10/08/2022 - 19:43
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A nota publicada anteriormente se referia erroneamente a espécies de plantas como integrantes da fauna nativa. O termo correto é flora nativa. Segue a nota corrigida:
Um mirante com vista para árvores nativas, uma trilha sensorial para crianças e um cachorródromo estão entre as mudanças previstas para a nova fase de implantação do Parque Alto da Boa Vista, que completou um ano de inauguração parcial em maio, na zona sul da cidade de São Paulo. A abertura permitiu um contato inicial com o espaço após cerca de duas décadas de mobilização popular e disputas na Justiça, mas ainda abrange uma pequena parte da área total, majoritariamente isolada por cercas de bambu.
A segunda fase está em licitação, com resultado a ser divulgado em 23 de agosto. A previsão é de um ano de obra, com a entrega para o fim de 2023 ou o início do ano seguinte. O valor estimado é de R$ 4,59 milhões, porém a menor oferta será a selecionada. A primeira etapa custou R$ 825,7 mil, mais da metade de um termo de compromisso ambiental e o restante de doações.
O motivo de uma abertura parcial tem duas explicações principais. A primeira foi o atendimento a uma demanda de parte da vizinhança para que o parque fosse implantado mesmo que com uma estrutura básica, a fim de evitar novas tentativas de grilagem e uso privado irregular. A outra foi o cumprimento de uma das promessas do Plano de Metas da Prefeitura, de 10 novos parques em dois anos.
A ideia é que o parque mantenha uma vocação mais contemplativa, mas que sejam introduzidas opções de lazer, a fim de mantê-lo ativo. “Estamos prevendo um uso não tão intensivo, sem quadras e com poucos equipamentos, mais voltado à contemplação, caminhada, trilhas”, explica Isabella Armentano, diretora da Divisão de Implantação, Projetos e Obras (DIPO) da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente.
As áreas de vegetação mais densa serão mantidas, com a troca progressiva das espécies invasoras por árvores nativas da Mata Atlântica, enquanto as mais abertas receberão alguns dos novos equipamentos. Hoje, a flora nativa inclui espécies como a aroeira-mansa, o jaborandi e a embaúba-branca. Há também frutíferas, como bananeira, abacateiro e goiabeira. “O projeto tem muito a ver com as características do terreno”, avalia a diretora.
Para as crianças, serão feitas intervenções lúdicas em vez da instalação de um parquinho tradicional. Entre elas, estão um piso ondulado e emborrachado para brincadeiras e deitar, marcações de pegadas de animais no chão e um caminho sensorial. “A gente tem pensado em como os parques podem contribuir na construção e desenvolvimento das crianças, pensando o parque todo como um espaço de brincar, para diversas idades, até o adulto”, conta Isabella.
Caminhos sensoriais costumam envolver diferentes estímulos, desde variações na textura e forma do piso até a presença de plantas aromáticas, por exemplo. A definição do desenho para o parque será feita pela vencedora da licitação, responsável também pela elaboração do projeto executivo da obra.
“O caminho sensorial é uma coisa delicada, que não tem custo elevado e que as crianças gostam muito”, ressalta Francine Sakata, projetista da RGM Arquitetos Associados, escritório responsável pelo projeto de referência do parque. Ela resume que a proposta foi valorizar as áreas livres e a vegetação.
As mudanças também envolvem a instalação de um mirante de 65 metros quadrados, com vista para as árvores. “Foi uma leitura feita a partir do potencial do terreno, que tem uma topografia bem cadenciada”, aponta Maryellen Ribeiro, coordenadora da DIPO na região sul paulistana.
Já o cachorródromo terá 231,1 metros quadrados, com cercamento. Em outro ponto, haverá uma academia ao ar livre, com simulador de caminhada, alongador e outros equipamentos, além de novas trilhas.
Como a ideia é manter as características naturais, a previsão é de um total de 2,1 mil metros quadrados de área pavimentada, o que representa 4,1% do parque. Além disso, o projeto contempla alguns pontos de drenagem, como nos chamados “jardins de chuva”, com camadas de brita abaixo de canteiros ajardinados, a fim de facilitar o escoamento da água.
A iluminação será com lâmpadas de LED, assim como também estão previstos quiosques abertos feitos de bambu ou madeira, um espaço multiuso, tanque de areia e a expansão da administração, com vestiário para funcionários e guarita.
Hoje, o parque se resume a um caminho demarcado por bambus e com placas informativas de algumas das 61 aves identificadas no local, como a coruja-orelhuda e o tucano-de-bico-verde, banheiros e bancos. Em frente à administração, foram colocados cartazes com os croquis da segunda fase do projeto.
