08/08/2020 - 10:46
Ao longo de 103 dias, o mundo mudou. A pandemia do novo coronavírus fez mais vítimas fatais, estados e municípios flexibilizaram as medidas de isolamento social, uma explosão devastou metade da capital do Líbano. Nesse mesmo intervalo de tempo, José Nelson Ferreira, de 56 anos, lutou contra a covid-19 e suas consequências, internado em um hospital da rede pública de Natal. Somente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), passou 90 dias entre a vida e a morte. Em muitos momentos, a equipe médica achou que a recuperação não aconteceria.
José Nelson deu entrada no Hospital Municipal de Natal Dr. Newton Azevedo, na zona Leste de Natal, no dia 24 de abril. Naquele dia, o Rio Grande do Norte tinha 781 casos confirmados de covid-19 e ele ainda aguardava o resultado do exame para a detecção do novo coronavírus. Com a confirmação, José Nelson foi para uma ala específica da unidade hospitalar. Como tem somente um rim, estava em um grupo com mais chances de complicações para a covid-19. Com o passar dos dias, o quadro de saúde se agravou e já não era mais possível respirar sem ajuda sem ajuda de aparelhos. Nelson usou um respirador e ficou entubado por 60 dias.
“Nos primeiros meses, ele agravou bastante. Teve um dia que eu recebi uma notícia que ele estava com um sangramento nos pulmões, estava tendo sangramento nasal e pela boca. A médica disse: “O que a equipe poderia fazer, foi feito. Depende do corpo dele reagir. E se você crê em Deus, continue crendo. Só quem pode fazer por ele agora, é Deus”.
Nesse dia, eu senti minha alma sair de dentro de mim. A minha vontade foi de entrar no hospital e me agarrar com ele, sacolejar dizendo: “reaja, eu estou aqui!”, relembra Ana Helena Azevedo Ferreira, filha de José Nelson. Por causa do risco de contaminação, todas as notícias eram repassadas aos familiares por telefone, o que aumentava a angústia e a saudade.
Durante os mais de três meses de internação de José Nelson, o Hospital Municipal recebeu outros 180 pacientes com covid-19. Ele chegou no início da pandemia à unidade e, diante de um quadro clínico tão crítico, se tornou referência para a discussão de procedimentos a serem ministrados nos demais pacientes.
“Aprendemos a tratar covid com ele, pois foi um período super prolongado. Todas as complicações que um paciente pode ter, ele teve: diálise, pneumonia, lesão por pressão. Nunca atendi por tanto tempo um paciente numa UTI. Ele lutou muito e voltou para casa. É um paciente que nos surpreendeu, que quis muito viver”, destaca a médica Ana Patrícia Tertuliano, coordenadora da UTI do Hospital Municipal de Natal.
A alta hospitalar de José Nelson foi motivo de alegria e comoção para a equipe multidisciplinar que o acompanhou durante os 103 dias de internação. Na saída do hospital, na tarde da quarta-feira, 5, ele foi homenageado por médicos, enfermeiros, auxiliares de serviços gerais e familiares que o aguardavam ansiosos na porta do hospital.
“A gente nunca imaginou passar por isso. Nada se compara ao que a gente passou. Foi um sentimento de medo. Medo de perder ele, de desespero. Acho que um mix de sentimentos que eu não sei nem explicar. Depois de muito tempo, de muita espera, de angústia e desespero, Deus chegou na vida dele e fez um milagre. Mesmo debilitado, só em saber que ele está perto de nós, é o melhor que poderíamos ter nesse dia dos Pais”, declara a filha Ana Helena Azevedo Ferreira.