11/08/2020 - 12:01
A equipe econômica prepara uma força-tarefa no Congresso em defesa do teto de gastos, a regra prevista na Constituição que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. A ideia é apresentar aos deputados e senadores dados que mostrem a atual situação fiscal do País e quais consequências do abandono do mecanismo neste momento. Um roadshow (espécie de sessões públicas itinerantes) está sendo preparado pelo Ministério da Economia. As datas, porém, não estão definidas.
Entre os dados que serão apresentados pela equipe econômica aos congressistas, está a previsão de alta da dívida bruta do governo para 98,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 com o aumento do rombo nas contas públicas diante dos gastos maiores para o enfrentamento da covid-19. A previsão pré-pandemia era de a dívida, que teve em 2019 o primeiro recuo em seis anos, fechar este ano em 77,9% do PIB. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe veem o teto como uma ferramenta importante de âncora da política econômica. A sua retirada é considerada por eles um caminho certo para o aumento dos juros e da desconfiança com o futuro do País.
A ofensiva ocorre num momento em que a pressão por dribles no teto, até mesmo por parte do governo, colocou em estado de alerta os investidores do mercado financeiro. Ontem, o dólar fechou em R$ 5,46, o maior valor desde maio, diante da percepção de piora do quadro fiscal no Brasil, com possibilidade de nova extensão do auxílio emergencial e o debate sobre projetos que ameaçam o teto de gastos.
“Já sabemos que os fundamentos macroeconômicos foram dilacerados e a grande atenção é como reverter a trajetória da dívida”, disse Bruno Musa, sócio da Acqua Investimentos, ressaltando que a possibilidade de o teto de gastos ser burlado é algo que tem sido olhado com muita atenção pelo mercado. Segundo Musa, existe uma busca por dólar, com os clientes enviando recursos para investir no exterior e também elevando o porcentual de suas carteiras em moeda mais forte.
O investidor está de olho no comportamento de integrantes do governo depois que reportagem do Estadão revelou tentativa dos ministros da Casa Civil, Braga Netto, e do Desenvolvimento Regional, Rogerio Marinho, de fazer uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) para bancar investimentos em obras de infraestrutura com créditos extraordinários, que ficam fora do limite do teto. Outros movimentos foram feitos com o mesmo objetivo.
Na Câmara e no Senado, parlamentares de diversos partidos têm apresentado propostas para flexibilizar o teto e até mesmo estender o Estado de calamidade da pandemia, que termina em dezembro, até 2021. Com a calamidade, as regras fiscais, como necessidade de cumprimento da meta fiscal (com limite para o rombo das contas públicas), ficam suspensas.
Mercado
A reação do mercado ontem foi interpretada como um recado ao governo da percepção que este tem do risco fiscal. Nem mesmo a declaração do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em entrevista ao Estadão, de que iria travar as iniciativas de furar o teto trouxe tranquilidade. A atenção está voltada também para a reação do TCU. A fala do ministro Bruno Dantas, responsável pela área do Ministério da Economia na Corte de Contas, alertando que o tribunal não vai aceitar dribles no teto foi vista como uma barreira importante.
A principal dúvida, segundo um executivo de um fundo de investimento que falou sob a condição de anonimato, é saber se o governo e o Congresso vão partir para um “remendo fiscal” para prorrogar o auxílio emergencial por mais alguns meses, sem dar solução definitiva para o programa Renda Brasil, que será criado para substituir o Bolsa Família num modelo com mais recursos e beneficiários.
Força-tarefa
“Eu acho excelente essa ideia da força-tarefa”, disse o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), autor de uma proposta de acionamento dos gatilhos (medidas corretivas de corte de gastos) do teto na Câmara. Para ele, não há dúvida que a pressão está aumentando no Congresso e no próprio governo. “Eu sou daqueles que acha que ele tem de ser intocável”, diz. Segundo ele, está com pouca tração no Senado o andamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial do governo que também garante o acionamento de alguns gatilhos, como corte de despesas de pessoal. Ele ressaltou a importância da posição do ministro Guedes e de Rodrigo Maia como fiadores do teto para conter o risco de mudança.
O economista do Senado, Leonardo Ribeiro, avalia que o projeto de Orçamento de 2021, a ser enviado no fim de agosto, coloca pressão no debate à medida que a proposta não contempla créditos extraordinários, aqueles que ficam fora do teto.
De acordo com Ribeiro, especialista em regras fiscais, as mudanças no teto vêm sendo discutidas no Congresso desde o ano passado. Já existem várias PECs para alterar o desenho da regra. Durante a pandemia, um grupo de senadores apresentou uma proposta para suspender a regra por dois anos. “Ou seja, parte relevante do Parlamento entende que o teto pode comprometer a retomada do crescimento econômico”, ressalta. / COLABOROU SIMONE CAVALCANTI
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.