01/10/2019 - 17:31
O Congresso Internacional da Indústria do Trigo, organizado pela Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo) reuniu, entre os dias 22 e 24 de setembro, na cidade de Campinas, São Paulo, reuniu cerca de 500 pessoas interessadas em discutir as mudanças na indústria do trigo e as perspectivas para o futuro desse mercado.
Presidente executivo da associação, o embaixador Rubens Barbosa abriu o evento destacando a diversidade de temas e visões que permearam os painéis e mesas redondas realizadas na ocasião.
Já o presidente do Conselho Deliberativo da Abitrigo, João Carlos Veríssimo, chamou a atenção para os desafios que a indústria precisa vencer diante de um cenário pautado por mudanças nos hábitos de consumo, o imediatismo das redes sociais e, sobretudo, as alterações nos canais de distribuição.
Veríssimo destacou, também, outros pontos de atenção para o segmento, como o ambiente macroeconômico, isonomia para concorrer com os países estrangeiros e a melhoria da competitividade, pontos defendidos na Política Nacional do Trigo, com seis pilares que visam estimular o crescimento da indústria nacional.
Importância da cadeia do trigo
Representando o Ministério da Agricultura, o secretário adjunto de Comércio e Relações Institucionais, Flávio Bettarello, indicou a necessidade de um exercício conjunto entre a academia, o setor privado e o governo para o desenvolvimento da cultura do trigo no Brasil.
“O Brasil não está entre os maiores produtores de trigo, o único grão que não é um exportador. Queremos continuar importando, mas queremos produzir mais, e exportar também. Há espaço para todos”, afirma.
O representante do ministério destacou, ainda, a necessidade de uma atualização na legislação de cabotagem, para que outros modais possam ser explorados, citando também o esforço de desenvolvimento de infraestrutura, trabalho coordenado em diferentes esferas de governo.
Panorama do agronegócio
Abrindo as discussões do segundo dia de Congresso, o professor sênior de agronegócio do Insper, Marcos Jank, traçou, em sua exposição, um panorama com a evolução da produção agrária brasileira, reforçando também seu papel para o crescimento de nossa economia.
“A partir dos anos 1990, a expansão agrícola é um ciclo baseado em tecnologia, produtividade, desregulamentação e demanda internacional. É isso que mantém as contas externas do país. Se não fosse a agricultura teríamos um grande déficit nas contas externas”, diz.
Em relação ao mercado de trigo, o especialista explicou que não há um consumo explosivo, ao contrário de outras culturas, como a soja ou o algodão. “O trigo cresce o que o mercado interno permite, e o mercado interno não tem sido incrível. Há muita importação e pouca produção interna”, reforçando a importância da Política Nacional do Trigo para alterar esse cenário.
Jank destacou, também, a importância da expansão de outros modais de transporte, como o ferroviário, para que o agronegócio brasileiro possa competir em pé de igualdade com outros mercados.
“Eu vejo uma grande revolução acontecendo nos últimos anos, com a gente consertando um erro histórico, com investimento privado bem dirigido em um novo modelo de desenvolvimento. E esse é um grande gargalo, em um país continental dependente das rodovias”, afirma o professor.
Conjuntura do trigo e cotas de importação
O aumento da produção de trigo pela Rússia, cujas exportações vem crescendo desde 2012, está alterando a dinâmica do mercado de trigo, indicou o consultor da FCStone, Roberto Sândoli Júnior.
“A Rússia é o ‘maestro do mercado’. É preciso olhar para lá para saber como precificar o trigo, como comprar trigo da Argentina. Se não olhar a Rússia fica-se por fora”, explica.
Apesar do aumento da participação do trigo russo nas compras da commodity, o especialista esclarece que a Argentina não perderá sua participação, mesmo com os atuais problemas internos. Contudo, ele chama a atenção para a expectativa com as eleições, que impede a elaboração de um prognóstico para o mercado local.
Em relação à cota de 750 toneladas sem TEC, anunciada pelo governo brasileiro neste ano, Sândoli Junior acredita que a medida não prejudicará o produtor nacional. “Esse volume já entra no país. Não vai atrapalhar o produtor nacional e a importação argentina”.
Moinhos
Os moinhos brasileiros estão “bem servidos” quanto a moagem, graças aos servidores de máquinas e equipamentos, esclareceu José Honório Tófoli, ex-presidente do Moinho Anaconda.
Segundo ele, a indústria moageira nacional possui um parque industrial de alto nível. Contudo, alguns fatores alteram a rentabilidade do setor, como a capacidade de produção.
Como solução, o executivo indica que as empresas desse segmento precisam estar atentas ao mercado. “Moinho de trigo exige muito trabalho. Trabalhamos com commodity, um produto de alto valor agregado. O que nos resta é trabalhar com muita transpiração e controle, não criatividade. Decidir que mercado queremos, e administrar com a razão, não com a emoção”, encerra.
