16/08/2020 - 16:00
Um dos primeiros desafios do plano de desenvolvimento sustentável da Amazônia proposto ao governo, no mês passado, pelos três maiores bancos do País – Bradesco, Itaú Unibanco e Santander – será o de regularizar terras doadas aos agricultores nos anos 70 e que até hoje não têm escrituras. Também serão criadas linhas de crédito para plantio e outros negócios com juros subsidiados pelos próprios bancos. “Vai ter a melhor taxa”, diz Octavio de Lazari, presidente do Bradesco. A seguir, trechos da entrevista.
O que avançou desde a entrega da carta com dez propostas?
Fizemos uma agenda que passa por acabar com o desmatamento até apoio financeiro para cultivo, regulamentação fundiária, bioeconomia, desenvolvimento local. Podemos contribuir com parte em dinheiro, parte em tecnologia, parte com trabalho ligado a empresas e ONGs que já atuam na preservação da Amazônia. Vamos estabelecer metas e prazos do mesmo jeito que fazemos nos bancos. No máximo até o fim do mês teremos a agenda pronta.
Como está sendo planejada?
Será dividida em três pontos: um grupo técnico formado pelas áreas de sustentabilidade dos três bancos, um conselho estratégico com esses técnicos mais os três presidentes dos bancos e um conselho com sete a dez especialistas que sabem quais são os projetos estruturantes a serem feitos na Amazônia. Eles não vão receber por isso, terão de doar parte do seu tempo. É importante destacar que é um projeto em prol do que temos em comum e mais valioso, que é o Brasil preservado a todos os brasileiros, de hoje e de amanhã. Não há pretensão de protagonismo, e isso viabiliza avanços e realizações muito rapidamente.
Como tem sido a interlocução com o governo?
O primeiro contato foi ótimo. Eu sinto que o vice-presidente Hamilton Mourão ressuscitou o Conselho da Amazônia. O problema é complexo e precisamos juntar forças. Nós não temos poder de polícia, então, não adianta falar que vamos preservar uma determinada área porque, se entrar grileiro, madeireiro, não podemos fazer nada. Podemos ajudar o governo a estabelecer como fazer esse trabalho com o Ibama, a Polícia Florestal, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Podemos chamar uma consultoria, um escritório de advogados para ajudar nos projetos. O primeiro desafio é como fixar o pessoal na terra e dar condição para tirar seu sustento sem precisar queimar a floresta.
Já teve alguma ação concreta por parte do governo?
A interlocução tem sido muito boa. Um tema que discutimos, por exemplo, é a regularização fundiária. É um resgate que temos o dever de fazer. Nos anos 70, o governo levou muita gente para a Amazônia com a promessa de entregar uma propriedade para que pudessem plantar e desenvolver a região, e até agora não foi feito o documento de posse. Sem isso, como a pessoa se estabelece na terra? Como vai ao banco pedir um financiamento agrícola para plantar, criar gado? A primeira coisa a fazer é acelerar o processo da regularização fundiária. Escritórios de advogados estão sendo consultados para sabermos como proceder.
Terá linha de crédito especial?
Não vamos esperar o governo para subsidiar. Nós vamos criar essas linhas de crédito com subsídios até do próprio Bradesco, do Itaú e do Santander. Com crédito de longo prazo para que o produtor possa preparar a terra, fazer o plantio, a colheita, a armazenagem e a venda, ou seja, vamos financiar a cadeia toda. Podemos estabelecer sedes com cursos e consultoria da Embrapa sobre plantio. O agricultor vai ter produtividade muito maior, vai ter renda e não vai precisar tirar ou queimar madeira.
Como serão as condições?
Vai ter a melhor taxa de juro subsidiada. Não vai ser juro de 10%, 15% ao ano, vai ser uma taxa para financiar essa população carente. Só para ter ideia, nós começamos um projeto com a Fundação Amazônia Sustentável em 2009. Se o produtor plantasse e preservasse a floresta, nós complementaríamos a renda quando não tivesse uma colheita suficiente. Hoje, essas pessoas conseguem renda de R$ 1.320 ao mês. Lá atrás, era de R$ 250. Só nessas áreas houve 37% de redução do desmatamento.
Como a pandemia mudou o olhar sobre as questões de sustentabilidade?
A empresa que não se preocupar com a responsabilidade social, ambiental, ecológica, inclusiva e com a diversidade não terá futuro. Mas vejo avanço grande das empresas brasileiras. Por exemplo, o negócio da carne. Temos três grandes frigoríficos: Marfrig, Minerva e JBS, e todos precisam de financiamento. Os três bancos já se comprometeram a não financiar mais empresas que não respeitarem o meio ambiente. É uma mudança de postura que mexe no bolso.
O sr. vê sinais claros de retomada da economia?
Percebemos uma recuperação, obviamente modesta, até porque vem de uma base de terra arrasada. Por exemplo, a compra por cartão de crédito, que tinha caído 70%, hoje está 7% menor; operações de crédito consignado tinham caído 60% e, hoje, estão no mesmo nível de fevereiro. Se a gente não tiver uma segunda onda de contaminação, acho que a economia se recupera. A previsão era cair 5,9%, agora é de 4,5%, quem sabe menos que isso.
O que está faltando?
O que precisamos para uma recuperação gradual é reforma administrativa e manutenção de juros baixos. Precisamos fazer a reforma tributária, mas não é reduzir alíquota de imposto, pois não vai dar para fazer isso. Mas os custos associados que temos para fazer a gestão de um arcabouço tributário como tem no Brasil é uma loucura. Só nós temos 280 funcionários só cuidando de imposto.
A bioeconomia vai ajudar a puxar a recuperação?
Respondo com um exemplo. Somos o único produtor de açaí e não temos uma fábrica em Manaus que possa receber os grãos dos produtores, processar o açaí e exportar. A gente manda nosso açaí in natura para fora, eles processam e vendem aqui por preço dez vezes maior.
Ter fábrica é um dos projetos?
Não é só a fábrica, é a bioeconomia. Ver quem serão os produtores de grãos, quem vai produzir, quem fará a logística e quem vai vender. Eu tenho ideias, mas preciso de um especialista para orientar como estruturar. Acho que dá para fazer um baita negócio.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.