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Dentre as tantas qualidades do agronegócio brasileiro há algumas que chamam a atenção. Da lista, destaque para uma que toca a ponta final: a capacidade de se reinventar rapidamente para atender às demandas dos consumidores. A beleza disso está na aproximação que gera entre o campo e o meio urbano, impactando positivamente a reputação do setor. Um dos exemplos mais recentes é o esforço da indústria em mudar modelos de produção para oferecer alimentos carbono neutro. São ovos, carnes, leites e derivados que levam a concretização de uma vida mais sustentável diretamente para a mesa das famílias. A decisão de entrar nessa jornada não é fácil. Faltam dados mercadológicos que comprovem que se trata de um bom negócio financeiro. Mas como diz a regra do mercado, quem consegue antecipar uma tendência com disposição para assumir mais riscos, tem mais chances de ter um retorno maior.

Por hora, o que existe em abundância são dados que comprovam que o modelo de agropecuária tradicional contribui de forma negativa para as mudanças do clima. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mais de um terço das emissões globais de dióxido de carbono são geradas por sistemas de alimentação. No ranking dos países campeões, o Brasil está na 4ª posição. Antes dele, China, Indonésia e Estados Unidos. A culpa é o uso da terra e a energia. Por isso, o ponto de atenção. “Se há uma possibilidade de escaparmos de uma catástrofe climática, nós temos que mexer nessas duas frentes”, afirmou Luis Fernando Laranja, CEO e fundador da NoCarbon. A empresa foi lançada em 2021 com duas versões de leite carbono neutro, o integral e o desnatado. Um ano depois, expandiu o portfólio com queijos minas frescal e padrão, coalhada, ricota, kefir, creme de leite e leite semidesnatado zero lactose.

AGROFLORESTA Modelo de baixo carbono impacta positivamente toda a cadeia (Crédito:Divulgação)

Produzir alimentos neutros em carbono, afirmou Laranja, veio como resultado de uma militância ambiental que pratica desde jovem. “Acompanhando a discussão sobre mudanças climáticas entendi que a melhor maneira para deixarmos um impacto positivo seria reinventar a pecuária”, disse o empreendedor. Assim, quando começou a fazer a conversão da sua produção leiteira tradicional para a orgânica fechou uma parceria com a Fazenda da Toca. “Essa decisão me ajudou a economizar 18 meses em conversão”, disse ele. Em 2020, dois anos após o seu início, a operação já estava totalmente verticalizada. O que se seguiu foram meses de preparação até que em 2021 os primeiros produtos No Carbon chegaram às prateleiras. Entrar no varejo foi mais lento do que o imaginado, mas agora está na hora de tracionar. “Com produtos nas lojas, o nosso próximo passo é tornar a marca e a categoria mais conhecida pelo consumidor final”, afirmou.

CONSCIÊNCIA proteína bovina agrada quem pensa em sustentabilidade (Crédito:istock)

ECONOMIA REGENERATIVA Para alento do fundador da No Carbon, ele tem companhia na luta para expandir esse novo mercado. Uma delas é também sua parceira. A Fazenda da Toca, fundada por Pedro Paulo Diniz em 2009, nasceu com a sustentabilidade em seu DNA, como disse à RURAL o CEO da empresa, Fábio Sakamoto. “Em nosso negócio a preocupação com a neutralização das emissões de CO2, com a biodiversidade e com o uso racional de recursos naturais é default”, disse. O produto mais conhecido da marca são os ovos, mas há também uma parte agrícola. Para que a equação das emissões resulte em zero, diversas práticas de cultivo regenerativo são aplicadas em uma lógica de circularidade. Os grãos orgânicos são produzidos pela Rizoma Agro — empresa do mesmo grupo e também presidida por Sakamoto — que alimentam as galinhas, que geram o esterco, que viram adubo para o solo onde os grãos e frutas são plantados.

“Entendi que a melhor maneira para deixarmos um impacto positivo seria reinventar a pecuária” Luis Fernando, Nocarbon (Crédito:Divulgação)

Esse tipo de modelo econômico começa a atrair com mais força o mercado de capitais. A própria Rizoma Agro foi, em 2020, a pioneira mundial na captação Green Bond certificado de acordo com o critério de agricultura do Climate Bonds Standard. A operação de R$ 25 milhões foi vinculada à produção de grãos regenerativos orgânicos. Para Sakamoto, o crescimento de movimentações do tipo é um marco importante. “O agro não é tão friendly aos investidores, mas eles já começaram a entender que o solo é um grande sumidouro de carbono”, afirmou. Em outras palavras, a jornada global pela descarbonização está tornando o agronegócio uma grande oportunidade para os donos de capital com visão de futuro. “O Brasil é a Arábia Saudita na economia verde”, disse Sakamoto.

Daniel Spalato

CIÊNCIA Para chancelar o protagonismo nacional na descarbonização do campo, os produtores rurais brasileiros têm a ciência ao seu lado. Dos campos da Embrapa, nasceu a Carne Carbono Neutro (CCN), marca conceito parametrizada e auditável que atesta a neutralidade das emissões de gases de efeito estufa na proteína animal adquirida pelo consumidor. Segundo a entidade, isso é possível por meio de uma pecuária regenerativa feita em sistemas integrados silvipastoris (pecuária-floresta) ou agrossilvipastoris (lavoura-pecuária-floresta). Dentre as diferenças desses modelos para o tradicional estão a intensificação sustentável do uso da terra, a diversificação da produção, a conservação do solo, o melhor uso dos recursos naturais e dos insumos, a redução da pressão pela abertura de novas áreas (efeito poupa-terra), o bem-estar animal, o sequestro de carbono, e, como consequência, a mitigação das emissões de gases.

Tecnologia, conhecimento e empreendedores dispostos a protagonizar a expansão de uma agropecuária revolucionária, o Brasil possui. A prova começa a ganhar espaço nos supermercados e nas mesas das famílias brasileiras. Agora, falta contar essa história para o resto do mundo.