 impulsionou tecnologias como a da telemedicina, no campo foram os bioinsumos que ganharam destaque. Com a ameaça da escassez e dos altos preços dos minerais, nunca houve motivos tão urgentes para que a produção de biológicos entrasse de vez no radar dos mandachuvas do setor.
Assim foi feito desde os tomadores de decisão dentro das porteiras até nas esferas públicas mais altas, como o governo federal. De Brasília, que em 2020 já havia lançado o Programa Nacional de Bioinsumos, veio a iniciativa de aumentar as possibilidades de financiamento ao setor com o Plano Nacional de Fertilizantes. Lançado em março deste ano, duas semanas após a eclosão do conflito no Oriente, o programa traz condições inéditas para impulsionar a produção da biotecnologia que, apesar de ainda representar uma fatia reduzida no agronegócio brasileiro, cresce na casa dos 30% ao ano no País. Para o presidente do Conselho Estratégico do Programa Bioinsumos, Alessandro Cruvinel Fidelis, o potencial é ainda maior. “O Brasil ainda não é protagonista no uso de bioinsumos no mundo, mas com esse ritmo de crescimento em comparação ao mundo [onde a taxa é de 15%], a tendência é que alcancemos as primeiras posições num futuro próximo”. Segundo ele, se a expectativa de crescimento se confirmar, até a o fim da safra de 2022 metade da área plantada de soja no País terá recebido, ao menos, uma aplicação de bioinsumos.
Atualmente, 376 bioinsumos estão registrados no Mapa, mas os reguladores de crescimento representam apenas 4% do total. Os benefícios dos biológicos, segundo Giuliano Pauli, diretor de Inovação da Superbac, são relevantes e há grandes chances do mercado de biofertilizantes crescer de maneira acelerada, seja para o aumento de produtividade de qualquer cultura agrícola ou para a recuperação de áreas degradadas. “Esse blend sinérgico de bactérias cria uma matriz orgânica de alta qualidade que substitui em 50% a necessidade do NPK”, afirmou. Assim, garante o fundador Luiz Chacon, o produtor consegue reduzir a dependência dos minerais, aumentar a produtividade das plantas e ainda garantir a regeneração do solo. “No fim, o produtor ainda tem até 30% a mais de lucro”, disse. Segundo ele, o incremento na rentabilidade é obtido por meio de um ciclo virtuoso em que os bioinsumos funcionam como um condicionador biológico do solo que permite uma microbiota mais saudável com nutrientes que são mais bem absorvidos pela planta. No fim, menos fertilizantes são desperdiçados e a planta produz mais.
Para a empresa, os resultados crescem de maneira proporcional. Atualmente, a tecnologia Superbac está em 4,5 milhões de hectares, sendo 40% no Paraná e 60% em outros 14 estados. Entre seus clientes, grandes fazendas, cooperativas e revendas como Lavoro e Agrogalaxy. Com essa carteira, a expectativa dos acionistas no início do ano era de um faturamento de R$ 1,3 bilhão, mas com a falta dos insumos minerais, agora os planos já mostram um possível incremento de 30% na meta inicial. O bom momento pode significar antecipação dos planos de expansão. A capacidade da recém-inaugurada biofábrica está em linha para o crescimento de mercado projetado para os próximos dez anos. Já a unidade em que o bioinsumo é recebido e misturado ao NPK deve ter sua capacidade de 500 mil toneladas ampliada a 1 milhão de toneladas ainda no ano que vem. Para isso, o investimento anual programado para este ano, que era de R$ 50 milhões, pode ser antecipado chegando a R$ 150 milhões até dezembro.
PESQUISA O investimento feito pela Superbac no mercado brasileiro se justifica pelo potencial de demanda que é tamanho que a Embrapa está dedicando esforços importantes em P&D. Os resultados já começam a aparecer. Em busca da solução para corrigir a carência de fósforo no solo brasileiro, pesquisadores da instituição encontraram duas bactérias do gênero Bacillus que atuam em dobradinha, uma no solo e a outra na planta, liberando o fósforo que está preso na terra para a planta absorver. Na safra 2019/20, o microorganismo foi utilizado em 300 mil hectares de milho e soja. Na safra 2020/21, em 1,5 milhão de hectares e na 2021/22 a perspectiva é que chegue a 4 milhões de hectares. Nas 238 áreas de produção de soja analisadas, o ganho líquido foi de 4 sacas/ha.
Além do desenvolvimento da tecnologia em si, a entidade ainda tem um aplicativo de bioinsumos em que o produtor pode conhecer todas as opções cadastradas pelo Mapa no Catálogo Nacional de Bioinsumos, além de informações relevantes sobre o uso de insumos biológicos na agricultura. De acordo com a entidade, o aplicativo ajuda fornecedores e usuários de insumos biológicos a encontrarem produtos seguros e testados e está organizado em duas partes: inoculantes e pragas. Para cada praga, é fornecida uma descrição detalhada e uma lista de produtos biológicos indicados para combatê-la. No grupo de inoculantes, estão listados aqueles que foram testados e aprovados para diferentes culturas com indicação de fornecedores credenciados.