25/12/2022 - 8:15
A proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição aprovada na quarta-feira passada e os sinais de mudança do arcabouço fiscal do País sugerem um risco crescente de que o Banco Central não só tenha de voltar a aumentar a taxa Selic em 2023, como precise manter os juros em nível mais restritivo por longo tempo. A avaliação é da economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour. O cenário básico do banco considera desinflação de 0,1 ponto porcentual entre 2022 e 2023, de 5,9% para 5,8%, com expansão fiscal de R$ 100 bilhões em dois anos, sem uma forte deterioração cambial. Neste quadro, o BC manteria os juros estáveis em 13,75% até o terceiro trimestre de 2024, e começaria o ciclo de afrouxamento monetário. Mas a analista alerta que o aumento mais forte dos gastos sugere um risco altista para o IPCA e, consequentemente, para a política monetária.
Qual sua leitura sobre a política econômica dada até agora pela equipe de Lula?
A direção da política fiscal vai ser de expansão de gastos significativa, em um momento em que a economia está sem capacidade ociosa, com taxa de juros real alta e com expectativa de inflação também alta.
Teremos uma trajetória de dívida mais pressionada?
Nosso cenário básico, de aumento da dívida bruta a 87,6% do PIB até 2030, considera um gasto adicional de R$ 100 bilhões por dois anos, e depois se retoma o teto. Consideramos taxa de juros real neutra de 4% e alta potencial do PIB próximo de 1,5%. A PEC não modifica muito esse cenário, pois o valor, de R$ 168 bilhões em um ano, é parecido aos R$ 100 bilhões por dois anos. Mas, na nossa opinião, com essa PEC o juro real neutro é mais próximo de 5% e pode se aproximar de 6%, caso permaneça a incerteza sobre o arcabouço fiscal.
O que esperar da nova âncora fiscal?
Esperamos que a incerteza sobre o arcabouço seja dirimida nos próximos meses, com a discussão sobre a proposta que vai vigorar a partir de 2024. Acho que o melhor mecanismo seria um em que a dívida/PIB é um indicativo, mas a regra é de gasto. Todas as intervenções do governo eleito são de que a regra do teto não deu certo e precisa acabar. Me parece provável que não teremos uma regra de despesa, o que acho muito ruim, porque vai trazer uma regra mais fraca e pouco crível.
Qual o risco de o BC ser forçado a voltar a subir o juro?
Temos no cenário 5,8% de inflação em 2023, mas o risco é ser mais alta, pois a expansão fiscal será concentrada em um ano. Não consideramos que a falta de arcabouço vá afetar muito o câmbio, em R$ 5,40. Se não víamos espaço para o BC cortar juros com inflação de 5,8%, com uma maior, tem menos espaço ainda. Acho que o maior risco é o BC ter de subir o juro e mantê-lo alto por mais tempo, não só porque o risco de inflação para 2023 é para cima, mas pela possibilidade de aumento do prêmio de risco do Brasil.
Qual seria o impacto sobre o crescimento do Brasil?
É relevante. Quando falamos da política fiscal vista como insustentável, afeta a confiança no País e o investimento privado. Com menos investimento, há menos produtividade e menos PIB potencial. Nesse ambiente, o PIB potencial do Brasil, que nas nossas contas é em torno de 1,5%, vai cair mais.
O governo Lula, mais amigável à pauta ambiental, não poderia atrair investimentos internacionais?
Tem outros pontos, não só da questão ambiental, que favorecem o Brasil na questão pós-pandemia e pós-guerra, porque é um país que não tem problemas geopolíticos e exporta commodities. Então, há muito a atrair. Mas os investimentos só vão para um país visto como sólido, que não tem convulsões sociais, inflação crônica, baixo crescimento eterno. Não existe um país que vá receber investimentos por causa da riqueza natural se não tiver uma economia estável, que traga um mínimo de previsibilidade para o investidor.
Há risco de uma crise de confiança com a dívida, que afete a capacidade de gerenciamento do Tesouro?
O primeiro momento de estresse é quando o Tesouro começa a ter de aceitar as taxas de mercado. Já estamos vendo o uso do colchão de liquidez e existe um nível prudencial mínimo, próximo de três meses. À medida que isso se aproxima, o mercado fica mais estressado. O segundo momento de estresse e monitoramento é quando esse cenário de gestão da dívida leva a uma piora das expectativas de inflação e da trajetória do câmbio. Você conjuga dificuldade de gerenciamento com o debate sobre o BC subir juro e chega a um momento muito mais complicado, onde as taxas de juros sobem mais ainda pela dificuldade de gestão da crise e pela possibilidade de aperto monetário.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.