O presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), titubeou em transferir para presídios federais lideranças criminosas do Primeiro Comando da Capital (PCC). A informação consta em livro escrito pelo senador eleito Sérgio Moro (União-PR). Ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Moro relatou que, no início do governo, Bolsonaro chegou a cancelar a transferência da cúpula do PCC – a decisão foi revista depois. Pela narrativa de Moro, Bolsonaro temia ser responsabilizado pelas consequências de possíveis ataques nas ruas, como ocorreu em 2006, em retaliação ao isolamento de criminosos da facção.

À época em que publicou “Contra o sistema da corrupção”, no final de novembro e início de dezembro de 2021, Moro estava rompido com Bolsonaro. O ex-ministro havia deixado o governo no ano anterior, quando acusou o titular do Executivo de crime. A reconciliação ocorreu na campanha eleitoral deste ano. Moro passou, então, a auxiliar na estratégia da candidatura de Bolsonaro contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem condenou por corrupção quando era juiz da Operação Lava Jato. Os processos foram anulados, e Moro, julgado parcial.

O tema do PCC veio à tona durante debate televisivo na Band, no último domingo. No programa, Bolsonaro pressionou Lula a responder por que não havia articulado a transferência dos cabeças da facção dos presídios de São Paulo, quando era presidente. Bolsonaro acusou Lula de ter “afinidade” com bandidos.

O debate escancarou a participação de Moro na disputa presidencial. À época da transferência dos presos, o governador paulista era Geraldo Alckmin, atual candidato a vice-presidente pelo PSB na chapa de Lula. Bolsonaro os acusou de terem chegado a um acordo com o PCC.

Em seu livro “Contra o Sistema da Corrupção”, Moro dedicou um capítulo ao tema, intitulado “Um golpe no PCC”. Ele narra na obra que no período de transição do governo federal, de novembro a dezembro de 2018, deu início às tratativas com o então governador eleito de São Paulo João Doria. Moro afirma que Doria apoiou a remoção desde o primeiro momento, “sem vacilos”. E que sem ele nada teria sido possível.

Havia pedidos nesse sentido do Ministério Público do Estado, por causa da descoberta frequente de planos de resgate em cadeias do interior paulista. O governo estadual, segundo o agora senador, também se preocupava com retaliações. Os criminosos preferiam permanecer nos presídios paulistas, de onde mantinham o controle da organização. Tudo era mantido em sigilo.

Segundo Moro, a transferência chegou a ser atrasada por algumas semanas por causa de atentados no Ceará, de uma viagem a Davos, na Suíça, e da internação de Bolsonaro, em janeiro de 2019, para cirurgias no Hospital Albert Einstein, em tratamentos por causa da facada que recebeu durante a campanha. “Se o PCC quisesse retaliar o governo federal, não seria o hospital um alvo possível?”, questionou no livro.

“Desde o início do planejamento da operação, ainda durante a transição de governo, eu havia comunicado Bolsonaro sobre a intenção de transferir as lideranças do PCC para os presídios federais. Como a medida poderia ter consequências significativas, como retaliações terroristas, havia a necessidade óbvia de informar o presidente sobre ela. Ele concordou com a ação, que seguia a política de ser firme com o crime organizado, conforme prometera durante a campanha. Mas, a poucos dias da deflagração da Operação Imperium, fui surpreendido com uma mensagem dele no meu celular sugerindo o cancelamento das transferências. Bolsonaro disse estar receoso de possíveis retaliações do crime organizado contra a população civil e temia que, se isso acontecesse, o governo federal fosse responsabilizado, inclusive com impeachment no Congresso.”

Moro disse que achou o temor “compreensível, pelo menos quanto ao risco à população civil”. Então, marcou uma visita ao hospital, ao lado dos generais Fernando Azevedo, então Ministro da Defesa, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional. “Embora Jair Bolsonaro ainda estivesse apreensivo sobre possíveis consequências, a minha impressão é de que, mesmo antes da nossa conversa, ele já havia mudado de opinião e decidido que a operação deveria prosseguir. Ao que tudo indica, os receios dele foram superados antes da minha ida ao hospital, após receber a visita de autoridades do governo de São Paulo que também sabiam da operação”, relatou Moro.