O espaço restrito tem causado estranhamento em parte dos poucos visitantes. “É só isso?”, é um dos comentários mais ouvidos pelos trabalhadores do espaço, que se mantém esvaziado. Por vezes, está sem nenhum visitante, como na tarde da quinta-feira, 4, em que foi visitado pela reportagem. Segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), a parte aberta ao público corresponde a 15,7 mil dos 48,2 mil metros quadrados do terreno, contando com uma área de bancos fora do cercamento.
Parte dos frequentadores aprova a abertura parcial enquanto a segunda fase está em tramitação, como o empresário Pablo Campanhã, de 42 anos. “Você entra e é uma imersão de natureza. Parece que está em outro lugar”, descreve.
Semanas atrás, ele fotografou cerca de três tucanos posicionados exatamente no entorno da placa de sinalização do animal. “Foi de encher os olhos”, diz. Ele é crítico, contudo, da implantação do cachorródromo no parque, por avaliar estar em desacordo com a proposta do espaço e ter outras opções na vizinhança.
Parque Alto da Boa Vista foi criado por mobilização de moradores
O parque é parte de uma mancha verde no distrito de Santo Amaro, na qual também estão inseridos um condomínio de alto padrão e um outro terreno alvo de disputa judicial, conhecido como Chácara (ou Jardim) Alfomares. No local, está a nascente do Córrego Poly, anteriormente chamado de Lavapés, que dava nome a um antigo caminho de tropeiros.
A implantação do parque está diretamente ligada à mobilização de parte da vizinhança, principalmente da Associação dos Amigos do Alto da Boa Vista (SABABV). “Foi uma lição para nós: se você pretende algum dia ser uma cidadã plena, um cidadão pleno, precisa estar muito preparado para a frustração e não abandonar o objeto da causa por conta dos ‘nãos’ que a gente ouve da Prefeitura. Se não, nada será feito”, resume a vice-presidente da entidade, a pesquisadora aposentada Nancy Cardia.
Ela relata que a propriedade do terreno como municipal ficou esquecida por anos, até 2000, quando um morador fez uma reclamação na subprefeitura sobre falta de calçamento. Na hora de notificar o dono, qual foi a surpresa do então subprefeito ao verificar que era a própria municipalidade.
Na sequência, foi feito o cercamento. O parque foi criado por meio de decreto em 2003 e batizado com a nomenclatura atual no ano seguinte. Por anos, ocorreram disputas judiciais e outros conflitos pela posse com terceiros, somados às negociações de anos para que a Prefeitura fizesse a implantação.
“A gente tinha a determinação que fosse virar algo para servir ao público. Muitas descobertas sobre o parque ocorreram ao longo dos anos”, comenta. Após o encerramento das disputas judiciais e a não implantação do parque, a associação procurou a gestão pública e se dispôs a arcar com parte da estrutura básica de implantação, em conjunto com a Chapel School. “A gente quer que as pessoas possam caminhar e que, um dia possam ter acesso à nascente, para verem, valorizarem o ambiente. É uma lição pra respeitar o meio ambiente, esse lugar.”
A associação também lidera a defesa da transformação de outra área verde do entorno, conhecida como Jardim Alfomares, como parque. “É uma área com (espécies de) Mata Atlântica, uma fauna inacreditável e reprodução de espécies. O ideal é que vire uma reserva com funções pedagógicas e de pesquisa”, comenta.
Hoje, o terreno é alvo de uma ação aberta pelo Ministério Público de São Paulo, a fim de barrar a implantação de um empreendimento imobiliário. Na Câmara, um projeto de lei aprovado em primeira votação determina a transformação em parque.
Em nota, a Prefeitura respondeu ao Estadão que acompanha “as questões judiciais” e ressaltou que se trata de uma “área atualmente particular, com grande riqueza ambiental e que poderá se tornar um parque municipal seguindo um rito legal, ao ser inserido no Quadro 7 do Plano Diretor Estratégico da Cidade (PDE) – que lista os parques existentes e os que podem vir a existir um dia”, lei que está em processo de revisão neste ano.
Parque Alto da Boa Vista
Endereço: Rua Vigário João de Pontes, 779 (esquina com a Rua Visconde de Porto Seguro) – distrito de Santo Amaro.
Horário: das 6 às 18 horas.
Infraestrutura atual: caminhos, sanitários, bicicletário e bancos.
Observações: animais domésticos somente podem circular com guia e coleira; é vetada a prática de ciclismo, skate, patins e esportes com bola.