PRODUÇÃO: Brasil ainda depende do grão argentino

A produção brasileira de trigo, um dos cereais mais consumidos em todo o mundo, está passando por um processo de transformação, que pode imprimir um novo perfil à cultura. Depois de duas problemáticas safras, a produção nacional de trigo deve registrar um crescimento de 41,9% sobre a oferta do ano anterior, atingindo cerca de 5,4 milhões de toneladas. Este volume ainda corresponde a cerca de metade do consumo brasileiro de trigo, mas há fortes motivos para afirmar que a produção nacional começa a desenhar um círculo virtuoso.

Esse movimento começou a ser desenhado em maio deste ano, quando os principais elos da cadeia produtiva articularam-se para enfrentar o quadro de desabastecimento que se desenhava.

Como se sabe, a Argentina sempre foi o principal provedor de trigo do mercado brasileiro, por dois motivos: pela proximidade geográfica e pelo fato de integrar o Mercosul, condição que lhe garante vantagem de ordem fiscal em relação a outros países fornecedores. No caso do trigo, a Tarifa Externa Comum acordada é da ordem de 10%.

Ocorre que o fornecimento de trigo argentino para o Brasil foi praticamente interrompido desde o final do ano passado devido a uma conjunção de fatores. Em primeiro lugar, porque a safra argentina sofreu quebra de produção por razões climáticas.

Em segundo lugar, porque o governo argentino decidiu reter os embarques de trigo – elevando os impostos de exportação -, com o objetivo de garantir o abastecimento do mercado interno e conter a escalada inflacionária. Finalmente, o suprimento foi prejudicado por conta do lockout praticado pelos agricultores argentinos, que paralisaram, por meses, a movimentação de produtos agrícolas – trigo inclusive -, em protesto contra a política de retenciones praticada por Buenos Aires.

Para evitar o desabastecimento do mercado interno, as principais entidades representativas da cadeia produtiva apresentaram ao governo brasileiro uma série de medidas emergenciais, das quais três foram acatadas: a isenção da cobrança do PIS-Cofins incidente sobre o trigo, farinha de trigo e o pão; a suspensão da cobrança da taxa de Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), incidente sobre o transporte marítimo internacional do trigo; e a suspensão provisória da Tarifa Externa Comum (TEC). Todas essas medidas têm validade até o dia 31 de dezembro deste ano.

A desoneração da produção é um marco na história da produção brasileira de trigo e pode abrir caminho para a almejada autosuficiência do País e – por que não? – reverter a condição de importador para a de exportador. Não estamos incorrendo em nenhum exagero ao vislumbrar tal condição. Basta lembrar que o Brasil chegou muito próximo da auto-suficiência em 1986, quando produziu 90% de sua demanda.

A auto-suficiência da produção de trigo é matéria que interessa a todos os elos da cadeia: moinhos, indústrias de panificação, de massas, biscoitos e outros derivados – além, é claro, dos triticultores brasileiros. A desoneração da produção, em particular a suspensão do PIS-Cofins, é um atestado da sensibilidade do governo para a questão. Tal decisão, entretanto, deve ser acompanhada por outras medidas que estimulem, efetivamente a produção no campo.

Para avançar, o setor necessita de linhas de crédito específicas, a adoção de mecanismos modernos de comercialização da safra e um sistema de classificação que premie a qualidade da produção. Tais medidas podem alçar o País à condição de grande player do mercado de trigo.

“A auto-suficiência na produção de trigo interessa a toda

a sociedade brasileira”

 

ALEXANDRE PEREIRA SILVA, presidente da Associação Brasileira da Indústria da Panificação (Abip)