Daqui a 20 dias, o sistema de saúde, que já está em colapso em alguns Estados, deve entrar em uma fase aguda da crise, com uma falta de aproximadamente 19 mil leitos de UTI para atender pacientes de covid-19 em situação grave. A projeção é da consultoria americana Kearney, empresa que trabalha com cenários há mais de 80 anos e que possui um núcleo voltado para a área de saúde no Brasil.

A projeção leva em conta o número de leitos disponíveis pelas redes pública e privada, além dos anúncios de expansão de novos leitos remotos já feitos pelos governos estaduais e federal até o fim de maio. Esses dados são confrontados com os dados de expansão da doença no País, números de mortos e capacidade de atendimento.

O Brasil tem hoje 34 mil leitos preparados para atender pacientes do coronavírus, dos quais 15,4 mil pertencem à rede pública e outros 18,6 mil aos hospitais privados. Ocorre que boa parte desses leitos – 17, 5 mil unidades – já está sendo utilizada por pessoas que sofrem com o coronavírus ou outras doenças. Sobram, portanto, 16,5 mil leitos para novos pacientes.

Consideradas todas as variáveis que envolvem o comportamento da doença no País, com entrada e saída de pacientes, as estimativas apontam que a demanda até o dia 30 de junho será de aproximadamente 32,8 mil leitos. Isso significa que faltarão cerca de 18,7 mil unidades para atender pacientes em situação grave.

Desse déficit de 18,7 mil leitos, 17 mil serão sentidos na rede pública, ou seja, é a população mais pobre, como sempre, que sentirá as consequências mais graves da falta de atendimento.

O relatório conclui que “ainda não é hora de implementar reabertura em larga escala no Brasil”, apesar de muitos Estados e capitais já estarem sinalizando com a abertura de muitos comércios. Hoje, a taxa de ocupação das UTIs em Pernambuco, Maranhão e Amapá já atingiu cerca de 100%. Os Estados do Rio de Janeiro, Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte estão próximos da “saturação”. Até o fim deste mês, as maiores demandas vão se concentrar em São Paulo, Rio e Pará.

Joaquim Cardoso, líder sênior de práticas de saúde da Kearney Brasil, afirma que, neste momento, estão em fase de montagem cerca de sete mil leitos extras de UTI pelo País. “É um cenário muito preocupante. Ainda que toda essa estrutura esteja pronta e habilitada para o uso, ainda haverá falta de outros 12 mil leitos”.

A projeção é de que, em 20 dias, quase todos os Estados das regiões Norte e Nordeste estejam com uma demanda maior que sua capacidade de atendimento, acima de 120%.

Carlos Higo, sócio da área de saúde da Kearney Brasil, afirma que uma medida que poderia aliviar a carga nessas regiões e a transferência de pacientes para outros Estados menos pressionados. Os cálculos mostram que haveria possibilidade de transferir 607 pacientes do Amazonas para hospitais do Mato Grosso, por exemplo, sem comprometer a capacidade de atendimento do Estado recebedor. Da Bahia, poderiam ser transferidos outros 820 pacientes para Minas Gerais.

O Rio Grande do Sul poderia levar, segundo o relatório, até 671 pacientes para Santa Catarina, sem comprometer o Estado vizinho. Já São Paulo, mesmo pressionado, teria condições de receber até 1.908 pessoas do Rio de Janeiro, nas estimativas do relatório. Todos esses cenários levam em consideração a expansão da doença no País, a capacidade de atendimento de cada Estado e projetam esse cenário para 30 de junho.

“Essa medida é complexa, mas pode ser mais viável que a montagem de UTIs remotas. Além disso, foi usada com sucesso em outros países, como a França”, diz o especialista.

Mortes

As projeções apontam que, até 30 de junho, o Brasil poderá atingir a marca de até 1,4 milhão de pessoas contaminadas pela covid-19, podendo chegar a 19,5 milhões de pessoas até dezembro deste ano. Seguindo as taxas de crescimento atuais, o número de óbitos poderá mais do que dobrar nos próximos 20 dias, chegando a cerca de 78 mil mortos. Se as medidas de isolamento e contenção não forem respeitadas, o cenário alarmante aponta para cerca de 147 mil óbitos até 31 de julho.