O Tribunal de Contas da União afirmou à Secretaria-Geral da Presidência da República e à Comissão de Ética Pública que ‘o recebimento de presentes de uso pessoal com elevado valor comercial’ por integrantes de missão diplomática ‘extrapola os limites de razoabilidade’ e está em ‘desacordo com o princípio da moralidade pública’, cabendo a entrega do bem à União.

O entendimento foi fixado no bojo de uma ação sobre o recebimento, por integrantes da comitiva que acompanhou o ex-presidente Jair Bolsonaro em viagem a Doha em 2019, de relógios de luxo, das marcas Hublot e Cartier, cujo valor pode chegar a R$ 100 mil.

A Corte de Contas ainda recomendou à Comissão de Ética Pública da Presidência que aperfeiçoe a regulamentação sobre critérios para aceitação de presentes dados por autoridades estrangeiras a agentes de missões diplomáticas, ‘especialmente quanto ao respectivo limite de valor comercial, em conformidade com os princípios de moralidade e razoabilidade’.

A decisão segue em parte a conclusão da Secretaria de Controle Externo de Governança, Inovação e Transformação Digital do Estado – área técnica do CTU – que chegou a defender que os ex-ministros Onyx Lorenzoni, Augusto Heleno, Ernesto Araújo, Gilson Machado Guimaraes Neto, o ex-deputado Osmar Terra, o almirante Sergio Ricardo Segovia Barbosa, e o ex-secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio e Diretor de Programas no Ministério da Economia Caio Megale devolvessem os presentes recebidos durante a missão diplomática.

Com exceção dos dois primeiros, todos admitiram ter recebido relógio Cartier ou de outra marca, possuindo, segundo a secretaria, ‘o dever ético de devolver os respectivos presentes’. Onyx Lorenzoni e Augusto Heleno silenciaram quanto à especificação dos presentes recebidos durante a viagem.

Ao propor que os aliados de Bolsonaro devolvessem os relógios de luxo que receberam durante a viagem a Doha, a área técnica destacou que o valor dos presentes doados pelo governo do país árabe é extremamente alto.

“Não se trata de peças alusivas à cultura brasileira e/ou confeccionadas em materiais originários do Brasil, em gesto de cortesia no exercício regular de funções diplomáticas, mas sim de relógios, cujo valor unitário é maior, por exemplo, do que o teto constitucional dos Ministros do STF, equivalente a 45 salários-mínimos. Além disso, não se sabe ao certo quantos relógios foram distribuídos, tendo-se notícia de que teriam sido recebidos nove. Todo esse valor poderia, certamente, ser convertido em benefício da população, caso os relógios fossem devolvidos à Presidência da República”, sustentou a secretaria.

O caso tramitou no TCU sob relatoria do ministro Antonio Anastasia. Ao analisar a proposta da área técnica para determinação de entrega dos bens, o ministro entendeu ser ‘mais adequado’ dar ciência à Secretaria-Geral da Presidência da República e à Comissão de Ética Pública, ’em reforço ao caráter pedagógico da presente ação de controle’. Ainda de acordo com o integrante do TCU, tal movimento ‘não impede a adoção das providências administrativas cabíveis para a entrega dos bens à União, nos casos dos agentes públicos que receberam presentes de uso pessoal com alto valor comercial e ainda não adotaram a referida medida saneadora’.

Segundo ele, a ação de controle tem como tema ‘o recebimento de presentes dados por autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade’, mas sua singularidade envolve o ‘elevado valor dos bens dados à guisa de presentes pelo Estado estrangeiro, ainda que meramente protocolares, aos representantes do Governo brasileiro em missão diplomática, com valor estimado, a preços correntes, entre R$ 30 mil e R$ 100 mil’.

Ao analisar o caso, o ministro considerou que tanto a análise da unidade técnica da corte, como a avaliação feita por um dos conselheiros da Comissão de Ética Pública da Presidência da República ‘assinalam a incompatibilidade entre o elevado valor comercial dos presentes e os propósitos almejados na sua permuta protocolar em reuniões diplomáticas’.

“O recebimento de presentes de uso pessoal com elevado valor comercial extrapola os limites de razoabilidade aplicáveis à hipótese de exceção prevista no art. 9o do Código de Conduta da Alta Administração Federal e no art. 2o, II, da Resolução CEP 3/2000 (troca protocolar e simbólica de presentes entre membros de missões diplomáticas), em desacordo com o princípio da moralidade pública, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal”, ponderou.

COM A PALAVRA, CAIO MEGALE

“À época do recebimento do item, Caio Megale reportou imediatamente ao Comitê de Ética da Presidência da República para saber como proceder nessa situação. Em 3 de março de 2022, a Comissão de Ética Pública da Presidência havia entendido que os presentes não precisariam ser devolvidos. Mesmo assim, o economista optou por não fazer uso do objeto, que mantém-se intacto e embalado, sem nunca ter sido usado, caso houvesse mudança de orientação. Diante da nova recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU), Megale irá devolver o relógio.”