26/09/2022 - 22:33
A economista Elena Landau diz ter sido convidada pela candidata à presidência Simone Tebet (MDB) para coordenar seu programa econômica por ser uma “liberal com olhar social”. Por isso mesmo, faz questão de frisar que, se Tebet vencesse as eleições, os gastos públicos seriam destinados principalmente à área social.
Conhecida pela sua defesa das privatizações, Landau diz que vender a Petrobras não é a prioridade no momento. Antes, o ideal seria repassar as subsidiárias da estatal ao setor privado, afirmou a economista, que foi diretora de desestatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no governo Fernando Henrique Cardoso. “A gente tem de deixar a Petrobras contribuindo bilhões de reais (em dividendos) com o governo. Se o governo usa mal o que ele recebe, é outra discussão.”
Ainda em relação à petroleira, Landau disse que é preciso manter o alinhamento de preços dos combustíveis com o mercado internacional. Em caso de um choque na cotação, como o ocorrido neste ano, a melhor saída seria distribuir uma ajuda financeira à população mais vulnerável para que ela possa comprar o produto. “O que você não pode é dar um desconto no imposto para quem não precisa”, acrescentou.
A economista admitiu ser difícil a chegada de Tebet ao segundo turno, e lamentou que a entrada da candidata na disputa tenha se dado tão tarde – Tebet tem 5% das intenções de votos, segundo a última pesquisa do Datafolha.
Sobre um possível segundo turno entre Bolsonaro e Lula, Landau disse que não dialogaria com nenhum dos candidatos. “O programa do PT é de intervenção de Estado. É totalmente distante do que o nosso grupo acredita. Pode ser que o Lula esteja fazendo isso para ganhar a eleição. Pode ser que ele mude de ideia quando assumir. O Lula é uma grande incógnita. Bolsonaro, não. O Bolsonaro não tem jeito.”
Confira trechos da conversa com Landau, que abre a série de entrevistas feita pelo Estadão com os economistas dos candidatos à Presidência.
A candidata Simone Tebet falou, recentemente, em decretar estado de calamidade para pagar a fila do SUS. Isso conversa com a política fiscal que vocês estão traçando?
Não ouvi essa questão, mas acho que o que ela tem na cabeça é que a situação do SUS carrega um atraso desde a pandemia. É preciso recuperar os atrasos da pandemia, seja recomposição de aprendizagem, seja fila do SUS. Nesse sentido, na discussão de qual regra de ajuste fiscal a gente vai fazer para substituir o teto de gastos, podemos colocar essas questões emergenciais. Tem gente que fala em ‘waiver’ (dispensa para gastar), tem gente que fala em fazer um fundo especial para o social. A gente começou a falar um pouco de ‘waiver’, mas recuamos. Quando você fala em ‘waiver’, cada pessoa surge com uma prioridade. A gente quer fazer uma revisão completa do Orçamento, priorizando o gasto social. Não vou entrar com Orçamento com desoneração de R$ 50 bilhões de combustível. Isso não é prioridade. Auxílio Brasil a R$ 600, perfeito. Vamos manter. Vamos focalizar em quem precisa. A prioridade do nosso programa é social. A gente confia que o setor privado faz infraestrutura. Nós não vamos tirar investimentos de qualquer restrição de despesa.
Mas o que seria o novo teto de gastos?
A gente vai ter de fazer um novo cálculo do teto. Ele tem de funcionar como o anterior no sentido de que tem de ter limitação de despesas. Gosto mais da meta do superávit primário do que de uma meta de dívida. A gente vai ter uma política de despesa e metas na política fiscal. Até podemos ter um ‘waiver’, mas não pode ser indefinido. É uma regra de transição para superar a herança verdadeiramente maldita que vamos receber em 2023. Não é um plano de que você vai tirar uma coisa do teto para sempre.
Qual seria o tamanho do ‘waiver’ necessário para 2023?
Sou muito cautelosa. Temos de sentar e estudar. O nosso grupo de economistas de regras fiscais – Persio Arida, Edmar Bacha… – estava discutindo como seria. Não adianta angustiar agora. O Bolsonaro ainda vai afrontar muito até 2 de outubro. É uma dinâmica de desconstrução das contas públicas num nível de rapidez.
