O atestado de óbito da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, trouxe como causa da morte a idade avançada da monarca. Aos 96 anos, ela não apresentava nenhum problema de saúde. Quando alguém muito idoso morre sem doença aparente, os médicos precisam necessariamente apontar uma causa? Ou é aceitável dizer que a pessoa morreu de velhice? Com a população mundial cada vez mais longeva e os avanços da medicina, o debate cresce em todo o mundo.

A velhice não é listada no Código Internacional de Doenças (CID). Trata-se da lista da Organização Mundial de Saúde (OMS) usada no mundo todo como ferramenta de diagnóstico que reúne mais de 17 mil condições. No início do ano, houve uma discussão sobre incluir o termo, mas prevaleceu o entendimento de que velhice não é doença e, por isso, não poderia ser listada no CID.

Entre parte dos médicos, também há uma interpretação de que atribuir a morte à velhice é como se o profissional de saúde não tivesse investigado detalhadamente o que levou o paciente ao óbito. A praxe é que a causa seja alguma condição da lista. Independentemente disso, alguns países aceitam que se use o termo no atestado de óbito, como o Reino Unido e o Japão.

No Reino Unido, é possível assinalar no atestado de óbito que alguém morreu de “old age”. Foi o que aconteceu com a rainha e seu marido, Philip, morto em 99 anos em abril de 2021. Mas essa anotação é aceitável só quando o documento é assinado por um médico que acompanha o paciente há muitos anos e não há registro de nenhuma doença.

Entre os japoneses, a morte por idade avançada, também aceita no atestado de óbito, já é a 3ª mais comum no país. Perde só para o câncer e os problemas cardíacos. Mas é preciso que nenhuma outra causa identificável exista para que o termo seja usado.

É DOENÇA?

No Brasil, prevalece o entendimento de que velhice não é doença. Por isso, não deve figurar como causa de morte. Especialistas apontam alguns problemas em se usar “velhice” como causa da morte. Além da interpretação que velhice seria doença, o uso do termo pode gerar preconceito contra os mais velhos. Pode ainda atrapalhar estatísticas de doenças infectocontagiosas (que comumente causam a morte de idosos).

“Não é que haja proibição, mas uma recomendação para que isso não ocorra, que não se coloque causas vagas no atestado de óbito”, explica a geriatra Elisa Franco de Assis Costa, professora da Universidade Federal de Goiás e integrante da Câmara Técnica de Geriatria do Conselho Federal de Medicina (CFM). “Precisamos de informações mais precisas para planejar nosso sistema de saúde, por exemplo, para gerar dados estatísticos importantes.”

Mas independentemente do entendimento oficial, do ponto de vista médico, é possível morrer de velho? A questão também gera controvérsia. Alguns médicos acham que a idade avançada por si só não causa a morte, mas sim alguma outra condição subjacente ao envelhecimento.

Outros especialistas, porém, pensam de forma diferente. Eles acreditam que o organismo se desgasta conforme envelhecemos e, num determinado momento, começa a falhar. Para eles, essa morte poderia ser considerada de velhice.

“Não usaria velhice como causa de morte, como se fosse uma doença”, diz a geriatra Roberta França, professora da Universidade Cândido Mendes. “Todos vamos nascer, crescer, nos desenvolver e morrer. É a ordem natural da vida. Ninguém fica para semente. Há um declínio funcional trazido pela idade, os órgãos perdem sua capacidade, mas não significa que seja doença, um processo patológico.”

PROCESSO NATURAL

Os japoneses têm uma visão própria. “Não é doença, mas algo natural”, disse o médico Kazuhiro Nagao, especialista em cuidados paliativos, ao Wall Street Journal na semana passada. “Não é um fim trágico. É o tipo de morte considerada ideal no Japão, parte da nossa cultura.”

Para a especialista brasileira Veridiana do Nascimento Vieira Bronzon, neurologista do Hospital Federal Cardoso Fontes e da Rede Sênior, é também uma questão cultural que faz com que os brasileiros não aceitem “velhice” como causa da morte no atestado de óbito. “É uma questão cultural do nosso País, marcado pelas academias de ginástica, pela busca do corpo perfeito, pela harmonização facial, o culto à beleza física, ao envelhecimento saudável”, enumera.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.