18/09/2023 - 12:46
O ataque à democracia em 8 de janeiro no Brasil, a invasão ao Capitólio nos Estados Unidos, o assassinato de George Floyd e de mãe Bernadete, e eleição de presidentes declaradamente racistas. Esses fatos recentes, ocorridos no Brasil e nos Estados Unidos, não conseguem ser explicados por uma história de perspectiva branca e elitista. Para entender esses fenômenos é preciso de um olhar afrocentrado para o passado.
A avaliação é do brasileiro Tiago Rogero e da estadunidense Nikole Hannah-Jones, que comandam as produções jornalísticas Projeto Querino e o The 1619 Project, respectivamente. Eles participaram, na manhã desta segunda-feira (18), da abertura do 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, em mesa com o tema Educação antirracista: a voz preta na história. O evento ocorre até esta terça-feira (19), em São Paulo.
Notícias relacionadas:
- Jornalismo comunitário atua contra “desertos de notícias”.
- Bienal do Livro 2023 destaca literatura de mulheres afro-brasileiras.
- Latinidades discute políticas públicas para mulheres afro-latinas.
O The 1619 Project, lançado em 2019, faz referência ao ano do início da escravidão nos Estados Unidos. “Nenhum aspecto do país que aqui se formaria permaneceu intocado pelos anos de escravidão que se seguiram”, aponta a apresentação do projeto. “Se quiser entender os Estados Unidos não é 1776 [ano da Independência], mas 1619”, destaca Nikole.
Segundo ela, foram os negros americanos que movimentaram as ideias revolucionárias de liberdade, as quais são valores fortemente reivindicados pelos estadunidenses. Nikole questiona o mito de que a democracia foi criada pelo branco, tendo em vista que não se trata de democracia quando se excluem mulheres e negros. “Escravidão e Estados Unidos nasceram no mesmo dia”, disse.
O processo de Independência no Brasil também é recontado numa perspectiva afrocentrada no Projeto Querino. O nome do projeto jornalístico é uma homenagem ao intelectual Manuel Raimundo Querino (1851-1923), jornalista, professor e abolicionista que, em 1918, publicou O colono preto como fator da civilização brasileira, obra que trata do protagonismo dos africanos e dos afrodescendentes para a formação do Brasil.
“Nosso apartheid nunca foi por meio de leis, mas ele está posto. Ynaê [Lopes, historiadora e consultora do Projeto Querino] sempre fala que o Brasil nunca precisou de leis segregacionistas, que a segregação se dá na prática”, disse Rogero.
Ele lembra, como uma das narrativas contadas no podcast, que a primeira Constituição do Brasil definia quem era cidadão e já trazia uma forma de fazer com que as pessoas negras não fossem incluídas. “Ela dizia que o africano, ainda que fosse livre, não poderia se tornar cidadão”, disse. Ele destaca que a Constituição foi imposta. “Tinha uma assembleia montada para fazer a Constituição, Dom Pedro I discordou, dissolveu e impôs”, disse.
Educação antirracista
No Brasil, a Lei 10.639, que incluiu oficialmente nos currículos escolares o ensino de história e cultura afro-brasileiras, completou 20 anos este ano. Duas décadas depois, os desafios permanecem: sete em cada dez secretarias municipais de Educação não realizaram nenhuma ação ou poucas ações para implementação da lei, aponta pesquisa divulgada, em maio deste ano, pelo Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra.
“A lei é fruto da luta histórica do movimento negro para que a história do Brasil seja entendida de maneira mais diversa, mas a lei está lutando contra uma longa história. A fundação da ideia de Brasil se faz em cima de uma ideia que é majoritariamente branca, ou preferencialmente branca. E essa é uma escolha que é reiterada ao longo da história pelo Estado Nacional brasileiro”, aponta Ynaê Lopes, professora de História da Universidade Federal Fluminense e consultora em História do Projeto Querino.
Ela lembra que a consequência de não avançar com perspectivas mais diversas da história do país resultam na manutenção do racismo.
“A educação, infelizmente, foi a ferramenta mais importante para que isso acontecesse. Quando a gente não revisita a maneira como a gente aprende, mantém-se esse status quo, e esse status quo é racista propositalmente. A gente acha que sempre foi assim e sempre tem que ser, mas não, o racismo é uma escolha cotidiana”, disse.
Ao mesmo tempo, ela lembra que jornalismo e educação podem ser potentes ferramentas antirracistas.
Jeduca
A programação do 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), segue até esta terça-feira. Entre os temas a serem debatidos, ataques às escolas, tecnologia, novo ensino médio e educação midiática. O evento tem como tema central o papel da educação na transformação da sociedade e as relações entre o jornalismo de educação.