01/06/2008 - 0:00
CÉSAR BORGES, vice-presidente da Caramuru Alimentos
O Brasil está perdendo uma oportunidade única para aproveitar- se do excepcional momento vivido pelo mercado de commodities agrícolas. Reconhecidamente um dos mais competentes produtores de grãos e de proteínas animais da porteira da fazenda para dentro, os produtores brasileiros são prejudicados pela somatória de ineficiências a que se convencionou denominar “Custo Brasil” – perversa combinação de juros altos, excessos burocráticos, uma política fiscal punitiva e uma infra-estrutura precária, dentre outros.
O custo do dinheiro, infelizmente, deverá seguir em alta, paradoxalmente, por conta da condição de investiment grade obtida pelo Brasil, que deverá atrair mais dólares para o País, apreciando ainda mais o real. Também não se vê luz no fim do túnel dos trâmites burocráticos no mundo da produção agropecuária, como bem demonstrou o episódio do embargo imposto pela União Européia às importações de carne brasileira no início deste ano, por conta de irregularidades em processos e certificações.
INVESTIMENTOS: hidrovia Tietê-Paraná consumiu US$ 2 bilhões do Estado e de empresas, mas ainda faltam R$ 60 milhões
A política fiscal brasileira, de outra parte, segue na contramão da tendência mundial, priorizando a exportação de matéria-prima, em detrimento dos embarques de produtos industrializados, de maior valor agregado, que geram divisas e empregos. Vale lembrar que nos últimos 11 anos o Brasil perdeu mais de US$ 19 bilhões em market share para a Argentina só no segmento de óleo e farelo de soja, justamente os produtos de maior valor agregado do complexo soja.
Neste contexto, é natural a pergunta: Como as empresas instaladas no Brasil conseguem operar num ambiente tão adverso? Para companhias transnacionais, o quadro é amenizado pelo acesso ao capital externo, que paga juros mais em conta, e pela facilidade de trasladar unidades produtivas – a Argentina, a propósito, vem recebendo grandes investimentos, boa parte deles do próprio Brasil.
E as empresas brasileiras? A estas resta recorrer à conhecida inventividade – como operar em nichos de mercado, com produtos não transgênicos, por exemplo – ou suprindo o papel do Estado, investindo em infra- estrutura. É o caso da Caramuru Alimentos, que aplicou R$ 100 milhões nos últimos anos para escoar a produção do Centro-Oeste até o porto de Santos pela hidrovia Tietê-Paraná, com ganhos de logística e redução de impactos ambientais.
De outra parte, o investimento na hidrovia poderia operar na direção oposta, isto é, interiorizando o fluxo de matérias-primas, como fertilizantes, calcários, sementes, defensivos agrícolas, rações animais e diversos outros insumos agrícolas.
Finalmente, a revitalização do sistema hidroviário Tietê- Paraná interessa por seu efeito multiplicador sobre o potencial deste modal de transporte brasileiro. Vale lembrar que o Brasil conta com o maior sistema fluvial do mundo, que é, no entanto, subaproveitado. Bom exemplo é o da hidrovia do rio São Francisco, que era operada pela própria Caramuru até o ano passado. Por falta de investimentos em obras de dragagem, que garantissem a viabilidade da operação, a empresa viu-se forçada a abandonar o empreendimento.
Retomando o caso da hidrovia Tietê- Paraná, é importante lembrar que o Estado e a iniciativa privada já investiram perto de US$ 2 bilhões na implantação do sistema. Diante de tamanho investimento, a quantia que se requer para a realização de obras complementares, como trabalhos de dragagem, proteção de pontes e autorização para desmembramento de comboios, é orçada em menos de R$ 60 milhões, que poderiam dobrar a produtividade deste modal. Para um país com tantos gargalos no campo da produção agrícola, este pequeno investimento poderia ser um promissor ponto de partida.
“Pequenos investimentos podem ser um importante ponto de partida”