Vocês dizem que o teto acabou e que é preciso uma nova âncora de despesa, mas não estão falando qual seria ela.
Temos que calcular. O teto veio com umas coisas que sabíamos que tinham de ser consertadas. Podemos até manter o teto, adaptar a herança, mas ninguém sabe o que vai receber (do governo Bolsonaro).
A sra. disse que a prioridade é o social e que, para infraestrutura, tem o setor privado. Nas eleições de 2018, o Paulo Guedes disse que faria concessões, e o setor privado decolaria com obras de infraestrutura. Não foi o que vimos. O que fazer para isso não se repetir?
Primeiro, tem de ter um presidente que dê rumo, confiança, que a comunidade internacional respeite, que não ataque o meio ambiente. É preciso segurança jurídica. Mas hoje o Paulo Guedes fala uma coisa e depois deixa o jabuti da Eletrobras passar, que é péssimo para o investidor. É um sinal de que o governo perdeu o controle do planejamento do setor elétrico. Como você fala que quer trazer investidor com a volatilidade do dólar que o Brasil tem? Cada vez que o Bolsonaro fala uma coisa ou que o Guedes fura o teto, o dólar responde. É uma insegurança grande. O Brasil perdeu gestão. É vergonhoso para o Brasil ter a licitação de Congonhas e só um licitante. Acho que, no momento em que a gente mudar a agenda ambiental, em que tiver um choque de gestão na administração pública e o BNDES voltar a ser um ator importante na montagem do projeto básico, vamos melhorar a qualidade dos investidores em infraestrutura.
O mercado tem apostado que, em um eventual segundo mandato do Bolsonaro, a privatização da Petrobras poderia ser encaminhada. Vocês fariam algo nessa linha? O que privatizariam?
A desestatização entra no nosso programa na redução de despesas. Na época em que eu fiz desestatizações, usamos os recursos para diminuir a dívida. Agora, todos os recursos têm de ir para programas sociais específicos. O segundo ponto é fechar empresa que tem duplicidade e que o setor privado pode assumir. Hoje, temos 48 estatais e cento e poucas subsidiárias. Dessas 48, 18 são dependentes do Tesouro. Temos de avaliar se essas dependentes têm necessidade de se investir. Os Correios, a gente tem de cuidar, porque têm 90 mil funcionários. Tem de pensar nos Correios sob o ponto de vista social.
Não privatizaria os Correios então?
Não sei se o governo consegue vender os Correios. A parte postal, da qual tem monopólio, que é o que pode ser concedida, está em decadência. E a parte de encomendas é o que mantém os Correios. Então tem de pensar em como fazer e como alocar 90 mil funcionários. Aí você tem de fazer reforma administrativa, para permitir a realocação dos funcionários. Agora vamos falar de Petrobras. A gente tem as subsidiárias da Petrobras primeiro. Isso está no programa da Simone. Tem Transpetro, tem Braskem, tem a antiga Gasbol, tem as refinarias. Mas você não consegue vender refinarias com a ameaça constante de intervir nos preços dos combustíveis. Então tem de garantir a política de paridade de preço da Petrobras e dar continuação nas (vendas das) refinarias.
Mas vimos neste ano uma pressão da população por causa da política de paridade e de como ela acelera a inflação. Vocês adotariam alguma medida para evitar isso?
Acho que, se você tiver um choque emergencial como o deste ano, você faz política de emergência. Você não pode prejudicar a Petrobras com intervenção, porque você está prejudicando a função social da Petrobras, que é cumprir seu estatuto, e a sociedade brasileira. Podiam ter feito neste ano o que todos os países do mundo fizeram imediatamente: voucher (à população mais carente). O que você não pode é dar um desconto no posto de gasolina no imposto para quem não precisa. A gente tem de reforçar a lei das estatais, reforçar o papel das agendas reguladoras e deixar a Petrobras fazer o que ela sabe de melhor: exploração, pesquisa e tecnologia. E deixar ela contribuindo com centenas de bilhões de reais com o governo. Se o governo usa mal o que recebe, é uma outra discussão.
Então a privatização da Petrobras está descartada?
