30/08/2019 - 15:07
No mês passado, Jonas Kirsten faltou três dias ao serviço. O gerente de três unidades da Coasul Cooperativa Agroindustrial, com sede no município de São João (PR), deixou para trás 9,4 mil cooperados que no ano passado levaram esse empreendimento a uma receita de quase R$ 2 bilhões na venda de grãos, aves, ração animal e comércio varejista. No caso de Kirsten, faltar ao trabalho foi uma atitude que pode fazer muito bem à cooperativa e ao seu futuro profissional. Há 19 anos na Coasul, ele já tem formação acadêmica em gestão de cooperativas e de negócios, sendo um dos cursos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Agora, com o apoio de seus diretores, Kirsten dá início a mais uma etapa de aprendizado, período que vai durar até o final de 2020. “Hoje, é preciso saber lidar com pessoas, porque as mudanças são muito rápidas”, diz ele. “Entender e alinhar propósitos é para o bem dos nossos cooperados”. O gerente da Coasul tem 110 funcionários em sua equipe, de um total de 2,8 mil em 37 unidades.
Sentado numa sala de aula na capital paulista, Kirsten era um dos 54 gestores, coordenadores e administradores de 32 cooperativas – todos em cargos de gerência – integrantes da primeira turma da nova fase do InCoop – Programa Cooperar. Trata-se do projeto de educação da multinacional alemã Basf de biotecnologias, orçado em R$ 2 milhões. As aulas são divididas em seis módulos. Cinco deles estão distribuídos em dois anos, com teorias sobre gestão, administração, inovação e cooperativismo, mais uma visita a uma empresa. Na estréia, os alunos estiveram na IBM, uma das maiores empresas globais de tecnologia da informação, onde conheceram o Watson, a plataforma de inteligência artificial da companhia, os laboratórios e a área de pesquisa. Há outras empresas na agenda, ainda não fechada, como a fábrica da Toyota, em Manaus, e a Azul Linhas Aéreas, por exemplo.
O sexto módulo será sempre uma viagem internacional. A primeira turma vai aos Estados Unidos conhecer o Instituto Disney, na Flórida, braço de negócios da Walt Disney Company. Mas o que tem a ver a Disney com cooperativismo? Basta ler um dos sete princípios do manual da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), que é uma das parceiras da Basf no projeto: as cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua. Já o Instituto Disney é referência global em atendimento e fidelização de seu público. “As cooperativas tentam formar uma geração de líderes que estarão na linha de frente dos negócios em um futuro não muito distante”, diz o agrônomo Gustavo Bastos, coordenador do curso. “A Basf faz negócios com as cooperativas. Então, nós também estamos pensando nesse futuro inovador em gestão e processos”, destaca Bastos. No final das aulas, todos os alunos apresentarão um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o equivalente a uma tese de pós-graduação. O modelo acadêmico abre a possibilidade de sua institucionalização, embora Bastos descarte a ideia por enquanto. O certo é que todos anos serão abertas turmas com até 70 alunos, sem custos para as cooperativas, dentro da área chamada Academia Agro.
MAIS SÁBIOS Numa de suas declarações mais famosas, Paulo Freire, pedagogo e educador pernambucano reconhecido internacionalmente, afirmou que a “educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. As pessoas transformam o mundo”.
É exatamente esse fio condutor que parece ligar o propósito do InCoop, no qual a educação continuada faz parte de um processo. “Nós precisamos aprender a aprender”, diz Mariley Bif, gerente administrativa da Coopavel, a Cooperativa Agroindustrial de Cascavel (PR), que registrou receita de R$ 2,5 bilhões no ano passado.
“É a educação que traz o entendimento e a confiança no negócio para os dois lados, o do cooperado e da cooperativa.” Mariley é uma das seis mulheres do curso da Basf, embora ela atualmente já faça uma pós-graduação em gestão de pessoas no Instituto Euvaldo Lodi (IEL), unidade da Federação das Indústrias do Paraná, com término no final deste ano.
A adesão das cooperativas também tem base na retaguarda do conteúdo proposto. Marcelo Prado, fundador da MPrado Consultoria Empresarial, de Uberlândia (MG), uma das mais reconhecidas no setor agro, foi o responsável por desenhar o conteúdo para a Basf. Para ele, o grande desafio é que os alunos saiam preparados e informados, porque hoje há um novo perfil de produtor mais adaptado a mudanças constantes e mais engajado com gestão empresarial. “Os tempos são outros
e o sucesso que tivemos até aqui não necessariamente nos levará para o amanhã”, declara Prado. Ele dá como exemplo o mapeamento da primeira sequência de gens, quando foram necessários 5 mil pesquisadores, 7 anos e US$ 70 milhões. Passados 19 anos, o processo é automatizado, feito em 3 minutos e custa US$ 100. “Ou seja, conseguiu-se evoluir 70 mil vezes o preço e a tecnologia”, afirma. “É esse o mundo em que vivemos. E precisamos entendê-lo como um processo educativo”, destaca.