A dobradinha formada por alta expressiva da inflação americana em maio e tombo da confiança do consumidor nos EUA ao menor nível histórico detonou uma onda de fuga das Bolsas e corrida global ao dólar na sessão desta sexta-feira, 10. A leitura das mesas de operação é que crescem as chances uma desaceleração mais forte da economia americana dada a necessidade de o Federal Reserve, cujo comitê de política monetária se reúne na próxima semana, ser mais agressivo no processo de alta de juros para domar a maior inflação no país em mais de 40 anos.

Tirando uma queda pontual na abertura dos negócios, quando chegou a romper o piso de R$ 4,90, registrando mínima a R$ 4,8856, o dólar trabalhou em alta ao longo de todo o dia. A barreira psicológica dos R$ 5,00 foi rompida ainda pela manhã, com moeda marcando máxima a R$ 5,0121. A febre compradora arrefeceu à tarde, em sintonia com o ambiente externo. No fim do dia, o dólar avançava 1,49%, cotado a R$ 4,9886 – maior valor de fechamento desde 18 maio. Com isso, a divisa encerra a semana com valorização de 4,39%. Foi a maior alta semanal desde a semana encerrada em 26 de março de 2021.

No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – saltou do patamar de 103,000 pontos para operar acima dos 104,000 pontos, atingindo máxima aos 104,230 pontos. A moeda americana também subiu em bloco frente a divisas emergentes e de exportadores de commodities. As taxas dos Treasuries avançaram com força, com a T-note de 2 anos – mais ligada à perspectiva para os próximos passos do Fed – tocando 3%, no maior nível desde dezembro de 2007. Acompanhamento do CME Group mostra que possibilidade de o BC americano elevar a taxa básica de juros ao menos uma vez em 75 pontos-base até a reunião de julho passou a ser majoritária.

A escalada dos juros dos Treasuries parece ter afetado até o leilão de swap cambial realizado pelo Banco Central, segundo avaliação de Antonio Madeira, economista da MCM Consultores. No leilão, que deu continuidade à rolagem dos vencimentos previstos para agosto, o BC vendeu apenas 3.600 contratos (180 milhões) de swap cambial, um volume muito aquém da oferta total de 15.000 contratos (US$ 750 milhões). “O BC não deve ter aceitado diante da dispersão alta nas taxas e do juro mais salgado. É um dia meio complicado para vender swap”, afirmou Madeira em entrevista à repórter Thais Barcellos.

O índice de preços ao consumidor (CPI) nos EUA subiu 1% em maio em relação abril, quando o esperado era alta de 0,7%. O núcleo, que exclui energia e alimentos, avançou 0,5%, também acima das expectativas. Na comparação anual, o CPI acelerou de 8,3% em abril para 8,6% em maio, superando as projeções (8,3%) e atingindo o maior nível desde dezembro de 1981. Enquanto a inflação acelera, a atividade dá sinais de fraqueza. O índice de sentimento do consumidor americano caiu de 58,4 em maio a 50,2 na preliminar de junho (expectativa era de 58,5), atingindo o menor valor já registrado, de acordo com pesquisa elaborada pela Universidade de Michigan.

Para o economista-chefe do Integral Group, Daniel Miraglia, a inflação americana está disseminada e com padrões típicos de países emergentes, fruto da conjunção de dois choques seguidos de oferta (pandemia e guerra na Ucrânia) e de estímulos monetários gigantescos. “Para trazer a inflação de volta, o Fed vai ter que ser mais agressivo e provocar uma desaceleração da economia americana”, diz Miraglia, para quem a onda de volatilidade dos ativos de risco ainda está longe do fim.

Miraglia trabalha com dois cenários. Em um deles, o Fed eleva a taxa em 75 pontos-base na semana que vem. Isso levaria os mercados de risco a sofrer bastante no curto prazo, mas abriria espaço para um reequilíbrio mais rápido na sequência, com as taxas longas dos Treasuries se acomodando em patamares comportados. No segundo, o Fed mantém a política gradualista e o quadro se deteriora continuamente, com o retorno da T-note de 10 anos superando 3,5% e podendo até atingir 4% – o que levaria a perdas agudas em portfólios de renda fixa e de ações, ensejando riscos de uma crise sistêmica.

Seja qual for o caminho do Fed, Miraglia vê um dólar cada vez mais forte no mundo, uma vez que o euro sofre com a fraqueza da economia europeia e o iene perdeu seu papel de refúgio em razão da política monetária frouxa do Banco do Japão. Esse movimento global de valorização da moeda americana vai respingar no mercado doméstico de câmbio nos próximos meses, avalia. “A tendência é de um dólar para cima. Na minha visão, o mercado ainda não está precificando a questão eleitoral. Bolsonaro deve ir de peito aperto para o conflito com o STF (Supremo Tribunal Federal)”, diz o economista, que prevê dólar a R$ 5,50 no fim deste ano.

Para o diretor de produtos de câmbio da Venice Investimentos, André Rolha, o real ainda têm fôlego para uma nova rodada de apreciação, descolando-se da tendência de alta da moeda americana no exterior, uma vez que a economia mostra fôlego maior que o esperado e a inflação dá sinais de arrefecimento. “O caso da Eletrobras mostrou que tem apetite por Brasil. E temos ainda taxas de juros domésticas elevadas”, diz Rolha, que vê possibilidade de o dólar retornar ao patamar de R$ 4,80. “O que prejudicou muito o real na última semana foi esse problema fiscal, com a questão do pacote para segurar os preços de combustíveis”.