A contaminação por agrotóxicos no Brasil aumentou mais de 850% em um ano, aponta a Comissão Pastoral da Terra (CPT) em um relatório sobre conflitos do campo divulgado na segunda-feira,2. Foram 182 casos de contaminação registrados no primeiro semestre deste ano, frente a 19 no mesmo período do ano passado.

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De acordo com a organização, a maior parte das ocorrências (156) foi registrada no Maranhão, “onde comunidades estão sofrendo severas consequências da pulverização aérea do veneno”.

“A contaminação por agrotóxicos é uma violência contra as condições de existência das comunidades. Ela está relacionada ao avanço da fronteira agrícola e à expansão das monoculturas transgênicas altamente dependentes de agrotóxicos”, afirma Valéria Pereira Santos, da Coordenação Nacional da CPT.

“Em 2024, o maior registro de ocorrência dessa violência ocorreu no estado do Maranhão devido à articulação de organizações e comunidades, que intensificaram as denúncias de contaminação de comunidades por meio da pulverização aérea. Como ação de resistência, está sendo promovida uma campanha pela aprovação de um projeto de lei contra a pulverização aérea”, diz Santos.

A CPT realiza esse levantamento desde 1976, e o novo dado referente aos agrotóxicos é o maior da série histórica. Os levantamentos são feitos pela entidade com base em fontes coletas por seus agentes em todo o país, bem como em divulgações de órgãos públicos, movimentos sociais e organizações parceiras ao longo do ano.

“Chuvas de veneno”

O alarmante dado divulgado na segunda revela um efeito direto da pulverização aérea de pesticidas utilizados pelo agronegócio no Brasil. Na União Europeia, por exemplo, esse tipo de atividade é proibida desde 2009, por causa dos danos potenciais à saúde pública e ao meio ambiente.

No Brasil, apenas o Ceará tem uma legislação semelhante, proibindo as chamadas “chuvas de veneno”. A mesma foi questionada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mas, em maio do ano passado, acabou sendo entendida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Relatora da ação, a ministra Carmen Lúcia afirmou na ocasião que seu voto levava em consideração “os perigos graves, específicos e cientificamente comprovados de contaminação do ecossistema e de intoxicação de pessoas pela pulverização aérea de agrotóxicos”.

A decisão do STF abre espaço para que outros estados brasileiros adotem posturas semelhantes. Projetos de lei para banir a pulverização tramitam em estados como São Paulo, Mato Grosso, Paraná, Minas Gerais, e o próprio Maranhão, entre outros, com resistências de entidades ruralistas.

Na esfera federal, também há projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados buscando proibir a pulverização aérea. Atualmente, uma norma do Ministério da Agricultura proíbe esse tipo de ação a menos de 500 metros de cidades, povoados e mananciais ou a menos de 250 metros de moradias isoladas. Mas ativistas reclamam da baixa fiscalização.

Altos índices de violência no campo

De forma geral, o novo relatório da CPT aponta uma leve queda no número de vítimas da violência do campo, embora os dados sigam em um patamar alto, na avaliação da entidade. No total, foram registradas 1.056 ocorrências de conflitos no campo no primeiro semestre de 2024 — no mesmo período do ano passado foram 1.127, recorde da série histórica. Os dados consolidados de 2024 serão apresentados em abril do ano que vem.

“Houve uma pequena redução no número de conflitos pela terra em comparação ao mesmo período de 2023 […], mas os números revelam o relato de uma realidade ainda grave, de altos índices de violência”, afirma a CPT. No primeiro semestre deste ano foram 824 ocorrências de violências contra a ocupação e a posse e 48 ações de resistência; no mesmo período de 2023, haviam sido 849 violências e 89 ações.

Grilagem, invasão e pistolagem também apresentaram redução, mas houve aumento das ocorrências de ameaça de expulsão, que passaram de 44, em 2023, para 77, em 2024.

“No caso das ocorrências de pistolagem, mesmo com a redução significativa de 150 para 88, este é o segundo maior registro da última década, atrás apenas de 2023, quando ocorreu o número recorde dessa violência”, ressalta a CPT.

Indígenas e posseiros são maiores vítimas

Houve uma mudança no quadro das maiores vítimas dos conflitos pela terra. Em 2023, os povos indígenas lideravam o ranking. Agora, o posto é ocupado pelos posseiros, ou seja, as famílias moradoras de comunidades tradicionais que ainda não têm a titulação da terra. Foram 235 vítimas registradas em 2024. Entre indígenas, foram 220. Na sequência aparecem quilombolas, com 116, e sem-terra, com 92.

Pelo segundo ano consecutivo, os fazendeiros lideram o ranking dos maiores causadores dessas violências, com 339 casos. Na sequência estão os empresários, com 137 ocorrências, governo federal (88) e estaduais (44) e grileiros (33).

O relatório indica uma redução no número de vítimas de assassinato por conflitos no campo. No primeiro semestre deste ano foram registrados 6 casos, contra 16 no mesmo período do ano passado. Considerando o que a organização levantou até novembro, o ano teve 11 casos. “Destes, quase metade dos assassinatos foram cometidos por fazendeiros”, destaca a CPT.

Entre os assassinados estavam dez homens e uma mulher, a indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó. Ela foi vítima de uma ação supostamente coordenada por um grupo de ruralistas no dia 21 de janeiro de 2024 na Bahia. Na ocasião, fazendeiros cercaram uma área ocupada por indígenas que reivindicavam ser ali território tradicional. Eles tentaram recuperar a propriedade, mesmo sem decisão judicial.

Escravidão contemporânea

O relatório também indica uma redução do número de casos de trabalho em situação análoga à escravidão e de trabalhadores resgatados. Foram 59 casos e 441 trabalhadores rurais resgatados. Em 2023, foram 98 ocorrências e 1.395 pessoas resgatadas.

“Pelo segundo ano consecutivo, Minas Gerais foi o estado com o maior número de casos de trabalho escravo no primeiro semestre do ano [20 registros]. Entretanto, o Amazonas liderou em relação ao número de trabalhadores libertados, com um total de 100 pessoas encontradas em condições análogas à escravidão em áreas de desmatamento e garimpo”, aponta a CPT.

“As atividades de maior concentração de trabalhadores resgatados continuaram sendo de lavouras permanentes, com 209 pessoas, seguida do desmatamento, com 75, mineração, com 70, produção de carvão vegetal, com 44, e a pecuária, com 39, demonstrando a grande contribuição do agronegócio e da mineração para a perpetuação do trabalho análogo à escravidão”, diz a comissão.

Órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), instituição da Igreja Católica, a CPT foi criada em 1975, como instrumento de denúncia a situação de trabalhadores rurais, sobretudo na Amazônia, no contexto da ditadura militar.