02/08/2022 - 12:12
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas-PI), se recusou a responder a um requerimento de informações da Câmara dos Deputados sobre o uso de uma emenda parlamentar dele, liberada quando era senador, para a compra de um caminhão de lixo da empresa de uma amiga que frequentava seu gabinete. O requerimento foi aprovado pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara em junho deste ano, após a revelação do caso pelo Estadão como parte da série de reportagens “Farra do caminhão de lixo”, sobre a compra superfaturada de veículos do tipo.
A emenda parlamentar de Ciro Nogueira foi destinada à prefeitura de Brasileira (PI), cidade de 8.364 habitantes a 170 quilômetros de Teresina. Da proposição da emenda até a compra do caminhão compactador de lixo, todas as etapas passaram pelas mãos de aliados de Nogueira: a prefeita é do mesmo partido do ministro, o Progressistas, e aliada dele; o órgão federal que fez a licitação é comandado por um indicado de Nogueira; e a empresa que vendeu o caminhão tem entre os sócios a empresária Carla Morgana Denardin, amiga do ministro e da família dele.
Na série de reportagens, o Estadão mostrou a explosão na compra de caminhões de lixo por parte do governo, inclusive com verbas do chamado orçamento secreto, utilizando as emendas de relator. De 2019 para 2020, o número de caminhões licitados aumentou em mais de 500% – os editais com indícios de superfaturamento somam R$ 109,3 milhões. Em um dos casos, o mesmo modelo de caminhão viu seu valor aumentar em R$ 114 mil em licitação feita apenas um mês mais tarde. Para justificar as aquisições, algumas prefeituras inflaram os números de produção de resíduos sólidos.
Em resposta ao requerimento da Comissão, Nogueira encaminhou um parecer formulado pela Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Secretaria-Geral da Presidência segundo o qual ele não precisaria dar explicações sobre o tema. O argumento é o de que a emenda parlamentar foi feita quando ele era senador, antes de assumir o cargo de ministro da Casa Civil, e não tem relação com suas atribuições enquanto ministro.
“De fato, os ministros de Estado, por integrarem o Poder Executivo, estão sujeitos à fiscalização e ao controle do parlamento. Note-se, contudo, que as informações que devam prestar são aquelas ínsitas (relacionadas) às suas atribuições, ou seja, que integram o âmbito de suas competências”, argumenta o parecer da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ). “É certo que esta atribuição (direcionar emenda parlamentar) não se insere dentro das competências assinaladas por lei à Casa Civil da Presidência da República (…), razão pela qual não será possível atender à solicitação do parlamentar”, diz o texto.
Para o advogado Mauro Menezes, mestre em Direito Público e ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, o argumento da SAJ é uma “saída retórica” para evitar responder ao questionamento. “Penso que não houve defeito no requerimento. Se o texto pedisse esclarecimentos sobre a proposição da emenda, vá lá. Mas o que se pretende são informações sobre atos dele enquanto ministro”, afirma.
“O Congresso está correto em pedir informações. A dúvida não é sobre se Ciro Nogueira pode ou não direcionar emendas para este ou aquele município. O que se discute é se ele, como ministro, praticou atos com interesses políticos ou pessoais privados para beneficiar a empresária de suas relações”, diz Menezes. “Quer dizer que ele necessariamente cometeu algum ato ilícito? Não. Mas ele tem de prestar esclarecimentos.”
O autor do requerimento é o deputado Leo de Brito (PT-AC). Segundo ele, durante a votação na comissão, o requerimento enfrentou resistência por parte da tropa de choque do governo – uma situação que não é usual, pois os pedidos de informação geralmente são aprovados sem contestação.
“Eles tentaram na verdade fazer um desvio retórico, dizendo que se trata apenas da questão da emenda. Agora, de qualquer maneira, pelo que foi levantado nas reportagens, temos uma situação muito delicada em relação a essa empresa”, afirma o congressista. “Vamos fazer agora novos requerimentos para obter informações sobre a atuação desta empresa junto ao governo federal”, diz Leo de Brito, referindo-se ao Grupo Mônaco, de Carla Morgana Denardin.