08/06/2022 - 16:21
A Prefeitura de São Paulo prevê gastar R$ 1 bilhão para recapear ruas e avenidas da cidade. Na primeira etapa do programa, que começa neste mês, estão previstas obras em ao menos 70 endereços prioritários na capital. Paulistanos reclamam de buracos e cobram monitoramento frequente. “Fazem obra de tapa-buraco, mas em dias de chuva o problema volta a aparecer”, afirma o motorista Ricardo Ferreira, de 56 anos. A estimativa da Prefeitura é que, até 2024, mais de 20 milhões de metros quadrados de vias sejam recuperadas com recapeamento, micro pavimentação e manutenção de pavimento rígido.
Em entrevista ao Estadão, o secretário das Subprefeituras, Alexandre Modonezi, afirma que mantém permanente monitoramento das condições do pavimento asfáltico da malha viária da cidade de São Paulo. Também são analisadas as características de fluxo de cada tipo de via e as estruturas de drenagem superficiais.
Entre os critérios considerados para a escolha das vias prioritárias, de acordo com o secretário, estão o volume de tráfego e a deterioração do pavimento existente, demanda de transporte coletivo sobre pneus, histórico de operação de conservação de pavimentos viários, além de outras necessidades da própria comunidade.
“Levamos em consideração as vias onde temos a presença do transporte coletivo para melhorar a qualidade dos usuários de ônibus e as vias onde há grande concentração de fluxo de bairros da capital. É um plano que temos dois anos e meio para concluir e que se tornou o maior programa que a cidade já fez de pavimento na sua história”, disse ele.
O arquiteto e urbanista Antônio Cláudio Fonseca considera favorável a criação de programas de recapeamento de vias, já que atualmente o transporte individual por pneus prevalece e é protagonista na cidade.
“Enquanto não tivermos outra proposta de protagonismo de transporte na cidade, o automóvel ainda será prioritário. É para usar automóvel como complemento de sistema estabelecido, como ocorre em cidades como Londres, Paris e Chicago. Por isso, é importante que o recapeamento seja feito com qualidade, beneficiando também o transporte coletivo”, diz Fonseca, que defende ainda que ruas afastadas no centro entrem na prioridade da Prefeitura. “Vias de bairros afastados do centro ficam sempre por último. Quanto mais afastado do centro da cidade, pior. Tem ruas em bairros das periferias que foram asfaltadas há mais de 20 e estão em situação extremamente precárias.”
Segundo o secretário das Subprefeituras, todas as regiões da cidade serão contempladas. Ele cita, entre as prioridades, as Avenidas Sapopemba, Ipiranga, 23 de Maio, Cangaíba, assim como as Marginais do Pinheiros e do Tietê.
Com uma malha viária de 17 mil quilômetros, o que corresponde a 196 milhões de metros quadrados de vias, a cidade de São Paulo reúne 57 mil logradouros. Ainda segundo o secretário, outros endereços serão apresentados gradativamente na lista do programa de recapeamento. “Conforme as etapas forem concluídas e sendo feitos os levantamentos, vamos apontando novas vias que farão parte do programa”, ressaltou Modonezi. A maior parte das obras será realizada no período noturno, na tentativa de minimizar o impacto na mobilidade urbana.
Na relação prioritária da Prefeitura, a Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, no trecho do Jardim Cidade Pirituba, zona norte paulistana, terá obras no asfalto, em ambos os sentidos, da Rua Gonçalves de Barros até a Avenida Fiorelli Peccicacco. O motorista Ricardo Ferreira considera que a via precisa de melhorias. “Ela é muito extensa. Começa na Marginal do Tietê e chega perto do Rodoanel. Há um trecho que precisa de recapeamento urgente”, afirma.
Para ele, que nasceu e sempre morou na zona norte, muitas ruas dos bairros da região também merecem atenção. “Há muitas vias esburacadas e também com asfalto trincado que necessitam de recapeamento. A Avenida Deputado Cantídio Sampaio, que sai do Terminal Cachoeirinha e emenda com a Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, também precisa ser recapeada. Motoristas tentam desviar de buracos invadindo a faixa contrária, com altíssimo risco de acidente”, acrescenta o motorista.
Moradora da zona leste da capital, a auxiliar de escritório Simone Oliveira, de 47 anos, afirma que o problema nas vias fica mais evidente na época de chuvas. “Não somente onde eu moro, no Parque Residencial D’Abril, mas há muitas vias trincadas que ficam sujeitas a abertura de buracos sempre que estamos na temporada de chuvas”, afirma.
“Como moro na zona leste e presto serviço em Santos, no litoral paulista, utilizo com frequência a Avenida Jacu-Pêssego. Embora tenham sido realizadas obras de tapa-buraco e até de recapeamento em alguns trechos, o tráfego pesado de caminhões e ônibus exige que a via seja constantemente monitorada. Nem sempre é possível desviar dos buracos e quando é possível, existe o risco de acidente por ocupar a faixa ao lado rapidamente”, diz a auxiliar. A Avenida Jacu-Pêssego faz parte dos endereços prioritários e passará por serviço asfáltico no trecho entre a Avenida Ragueb Chohfi e a Rua Santo André Avelino, nas proximidades da Vila Gil.
Segundo o urbanista Antônio Cláudio Fonseca, é preciso ainda levar em consideração que em avenidas com descidas – onde circulam muitos ônibus – devem ser colocados pisos mais rígidos para evitar ondulações posteriormente no asfalto provocadas pelas freadas nas vias.
