26/05/2020 - 12:05
O número de transplantes de rins, fígado, coração e pâncreas registrado em abril de 2020 é 34% menor do que no mesmo período do ano passado. Foram 410 transplantes realizados em abril deste ano ante 617 em 2019. Os números são da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) que relaciona a queda à pandemia do novo coronavírus. “Com certeza a mortalidade na fila (de espera por transplantes) também já aumentou”, disse o presidente da ABTO, Hoygens Garcia.
Segundo ele, colaboram para a diminuição dos transplantes o medo de pacientes e doadores de se contaminarem no deslocamento até os hospitais, a falta de leitos específicos em UTIs – já que a maior parte está reservada para pacientes com a covid-19 – e dificuldade de acesso às famílias de possíveis doadores.
Além disso, também são fatores para a redução dos transportes a suspensão de voos comerciais para transportar órgãos e até a redução do número de mortes por trauma encefálico por causa da queda do número de acidentes registrada durante a quarentena.
Cirurgias envolvendo córneas e medula óssea foram praticamente paralisadas, com exceção dos casos de urgência. Em Estados com menos casos registrados de coronavírus como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, o impacto foi menor. Mas nas regiões Norte e Nordeste, onde além da alta incidência da covid-19 a estrutura para transplantes é mais precária, a redução passa dos 50%.
No Ceará e Pernambuco, por exemplo, os transplantes de rins foram suspensos. O resultado é que órgãos que poderiam ser usados em pacientes da própria região que aguardam há meses na fila do Sistema Nacional de Transplante, acabam sendo levados para outros lugares.
Na quinta-feira, dia 22, um jovem de 14 anos teve morte cerebral depois de sofrer um acidente de moto na região do Cariri, interior do Ceará. A família autorizou a doação dos órgãos. O fígado foi transplantado para um paciente de Fortaleza, mas os rins do rapaz tiveram de ser trazidos até São Paulo para não serem desperdiçados. Os transplantes de rins na capital do Ceará, uma das cidades de referência no Nordeste, foram totalmente suspensos durante a pandemia do coronavírus.
Um dos maiores temores em relação aos transplantes é a possibilidade de que o doador esteja contaminado. Por isso, há algumas semanas, as secretarias estaduais de saúde adotaram o critério de priorizar os testes de PCR, mais precisos, em possíveis doadores de órgãos. “Isso começou em São Paulo. No comecinho não tinha teste. Hoje melhorou muito”, disse o médico Paulo M. Pêgo Fernandes, membro do conselho deliberativo da ABTO.
Temor
Segundo médicos especializados em transplantes, o principal motivo é o medo dos pacientes receptores de se contaminar nos hospitais.
É o caso do advogado Carlos Alberto Melo Pereira, de 69 anos, que mora em Natal e está em quarto lugar na fila para receber um transplante de fígado. Ele aguarda o órgão há um ano e prefere ficar em casa, em segurança, do que se arriscar uma viagem até Fortaleza, onde deve realizar o transplante.
“É um conflito interno total porque antes eu estava longe e agora que estou tão perto me sinto ainda mais longe”, disse. “Tenho condições de ir até Fortaleza, mas para que vou sair da segurança da minha casa? Tenho muito medo. No caminho (de 10 horas) vou ter de parar para abastecer, me comunicar com as pessoas na estrada. E se a minha mulher pega (a covid-19)? Aí ela não vai poder cuidar de mim e eu não vou poder cuidar dela”, lamentou.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, a redução do número de transplantes por medo da covid-19 está provocando até mesmo um aumento da demanda por hemodiálise. “Aí a pessoa corre mais risco ainda porque em alguns casos é preciso fazer quatro ou cinco sessões por semana”, explicou Garcia.
Online
No Hospital Albert Einstein, onde é realizada grande parte dos transplantes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na capital paulista, uma alternativa para atender os pacientes tem sido intensificar o uso da telemedicina.
“Este é um legado que a covid nos trouxe. Em termos de resultados vai trazer bons frutos. Depois que a pandemia passar podemos continuar aplicando a telemedicina em várias situações com muitos impactos positivos, até a redução dos custos”, disse o pneumologista José Eduardo Afonso Júnior, coordenador médico do programa de transplantes do Einstein.
Segundo ele, por meio de chamadas de vídeo e aplicativos para celulares é possível hoje medir funções como oxigenação, pressão e frequência cardíaca, entre outras, evitando que os pacientes tenham de se deslocar até o hospital ou ao consultório médico. O expediente tem sido usado para atender até pessoas que moram em outros países, diz o médico.
Segundo ele, dos mais de 3 mil transplantes realizados pelo Hospital Albert Einstein desde o início da pandemia, 14 pacientes foram contaminados pelo coronavírus. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.