07/06/2022 - 7:55
A liberdade de imprensa, um dos pilares das democracias liberais, sofre investidas no mundo e no Brasil na mesma medida em que governantes populistas de direita e de esquerda procuram corroer o estado democrático de direito. No diagnóstico de analistas ouvidos pelo Estadão, na data de hoje, em que se comemora o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, a reflexão que se impõe é de como o direito à informação é abalado em um contexto de notícias falsas e distorcidas, falta de transparência e negacionismo.
A avaliação é de que a censura estatal das ditaduras cedeu lugar à opacidade dos governos iliberais. Ela desafia as democracias na mesma medida que ações buscam sufocar financeiramente empresas jornalísticas e processos e ofensas tentam intimidar jornalistas. Este quadro se completa com dois fenômenos mais recentes: o negacionismo à ciência e as redes de desinformação.
Um consórcio de veículos formado por Estadão, Rádio Eldorado, TV Globo, GloboNews, G1, O Globo, Extra, Valor Econômico, Folha de S.Paulo, UOL e CBN se uniu para celebrar a data em uma ação para reforçar a importância do acesso à informação de qualidade pela sociedade e defender a integridade dos jornalistas profissionais que sofrem, cada vez mais, com ataques e ameaças no exercício da profissão.
“No Brasil e em sociedades altamente polarizadas, o grande desafio é mostrar que a liberdade de imprensa é, antes de tudo, a liberdade de a sociedade tomar conhecimento do que fazem e como agem governos, poderes, organizações, pessoas públicas, partidos e assim por diante. O papel da imprensa não é agradar a todos, mas muitas vezes denunciar, investigar e, sobretudo, conferir a veracidade do que se divulga nas redes sociais”, observou o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech.
Na visão do professor da Escola de Comunicação e Artes da USP Eugênio Bucci, os ataques à liberdade de imprensa são feitos atualmente de tal forma que a sociedade desaprenda a importância desse direito, a sua função social e da necessária atividade de fiscalização do poder. “Isso mina não apenas o estado de direito, mas também a cultura democrática na sociedade”, disse. “É uma característica dessas autocracias o golpe em gerúndio, que vai acontecendo. A Hungria é um caso particular, assim como a Turquia e a Rússia. Mas a gente observa em todos esses lugares a corrosão por dentro, a cupinização. É como se o estado democrático de direito fosse exaurido por fadiga e esvaziamento”, afirmou o jornalista.
Para o professor de Filosofia e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Renato Janine Ribeiro, a verdadeira vítima desses ataques é a cidadania. “A liberdade de imprensa é uma liberdade cujo titular não é o jornalista ou a empresa, mas a cidadania, o coletivo. O jornalista e o empresário são uma espécie de fiel depositário da liberdade de expressão que deve exercê-la para o bem comum. Ele tem a obrigação da verdade e deve contribuir para o melhor debate público.”
MORDAÇAS
A história da liberdade de imprensa no Brasil é também a da forma como os governantes tentaram controlá-la. Assim como outros veículos, O Estado de S. Paulo foi alvo de governantes durante toda a República. A Primeira Guerra trouxe ao País o estado de sítio e ao Estadão, uma mordaça que durou de 24 de novembro de 1917 a 28 de fevereiro de 1918. A direção do jornal resistiu à ação da censura, controlada pelo governador de São Paulo, Altino Arantes, do Partido Republicano Paulista (PRP), deixando em branco o espaço de artigos inteiros ou trechos amputados pelo gabinete de polícia. Ao todo, a ação autoritária golpeou 22 vezes o jornal.
Com o Estado Novo, o Estadão foi novamente alvo. Soldados da ditadura de Getúlio Vargas invadiram a sede do jornal em 25 de março de 1940 sob a falsa acusação de que a direção participava de uma conspiração. Armas foram colocadas no forro do prédio pela polícia para forjar provas. Os proprietários do jornal foram acusados de armazenar metralhadoras para derrubar o governo. Francisco Mesquita foi preso e levado para o Rio, onde o detiveram por 40 dias. Sem provas, ele foi solto, mas impedido de reassumir suas funções no jornal, que passou a ser gerido pela ditadura. O ditador confiscou o jornal e o pôs a serviço de sua propaganda, indicando um interventor para comandá-lo.
O jornal voltou às mãos da família Mesquita em 6 de dezembro de 1945. Ele seria novamente alvo em 13 de dezembro de 1968, quando a edição que trazia o editorial As instituições em frangalhos, escrito por Julio de Mesquita Filho, foi impedida de circular pela polícia política. Com o Ato Institucional 5 (AI-5), censores se instalaram na redação, que passou a publicar versos de Camões, enquanto o Jornal da Tarde, também editado pelo grupo, publicava receitas de bolo no espaço dos textos cortados pelos censores.
Após a Constituição de 1988 a liberdade de imprensa voltou a ser ameaçada no País por decisões judiciais, como a censura imposta ao Estadão pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no fim de julho de 2009, que proibiu o jornal de publicar notícias sobre a Operação Boi Barrica da Polícia Federal – que apurou o envolvimento de Fernando Sarney, filho do então presidente do Senado, José Sarney (MDB-AP), em esquema de contratação de parentes e afilhados políticos do clã por meio de atos secretos. A mordaça durou 3.327 dias.
Além de decisões judiciais, a liberdade de imprensa se viu ameaçada por atos e investidas de governos, desde as tentativas de controle da mídia surgidas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva às ameaças aos anunciantes dos jornais feitas por Jair Bolsonaro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.