Os materiais utilizados nas obras, de acordo com a Prefeitura, são os mesmos adotados em países da Europa, com alta resistência à deformação, maior vida útil e resistência a derrapagens. No serviço de recapeamento é realizada ainda a recomposição estrutural de toda a extensão da via, como guia, sarjeta e drenagem.
“A qualidade do trabalho realizado tem sido muito instável. Em certos momentos, como os moradores apontam, o asfaltamento é feito em um mês e depois de dois meses já apresenta sinais de deterioração”, afirma o urbanista.
A moradora Simone cobra ainda serviço de qualidade não somente no asfalto, mas também nos poços de visita, popularmente conhecidos como “bueiros”. “Muitas vezes o serviço de recapeamento é feito, mas os bueiros ficam com as tampas abaixo do nível do asfalto. O carro passa e há risco de danificar pneus ou mesmo provocar acidente. Isso ocorreu em vias recapeadas da zona leste, como a Avenida Amador Bueno da Veiga e Avenida Águia de Haia”, afirma.
De acordo com o secretário das Subprefeituras, o nivelamento dos “bueiros” está previsto no programa de recapeamento. No entanto, como os poços de visita já têm alguns anos, quando há uma constante passagem de veículos, acabam afundando. Ele explica que, quando a obra é feita, o poço de visita fica nivelado, passado algum tempo pode afundar.
“Há um ano e meio, contratamos uma equipe da Poli-USP para achar uma solução técnica para evitar afundamento. Vamos fazer uma placa pré-fabricada de concreto para ser encaixada em cima desses poços de visita. Estamos lançando uma licitação somente para cuidar disso. Temos 178 mil tampas de poços de visita pela cidade. Para descobrir os donos, o pessoal da USP conseguiu fazer isso por meio de inteligência artificial. Descobrimos que 60% são da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)”, afirma o secretário.
Monitoramento em tempo real
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, pela primeira vez, o município possui o mapeamento das condições do pavimento da cidade. São dados acerca da existência de trechos de vias com pavimento asfáltico em estado ótimo, bom, regular, ruim e péssimo em todas as regiões da capital.
Uma das medidas adotadas foi a implantação do Sistema Gaia, plataforma que faz o mapeamento e identifica a qualidade e o conforto do pavimento da cidade. Por meio de dispositivos acoplados a veículos, é possível verificar as condições do asfalto e localizar possíveis defeitos e irregularidades.
“Temos 108 veículos – entre táxis, ônibus e carros de aplicativos – que passam para a Prefeitura a informação sobre a situação da qualidade do pavimento. A partir daí, fazemos uma seleção de quais ruas passam a ser prioridade para a manutenção viária”, afirmou Modonezi.
Os logradouros em más condições são avaliados pelo Pavscan, um equipamento que identifica por meio de scanner o serviço que deverá ser realizado, de acordo com o grau de desgaste da via.
Desde novembro de 2019, a secretaria também passou a utilizar o Geoinfra, ferramenta de gerenciamento do subsolo que permite à Prefeitura controlar em tempo real as obras realizadas por concessionárias.
No mesmo ano, em maio, foi publicado o decreto 58.756, que estabelece critérios para concessionárias que realizam reparos em vias pavimentadas: as obras devem ter cronogramas compatíveis com as datas previstas para o recape; em vias recapeadas há menos de um ano, só são aprovadas obras no passeio e obras que não danifiquem o pavimento; a reparação de pavimentos danificados por abertura de valas deve ser feita de acordo com as normas de pavimentação. Qualquer intervenção deve ser ainda comunicada previamente pelas concessionárias. Em caso de irregularidades, elas estão sujeitas a penalidades.
Para o secretário, o desafio é grande. “Descobrimos – nesse processo de melhoria da gestão e criação de controles de cidades inteligentes – que temos um grande vilão na questão do pavimento. São as concessionárias. É tão grave a situação que foi preciso criar um sistema para controlá-las. Descobrimos que as concessionárias na cidade de São Paulo abriram mais de 54 mil buracos, sendo a Sabesp responsável por 43.529, o que representa quase 80% da quantia contabilizada. Além de fazer um bom asfalto, temos que cobrar das empresas que façam bom serviço e executem as obras antes que a gente faça o recape”, afirma Modonezi.
Em nota, a Sabesp afirma que, entre as mais de 100 empresas que atuam no subsolo da capital e realizam serviços com aberturas no pavimento, é a com maior estrutura subterrânea. Tem cerca de 80 mil quilômetros de tubulações subterrâneas na Região Metropolitana de São Paulo e, só na capital, realiza por mês em torno de 1,5 mil serviços com abertura de valas.
“Todos os contratos da companhia foram adequados para a execução dos pavimentos em conformidade com a nova legislação municipal. O total de recape passará de 500 mil m² para 1,5 milhão m² por ano e os investimentos também foram ampliados: de R$ 70 milhões para R$ 308 milhões por ano”, diz a Sabesp.
A companhia acrescenta que atua continuamente com a Prefeitura em busca de soluções para a gestão do pavimento, tendo participado da criação do Geoinfra, sistema de controle utilizado pelo município e por concessionárias.
Também implantou o Centro Ecológico de Reciclagem de Pavimento (CERP), que recicla materiais de obras da companhia para produção de asfalto espumado, reduzindo os riscos de surgimento de trincas. Outro termo de cooperação com a Prefeitura, segundo a Sabesp, atenderá 250 mil m² de recape, com investimentos de R$ 45 milhões.