Acho que não é a prioridade no momento, porque a Petrobras é a empresa que mais dá recursos para o Tesouro, mas as subsidiárias são. A desverticalização é. A competição no setor é. E se um dia tocar na Petrobras, será vinculado à política social.
O presidente Bolsonaro falou agora em Auxílio Brasil de R$ 800. Está um ‘quem dá mais’. A Simone vai resistir a isso?
Ela está resistindo. Ela tem crescido pela firmeza dos propósitos, pela sinceridade do que está falando, pela qualidade do programa econômico… Tem de resistir. A Simone sabe que inflação é o pior imposto. Não é R$ 800 ou R$ 1 mil que vai resolver o problema da população brasileira. Você tem de ter uma renda mínima. A gente está apoiando isso.
Como resistir à política do quem dá mais?
Não pode cair nessa. Se vai para R$ 1 mil, as pessoas vão ficar eternamente na vulnerabilidade. Você desincentiva a formalização do trabalho. Se a gente for olhar pela necessidade de uma família vulnerável, você pode dizer que R$ 800 é até pouco. Mas não é essa a questão. A questão é criar condições para atacar a miséria e criar capacitação. O poder do populismo é que ele é paternalista. Ele quer manter ali ‘o pai dos pobres’. A gente não, a gente quer emancipar.
O movimento suprapartidário “Pra Ser Justo” fez uma análise de todas as campanhas e disse que a da Simone Tebet tem uma proposta tributária mais progressiva. Vai ser preciso aumentar a carga tributária para resolver a questão fiscal?
Nosso objetivo é fazer do Imposto de Renda parte do combate à desigualdade no Brasil. Rico não paga imposto no Brasil. Tem de organizar o sistema de regimes especiais. Tem de acabar com subsídios. Então nossa reforma é melhor. A gente faz a desoneração da faixa até um salário mínimo, em vez de ser desoneração setorial, que não tem nenhum registro de que gera de fato emprego. A gente vai fazer no horizontal, na faixa de renda. A simplificação, de um lado, é para melhorar a produtividade e aumentar o emprego. Mas a mudança do Imposto de Renda é voltada para aumentar a progressividade. Vamos tributar dividendos. As pessoas perguntam se vamos tributar grandes fortunas, digo que sim. Mas não no patrimônio, e sim na renda. A gente tem essa ideia de botar o rico pagando imposto. Não temos intenção de elevar a carga tributária. Ela já está elevada.
A Simone está com 5% das intenções de voto. É difícil fazer essa virada em pouco tempo…
Uma pena. Começamos tarde.
Caso o segundo turno seja entre os dois líderes das pesquisas, Lula e Bolsonaro, de que modo você e o grupo de economistas que está trabalhando com a Simone poderia conversar com o projeto do PT?
Eu diria que é um diálogo de surdos.
Como a equipe do Bolsonaro também?
Também. Não estou disposta a conversar. Não posso falar pela minha equipe nem pela Simone. Eu não contribuo em nada para nenhum dos dois. Tem uma questão muito séria que foi a maneira como o Lula tratou a herança recebida pelo governo Fernando Henrique. Ele diz que foi uma herança maldita. Não adianta ele levar o Geraldo Alckmin e continuar dizendo que pegou um Brasil destruído, porque não é verdade. Isso é um desrespeito com todo muito que trabalhou no Plano Real. Estou falando do meu ponto de vista. Os outros, não posso dizer se estarão disponíveis a construir um Brasil. O programa do PT é de intervenção de Estado, de restatização, de voltar o campeão nacional, de voltar a TJLP. É totalmente distante do que o nosso grupo acredita. Pode ser que o Lula esteja fazendo isso para ganhar a eleição. Pode ser que ele mude de ideia quando assumir. O Lula é uma grande incógnita. Bolsonaro, não. O Bolsonaro não tem jeito, não vai mudar, não quer mudar.
Mas a própria Simone fala em diálogo.
Nosso programa está à disposição. É público. Estou falando do meu ponto de vista pessoal. Eu só entro num projeto em que acredito. A Simone me convidou: ‘eu quero você coordenando meu programa porque é liberal com olhar social’. Não acredito que, com intervenção do Estado, com refinarias nacionais, o problema social no Brasil vai ser resolvido. Não deu certo uma vez e não vai dar certo na segunda vez.