01/10/2025 - 8:00
O tribunal do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) decidiu manter até o fim do ano a validade da moratória da soja. A partir do primeiro dia de 2026, passa a valer a medida preventiva da Superintendência-Geral do Cade, que prevê o fim do pacto criado pelas indústrias processadoras de soja em 2006.
Na prática, esse adiamento por três meses foi o prazo dado pela Cade para que produtores de soja e as indústrias representadas pela Abiove (Associação Brasileira de Óleos Vegetais) cheguem a um acordo sobre o assunto.
Mas, no fim das contas, quem ganha e quem perde com a vigência da Moratória da Soja? A IstoÉ Dinheiro consultou advogados, consultores e representantes das duas partes desse processo para tentar responder a essa pergunta.
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Quem perde com a moratória
De forma geral, os produtores. Isso porque o acordo estabelece que as empresas associadas à Abiove e à Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) não compram mais soja de produtores que desmataram áreas dentro do bioma Amazônia, depois de julho de 2008.
O ponto é que a legislação brasileira permite o desmatamento de forma legal dentro da Amazônia de até 20% da propriedade, deixando 80% preservado. O pacto, contudo, não faz distinção de desmatamento legal ou ilegal, o que acaba por restringir o uso da terra por parte dos produtores e, de certa forma, se caracterizar por uma prática não concorrencial.
Os governadores dos Estados que fazem parte do bioama Amazônia também não aprovam a moratória da soja. Ao restringir a expansão da atividade em seu território, as empresas acabam por limitar, de uma maneira ou de outra, a arrecadação estadual.
A briga entre Estados e indústrias ficou tão acirrada por conta da moratória que, no ano passado, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes sancionou uma lei aprovada na Assembleia Legislativa do Estado que restringiu a concessão de benefícios fiscais a empresas que aderirem à moratória da soja no estado.
“Nosso país é soberano e nenhuma empresa pode descumprir as nossas leis ambientais, que são as mais restritivas do mundo. Continuaremos sendo o maior produtor de alimentos do Brasil, referência em competitividade, e fazendo tudo isso de forma sustentável”, disse o governador à época.
Contudo, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a lei de Mato Grosso. Em decisão monocrática, o ministro Flávio Dino disse que cada empresa é livre para estabelecer a sua política de compras e não pode ser punida por exercer essa liberdade relacionada ao direito de propriedade.
Na avaliação da bancada ruralista do Congresso, quem também perde é a soberania do Brasil. Uma vez que um mecanismo privado como a moratória da soja imponha critérios mais rígidos que a própria legislação brasileira, a soberania nacional estaria sendo ferida, com a criação de um suposto cartel entre as tradings.
Quem ganha com a moratória
A moratória da soja garante às tradings a aceitação da soja brasileira em mercados mais exigentes, como a União Europeia. Alguns países do bloco buscam por produtos livres de desmatamento e aceitam a pagar mais por esse tipo de grão.
Alguns produtores também se beneficiam, especialmente os de maior porte. Com mais recursos e estrutura para comprovar que não houve mais desmatamento em suas propriedades desde julho de 2008, consegue dividir com as tradings parte do prêmio recebido pelos negócios feitos na Europa.
Se parte do Congresso diz que a moratória da soja ataca a soberania nacional, outra parte diz que foi exatamente esse pacto que contribuiu para alavancar a imagem do país no exterior. Em 2018, um relatório do Grupo de Trabalho da Soja (GTS) informou que nos 12 primeiros anos de vigência da moratória, apenas 1,2% do desmatamento ocorrido na Amazônia no período foram decorrentes do plantio de soja.
Entre ganhadores e perdedores, o fato é que a União Europeia está muito longe de ser o grande mercado para a soja brasileira. Se em 2006, quando a moratória da soja foi implementada, o bloco comprava 37,8% da soja exportada pelo Brasil, hoje, esse percentual não chega a 7%.
Além disso, entre 2006 e 2024, as exportações brasileiras de soja passaram de 25 milhões de toneladas para praticamente 99 milhões no ano passado. Nesse mesmo período, as vendas brasileiras para o bloco europeu caíram de 9,4 milhões de toneladas para 6,7 milhões.