A operação foi realizada em 13 de fevereiro de 2019. Ao todo, 22 integrantes do PCC foram levados de presídios paulistas para penitenciárias em Rondônia, Brasília e Rio Grande do Norte.

Debate

No debate entre presidenciáveis, Bolsonaro vendeu a transferência como um indicativo de sua firmeza no combate ao crime organizado. “O seu governo não transferiu o Marcola, pelo que tudo indica fez um acordo com Marcola e com Seu Alckmin. Teve que eu chegar em 2019 juntamente com o ministro Sergio Moro para que tirássemos o Marcola de presídio estadual em São Paulo para um presídio federal em regime especial sem qualquer comunicação com o mundo exterior. Por que o senhor não transferiu em 2006? Era simpatia, amizade, ou um grande acordo naquele momento juntamente com o seu vice Geraldo Alckmin?”, provocou Bolsonaro.

O petista respondeu que foi ele quem construiu cinco presídios federais existentes. Disse que se houvesse pedido da Justiça, teria atendido. “O candidato sabe que quem cuida de crime organizado não sou eu. Quem tem relação com miliciano, com crime organizado, ele sabe que não sou eu e sabe quem tem”, afirmou. “Se tivesse pedido para transferir a gente transferia porque fui eu quem fiz prisão de segurança máxima. Cinco foram feitas no meu governo. Se o Alckmin governador não quis transferir é porque ele tinha razão para não transferir. Quantos você fez? Nenhum. O presidente não pode mentir.”

Nas redes sociais, Moro também questionou a razão pela qual “os governos Lula/Alckmin não isolaram os líderes do PCC em presídios federais?”. Mas omitiu que Bolsonaro hesitou em levar adiante a remoção de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outros chefes de facções narcotraficantes.

Depois de ter colocado o líder do PCC em pauta nesta campanha, Bolsonaro viu ressurgir nas redes sociais uma conversa que teve com Marcola, em agosto de 2001, quando era deputado federal. No diálogo, parte de audiência pública na Câmara dos Deputados, Bolsonaro defende a pena de morte no Brasil e afirma que vai solucionar a questão quando for “ditador” do Brasil. E ambos concordam que a punição capital deveria ser aplicada aos crimes de colarinho branco.

“No dia em que eu for ditador deste País, vamos resolver esse problema. Pode ter certeza disso aí. Democraticamente, não vamos resolver nunca. É a mesma coisa de chover no molhado. Assim como os senhores, acredito na pena de morte”, disse o então deputado Jair Bolsonaro. “Assim como os senhores dentro do presídio se respeitam, tendo em vista a pena de morte lá dentro, creio que, se implantássemos a pena de morte no Brasil, muita gente não estaria lá dentro, já estaria enterrado depois de devidamente eletrocutado.”

Bolsonaro afirma ainda que a pena de morte inibiria a criminalidade pois um preso “pensaria mais vezes antes de cometer um delito”. Ele, então, citou o caso da família do apresentador e dono do SBT Silvio Santos. “Por exemplo, hoje foi sequestrada a filha do Silvio Santos. Não o estou defendendo por ele ser rico. Ninguém estupra mulher feia, ninguém vai sequestrar pobre. É uma coisa óbvia. Penso que a pena de morte serviria para inibir em muito a criminalidade do País.”

“Acho que não”, discorda Marcola, ao que Bolsonaro emenda. “Para crime de colarinho branco também. Tem que se começar por aí”. “Aí, sim”, diz o líder do PCC. “Se começar por cima, vai afetar embaixo. Agora, se começar por baixo, não vai afetar em cima.”

O líder do PCC desabafou a Bolsonaro: “Já fui morto mais de dez vezes na prisão. Preferiria que tivessem me aplicado uma injeção quando lá cheguei aos dezoito anos. Assim, não estaria aqui agora e não teria sofrido o que sofri. Para mim, teria sido um alívio a pena de morte, embora eu não tenha cometido nenhum crime que a merecesse”.