Mercado de panificação
A busca por produtos artesanais tem pautado a indústria de panificação, com os consumidores cada vez mais interessados em adquirir alimentos fabricados localmente, indica Serge Momus, consultor da Eurogerm.
Para aproveitar essa tendência, ele sugere que os produtores invistam em produtos premium, com uma “pegada saudável” e que sejam individualizados. “É preciso conciliar sabor e saudabilidade, aproveitando a demanda por alimentos frescos e saudáveis”.
Mudanças nos hábitos de consumo
Abrindo as discussões do último dia de Congresso, os palestrantes trouxeram aos presentes temas atuais, como as mudanças nos hábitos de consumo, que têm permeado as discussões em todo o mundo.
Com mais de 70 mil padarias no Brasil, sendo 93% delas de pequeno e médio porte, o diretor executivo da ABIP (Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria), Giovani Mendonça, chamou a atenção para a queda no consumo do pão francês e a busca por produtos mais.
Para se adaptar a este cenário, o dirigente reforça a necessidade de uma farinha de melhor qualidade, sem aditivos e, também, integrais, para atender a esse consumidor.
“A revolução do setor de panificação precisa do moinho. O salto de qualidade da farinha brasileira é necessário”, pontua Mendonça, que crava o prazo de cinco anos para essa revitalização das padarias.
Informação para alimentação saudável
Já o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentação, João Dornelas, critica a falta de informação que tem transformado o setor em vilão mundialmente, sendo responsabilizado pelo aumento de casos de obesidades e doenças crônicas.
“A indústria não se furta de sua responsabilidade, e tem trabalhado junto ao Ministério da Saúde para um programa de vida saudável, junto com incentivo ao esporte”, explica o executivo, que destaca a retirada de 310 mil toneladas de gordura trans dos alimentos nos últimos 7 anos, além da diminuição da concentração de sódio e açúcar.
“É importante reduzir a ingestão desses ingredientes, consumir com equilíbrio. Quando usamos a palavra-chave ‘equilíbrio’, nós ganhos a batalha. O problema é que estamos nos movimentando cada vez menos”, alerta.
Dornelas destaca, ainda, a importância da qualidade da informação para que as pessoas façam boas escolhas alimentares. “O consumidor precisa ter informação para tomar uma decisão. O que defendemos é que não se diga “alto em sódio”, e sim que dê a porcentagem em relação ao total. Cada um tem seu estilo de vida, e é com base nele que as escolhas são feitas”, conclui.
Visão internacional da indústria do trigo
Moderado pelo embaixador Rubens Barbosa, presidente executivo da Abitrigo, o último painel do evento trouxe a visão internacional da indústria do trigo, com a presença de lideranças do Brasil, Paraguai, Argentina, Rússia e Estados Unidos.
Superintendente da Ocepar, Robson Mafialeti reforçou a história do trigo no sul do Brasil e a perspectiva de que essa cultura se expanda para o centro do país. Segundo ele, 85% do trigo brasileiro é produzido no Paraná e no Rio Grande do Sul.
Por se tratar de uma cultura onde a importação supera a exportação, Mafialeti sugere a criação de uma identidade para o trigo nacional afim de aumentar sua produção, indicando também a necessidade de que sejam superados desafios para essa cultura, como o acesso ao crédito e seguro para a safra.
Principal fornecedor de trigo para o Brasil, o mercado argentino não teme perda da participação em nosso mercado, mesmo após a entrada em vigor da cota de importação sem TEC. “Seguimos sendo vizinhos, irmãos, provedores de trigo, com um frete conveniente. O brasileiro está acostumado ao trigo argentino, e seguiremos com essa confiança”, afirmou o subsecretário de mercados agropecuários, Jesús Silveyra.
Representando o mercado russo, Bart Swankhuizen, diretor da Sodrugestvo destacou o crescimento da produção nacional de trigo, atualmente em 75 milhões de toneladas, o que torna a Rússia a maior produtora do mundo, e citou também os planos da região para o mercado brasileiro.
Segundo o executivo, a chegada do trigo russo em nosso país se tornará possível por causa da entressafra do produto argentino, registrada nos meses de julho e outubro, quando os grãos vindos de nosso vizinho ficam mais caros, abrindo espaço para a compra no mercado brasileiro.
Já o presidente da US Wheat, Vince Peterson, comentou a cota de importação sem imposto entre Brasil e Estados Unidos. Anunciada como novidade, o executivo esclareceu que as conversas entre os dois países já vinham acontecendo desde a década passada, e manifestou interesse de que a união permaneça “por outros 50 anos”.
Promovido pela Abitrigo, Congresso Internacional da Indústria do Trigo reuniu especialistas, autoridades e nomes de peso do setor |