O risco fiscal voltou a dar as cartas no mercado doméstico de câmbio nesta terça-feira, 7, e levou o real a amargar o pior desempenho entre as principais moedas do mundo, incluindo divisas fortes e emergentes. A proposta do governo de cortar tributos federais sobre combustíveis e compensar Estados por perdas de arrecadação com Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – com impactos estimados em R$ 40 bilhões – voltou a despertar temores de uma escalada populista em ano eleitoral.

Investidores partiram para a defensiva já na abertura dos negócios, levando o dólar a abrir acima de R$ 4,80. Com renovação de sucessivas máximas, a moeda chegou a superar R$ 4,90 ainda pela manhã, correndo até R$ 4,9341 (+2,89%).

O movimento comprador perdeu força ao longo da tarde, em sintonia com o exterior, com a divisa voltando trabalhar abaixo de R$ 4,90. No fim do dia, o dólar avançava 1,64%, cotado a R$ 4,8742 – maior valor de fechamento desde 19 de maio. O giro com o contrato de dólar futuro para julho, principal termômetro do apetite por negócios, superou US$ 15 bilhões, sugerindo que pode ter havido mudanças relevantes de posicionamento.

No exterior, o dólar teve um desempenho misto em relação a divisas emergentes e de países exportadores de commodities, incluindo pares do real. O índice DXY – que mede o desempenho da moeda americana frente a seis pares fortes – chegou a operar em alta pela manhã, mas acabou perdendo força com a recuperação da libra e a diminuição das perdas do iene. A moeda japonesa atingiu pela manhã seu menor valor ante o dólar em mais de 20 anos, após o presidente do Banco do Japão Banco do Japão (BoJ), Haruhiko Kuroda, voltar a defender a política monetária relaxada, até que a inflação se estabilize perto da meta de 2%.

“O movimento de alta do dólar foi predominantemente doméstico. Houve um aumento da percepção de risco que se refletiu na moeda e nos juros futuros”, afirma o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho. “O corte de impostos não vai criar um problema fiscal no curto prazo, mas o sinal é muito ruim. A zeragem de impostos é para controlar a inflação e não para aumentar a eficiência da economia. E existe ainda o risco de judicialização.”

O governo anunciou na segunda-feira que pretende zerar tributos federais (PIS/Cofins e Cide) sobre gasolina em troca da aprovação do PLP 18, que coloca teto de 17% sobre o ICMS dos combustíveis. Haveria compensação aos Estados também pelo fim de cobrança de ICMS sobre diesel e gás de cozinha contemplada em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Se aprovadas, as duas medidas valerão até 31 de dezembro deste ano.

O senador Fernando Bezerra (MDB-PE) foi escolhido para ser relator da PEC e disse que deve apresentar seu parecer nesta quarta-feira (8). Bezerra prevê a votação do “pacote de combustíveis” no Senado na próxima semana. A PEC permitirá ao governo transferir aos Estados recursos fora do teto de gastos (a regra que limita o crescimento das despesas) para compensar a perda de arrecadação caso optem por zerar o ICMS de diesel e gás.

Fontes ouvidas pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) afirmam que o governo, premido pelo calendário eleitoral, trabalha para zerar os tributos federais sobre a gasolina e aplicar um teto para as alíquotas de ICMS sobre combustíveis e gás de cozinha a partir de 1º de julho.

A economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, observa que, embora possa ter impacto positivo na inflação deste ano, a redução de tributos agrava a percepção sobre a política fiscal, que já vem desgastada pela mudança do teto de gastos. “Essa pressão sobre nossa moeda reflete o desconforto dos investidores. O real se descolou em relação às demais divisas emergentes, principalmente por conta das incertezas fiscais”, afirma.

Segundo cálculos do Bradesco, a aprovação do projeto que cria um teto de 17% para o ICMS (sobre combustíveis e energia) e da PEC proposta pelo governo poderia levar o IPCA deste ano de 9%, no cenário-base do banco, para 6,8%. Haveria, contudo, um aumento de ao menos 1 ponto porcentual no IPCA do ano que vem, de 4,1% para 5,1%.

Os riscos fiscais envolvidos nas duas propostas seriam suficientes para levar a projeção para o primário do setor público consolidado em 2022 de um superávit de R$ 40 bilhões para um déficit de R$ 45 bilhões, alerta o banco. “Nossa expectativa para o câmbio também seria provavelmente ajustada, refletindo o aumento do risco fiscal”, dizem os economistas do Bradesco, em relatório. No cenário-base, o banco reduziu a projeção de dólar no fim de 2022 e 2023, de R$ 5,10 para R$ 5,0.