A maior percepção de risco de calote no recebimento de aluguel deve trazer à tona mais casos de indisposição entre os donos de imóveis comerciais e os inquilinos, principalmente as empresas varejistas. Gestores de fundos imobiliários, analistas e advogados preveem que haverá um endurecimento das cobranças de valores atrasados daqui para frente, incluindo até mesmo “processos relâmpagos de despejo” – em que o proprietário exige a desocupação imediata do imóvel por causa de um pequeno atraso no pagamento do aluguel.

O clima mais pesado começou a ser sentido na terça-feira, 14, quando o fundo imobiliário Vinci Logística entrou com uma ação de despejo contra a Tok&Stok após a varejista deixar de pagar o aluguel vencido no começo deste mês.

Outra situação de atrito no mercado se tornou pública nesta sexta, 17, com o fundo de investimento imobiliário Brasil Varejo comunicando que não recebeu o aluguel da Loja Marisa que vence neste mês. A Rio Bravo, administradora do fundo, informou que está buscando “todas as medidas cabíveis para cobrança”.

“O número crescente de grandes varejistas entrando em estresse financeiro levanta uma bandeira amarela para as empresas presentes nesse ecossistema”, afirmaram os analistas de mercado imobiliário Bruno Mendonça e Pedro Lobato, em relatório do Bradesco BBI.

‘Ação preventiva’

As preocupações aumentaram após o rombo contábil das Americanas e a multiplicação de casos de empresas que têm convocado credores para renegociar o pagamento de dívidas, como Marisa e Tok&Stok. Segundo um gestor de fundos imobiliários que falou sob anonimato, o episódio Americanas “precipitou ações preventivas no mercado”.

O pedido de despejo movido pela Vinci, por exemplo, teve esse tom. Há uma preocupação de que a Tok&Stok siga para uma eventual recuperação judicial. Quando esse tipo de situação ocorre, as dívidas são congeladas e o despejo é impedido até que a empresa apresente um plano de pagamento, deixando os donos de imóveis e outros credores em compasso de espera. Há poucos dias, a Americanas avisou aos donos de shoppings que não iria mais pagar os aluguéis atrasados porque teve o pedido de recuperação judicial deferido.

De acordo com outro gestor de fundo que pediu para não ser identificado, o movimento do Vinci foi uma precaução antevendo uma possível recuperação judicial. Ele afirmou que “não é normal” o ingresso de pedido de despejo no mesmo mês do não pagamento, “inclusive porque o mês nem acabou”.

Risco

Os analistas do Bradesco BBI observaram que o risco é maior para empresas do segmento de galpões logísticos, muito utilizados como centros de armazenagem e distribuição de mercadoria. Neste ramo, é comum haver imóveis ocupados por apenas um locatário, o que gera um risco mais concentrado para seus proprietários.

No caso da Vinci, por exemplo, a Tok&stok representa aproximadamente 14% das receitas totais do fundo. Já no fundo da Rio Bravo, o impacto é gritante, pois a Marisa tem um peso de 81,5% na receita.

Já no setor de shoppings, o risco é mais diluído. Basta pensar que cada centro de compras abrange de 100 a 200 lojas, portanto, espalhando o recebimento de aluguéis entre várias locatárias, ponderaram os analistas.

Outro ponto de equilíbrio é que as redes de shoppings também dependem das grandes varejistas para atrair os consumidores, o que inibe processos de despejo imediatos. O mais comum é negociar antes de chegar ao extremo.

Sem restrições legais

Juridicamente, não há barreiras para entrada de ações relâmpago de despejo. “Com um dia de atraso no pagamento do aluguel ou das contas previstas em contrato de locação, como condomínio, IPTU, luz, água e gás, o proprietário já pode pedir o despejo”, explicou o advogado Carlos Ferrari, sócio do escritório NFA, com atuação na área imobiliária.

O mais comum é esse tipo de processo ser movido depois de ao menos um mês de inadimplência e tentativa de negociação. Já quando se acelera essas ações é porque há o sentimento de que o inquilino não vai ser capaz de honrar com os pagamentos, acrescentou Ferrari.

Para o advogado Olivar Vitale, sócio do escritório VBD e consultor do Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis – São Paulo (Secovi-SP), novos atritos devem surgir nas próximas semanas. “O caso Americanas tornou os credores e locadores menos pacientes”, disse.

Ele afirmou, porém, que o processo de despejo por inadimplência não precisa ser o fim da linha para o contrato de locação. “Basta o inquilino, em juízo, pagar o que deve e obstar o despejo porque não há, em principio, um inadimplemento absoluto, sem volta”, afirmou o advogado.

Brasil Varejo diz que Marisa atrasou aluguel

O fundo de investimento imobiliário Brasil Varejo, administrado pela Rio Bravo, comunicou que não recebeu o aluguel da Lojas Marisa referente ao mês de janeiro e com vencimento em fevereiro.

A varejista é a principal locatária, respondendo por 81,5% da receita imobiliária apurada pelo fundo. A inadimplência representa um impacto negativo de aproximadamente R$ 5,95 por cota, de acordo com o comunicado do fundo. A Rio Bravo informou que está buscando “todas as medidas cabíveis para cobrança, preservação de direitos e interesses do fundo e dos seus cotistas, bem como regularizar o atraso da locatária com a maior brevidade possível”.

Dificuldade

Com dificuldade para crescer, a Marisa passa por processos de reestruturação pelo menos desde 2017. A empresa viu o número de funcionários diminuir, ao mesmo tempo que fez aumentos de capital milionários. Contratou ainda consultorias para reorganizar sua operação e até para tentar procurar um comprador para o negócio – ou parte dele. Nesse vaivém, a rede de vestuário está com dificuldade de contratar – e reter – altos executivos e membros do conselho de administração. Na B3, suas ações haviam caído 42% até o dia 13 deste mês com a notícia de que vai precisar reestruturar a dívida, que é hoje de cerca de R$ 600 milhões.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.