24/10/2022 - 12:26
Uma das principais apostas da Prefeitura de São Paulo para ampliar a vegetação do centro da cidade, o corredor verde do Minhocão terá dois dos três últimos jardins verticais retirados nas próximas semanas. A remoção custará R$ 657,2 mil e marca o fracasso de um projeto que estimava chegar a 40 intervenções, mas que enfrentou problemas e foi enfraquecido nas últimas gestões municipais. O último remanescente seguirá no entorno do elevado, por iniciativa do condomínio responsável, que conseguiu o patrocínio para a recuperação e manutenção, iniciada neste mês.
O Minhocão chegou a ter sete jardins verticais, com 3,5 mil m2 de área verde e design elaborado por artistas visuais, instalados entre 2015 e 2016. Quatro foram retirados em 2020, por mais de R$ 1 milhão, após parte dos condomínios entrar na Justiça e reclamar da falta de apoio público para as despesas de manutenção, água e energia. Em nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) destacou que a retirada das duas fachadas verdes está em licitação e que os acordos com os prédios expiraram.
O corredor verde foi criado com R$ 4 milhões, em valores não corrigidos pela inflação, de recursos de compensação ambiental. Após seis meses de manutenção privada, a responsabilidade passou ao Município. A Prefeitura não apontou o porquê de ter optado pela remoção e não ter proposto a renovação dos acordos.
A gestão segue com a manutenção do muro verde da Avenida 23 de Maio, de 2017, que custa R$ 160,1 mil ao mês, com 10,1 mil m2 de vegetação. Nos jardins do Minhocão, o custo estimado em 2015 era de R$ 12,51 por m2, mensalmente.
A nova leva de remoções inclui o primeiro jardim vertical do corredor verde, instalado em 2015 em duas empenas cegas (fachadas sem janelas) do Edifício Huds. Nas imediações da Estação de Metrô Santa Cecília, na área central da cidade, a intervenção tem 302 m2, com originalmente 29 espécies de plantas que floresciam em diferentes épocas do ano e desenho do galerista e jardineiro norte-americano Matthew Wood. O custo de implantação foi de R$ 253,9 mil, em valor não corrigido.
O outro que será removido é o do Edifício Alexandre Blackford, pertencente ao Instituto Presbiteriano Mackenzie, na Rua Maria Borba. Com 344 m2, foi instalado em 2016, com um desenho de Guil Blanche, idealizador do corredor verde. Em nota, a instituição disse que cedeu o espaço, “com o comprometimento do poder público em realizar a manutenção, algo que nunca foi viabilizado”. O custo de implantação e manutenção por seis meses foi de R$ 306,5 mil, em valor não corrigido.
Ambos os jardins estão sem manutenção e com a vegetação seca. O mesmo ocorreu com os outros quatro que passaram por remoção em 2020 (incluindo o talvez mais conhecido, com o desenho de uma carranca). Na época, após a parada na irrigação das plantas, moradores chegaram a relatar aumento na presença de insetos e também risco de segurança contra incêndios.
Antes do corredor verde, Blanche havia liderado a implementação de um jardim vertical temporário também junto ao Minhocão, no Largo Padre Péricles, em 2014, com o apoio de uma marca de bebidas. Ao Estadão, ele lamentou a retirada de quase todas as fachadas verdes. “Não seria uma questão de custo, mas de prioridade e tempo da Prefeitura, para se dedicar um pouco ao assunto. A Prefeitura é sobrecarregada, e a iniciativa privada ainda tem dificuldade de saber como pode ajudar”, afirmou.
Ele ainda compara que o corredor verde da Avenida 23 de Maio está em manutenção, mesmo com “complexidades muito maiores”. “Não sei por que no Minhocão não aconteceu o mesmo.”
Por outro lado, os jardins verticais também receberam críticas em 2015, por serem incluídos em um decreto municipal como alternativa para a aplicação de Termos de Compromisso Ambiental (TCAs). A mudança foi vista como um enfraquecimento de políticas de compensação ambiental, visto que o potencial das plantas de menor porte para absorver carbono, por exemplo, é inferior ao de árvores.
Das quatro empenas com jardins retirados em 2020, três estão hoje com murais gigantes. Esse tipo de intervenção nas fachadas do elevado teve um “boom” nos últimos anos, majoritariamente com o patrocínio de marcas e, por vezes, com o pagamento de contrapartida ou aluguel aos edifícios.
Professora de Paisagismo na Universidade Mackenzie, a arquiteta e urbanista Pérola Felipette Brocaneli avalia que o fracasso é resultado, em parte, de problemas presentes já na formulação da proposta, tanto do ponto de vista financeiro quanto técnico. A destinação de recursos de compensação ambiental, diz, não era adequada e as exigências técnicas restringiram a execução a apenas um grupo.
“Seria uma alternativa bacana se costurada de forma mais madura. A ideia foi muito boa, tem potencial incrível”, analisa. “Se tornaria um exemplo a ser seguido se o projeto tivesse ouvido a academia, as empresas parceiras”, completa.
Outro problema que aponta é que os jardins utilizavam água potável, em vez daquela proveniente do reúso, o que encarece a manutenção e também se torna um dilema em tempos de estiagem. “O projeto deveria ter sido melhor pensado, não era sustentável em si.” Ela comenta que, mais do que o caráter estético, esse tipo de intervenção pode atenuar a poluição atmosférica e sonora localmente. “É uma inovação que, infelizmente, naufragou.”
Já o arquiteto e urbanista Guido Otero, parte da Comissão Executiva da Operação Urbana Centro e pesquisador de planejamento urbano, considera elevado o valor gasto pelo poder público para a retirar os jardins. Ele também ressalta que o Minhocão é um dos espaços da cidade que mais receberam propostas de intervenções públicas nas últimas gestões, mas não aplicadas ou insuficientes. “Cada um lança um plano novo, mas pouco é feito.”