” É um grande passo para que o Brasil se mantenha como líder no mercado mundial de carne “

JONAS BARCELLOS, Pecuarista, dono da Agropecuária Mata Velha

Na Índia há mais

DE 35 MIL ALDEIAS QUE CRIAM GADO.

Difícil é saber a qual se deve ir

No final do século XIX, quando não se viajava de avião, as comunicações eram precárias e o Brasil ainda era uma imensa fazenda, alguns idealistas decidiram cruzar o mundo em busca de uma raça bovina adaptável ao calor dos trópicos. Acabaram parando na Índia, sem conhecer os costumes locais e sem falar uma única palavra do inglês – do sânscrito então, nem pensar. Diz a lenda, narrada em prosa pelo escritor Mário Faustino, que alguns desses aventureiros morreram em plena travessia, vitimados por pragas e doenças até então desconhecidas no Brasil. Mas alguns completaram a façanha, como o mineiro Teófilo de Godoy. Em pouco tempo, os animais zebuínos, rústicos e resistentes, passaram a substituir as raças europeias trazidas pelos portugueses. Tempos depois, já em condições melhores, outros criadores refizeram o caminho das Índias. Na segunda metade do século XX, Celso Garcia Cid, Torres Homem Rodrigues da Cunha e Rubico Carvalho trouxeram novos animais zebuínos. Entre eles, o touro Karvadi, que se tornou uma espécie de patriarca das principais linhagens da pecuária de corte nacional – hoje, uma dose de sêmen desse animal da raça nelore, que já morreu há 36 anos, ainda vale mais de R$ 30 mil. As importações, no entanto, foram proibidas em 1962, em função de supostos riscos sanitários. Este bloqueio, que já durava mais de quatro décadas, acaba de ser quebrado. Desta vez, quem está à frente da nova importação é o empresário mineiro Jonas Barcellos, da Fazenda Mata Velha. Ele liderou um grupo de criadores que conseguiu convencer autoridades do Brasil e da Índia a rever as restrições. “Vamos agora experimentar um novo salto de qualidade na pecuária”, aposta o pecuarista.

” A pecuária brasileira será a grande beneficiada com essas novas importações “

JOSÉ OLAVO BORGES, presidente da ABCZ

Ele, que vinha investindo há mais de 15 anos na Índia, confiando na abertura do mercado, diz que os novos embriões ajudarão a combater um dos grandes problemas dos rebanhos nacionais: a consanguinidade. Isso porque os seis mil zebuínos que foram transportados legalmente da Índia para o Brasil ao longo história da pecuária nacional deram origem a um rebanho de 190 milhões de cabeças. Muitos pertencem, portanto, às mesmas famílias, o que aumenta os riscos de doenças e limita os ganhos de produtividade. “É um marco histórico”, diz Barcellos.

Como Torres Homem, Garcia Cid e Rubico, o dono da Mata Velha também terá seu nome inscrito no panteão dos grandes criadores nacionais. “A vitória pertence a todos nós, que somos pecuaristas”, comemora o presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), José Olavo Borges. A partir de agora, com a chegada dos embriões de animais puros não só da raça nelore, mas também do guzerá e do gir leiteiro, será possível criar novas linhagens. E essa miscigenação com os animais brasileiros tende a criar animais ainda mais fortes e mais produtivos. “Vem aí uma nova revolução”, garante o deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), que também é pecuarista e foi à Índia algumas vezes para ajudar no processo de liberação das importações.

TURMA EM AÇÃO: equipe da Fazenda Mata Velha, com Pradip Raoul ao centro, de camisa azul e calça jeans

Revolução, como diz o deputado Lupion, talvez seja a palavra certa para prognosticar o que irá ocorrer na pecuária nacional. Depois da importação de 1962, aquela que trouxe o lendário touro Karvadi, a produtividade nas fazendas nacionais disparou, aumentando o aproveitamento de carcaça e diminuindo a idade de abate. Foi graças a isso que o Brasil se tornou o maior exportador mundial de proteína animal, numa cadeia produtiva que gera mais de US$ 4 bilhões anuais em divisas para o País. Agora, é possível ir além. Na Agropecuária Santa Bárbara, a maior do País, que tem um rebanho de 500 mil cabeças no Pará e também está ligada ao projeto indiano, o objetivo é continuar perseguindo ganhos de produtividade. A meta é abater animais com 19 meses, acelerando o giro de caixa na empresa. Novos cruzamentos genéticos devem também contribuir para um maior rendimento dos animais.

Foi essa percepção de ganho coletivo que gerou um esforço conjunto do setor público e do setor privado para retomar as importações. Um dos grandes entusiastas desse projeto foi o próprio presidente Lula, que visitou a Índia três vezes durante seu mandato – em todas elas, manifestou às autoridades locais o desejo de reabrir o mercado. “Desde o princípio acreditamos na importância desse projeto para o País”, disse à DINHEIRO RURAL o secretário de Defesa Sanitária do Ministério da Agricultura, Inácio Kroetz. Considerado um dos maiores especialistas mundiais no tema, ficou a seu critério o estabelecimento de regras para a entrada desses embriões. Eles chegam congelados e após uma passagem por um laboratório oficial do Ministério da Agricultura, em Minas Gerais, são transportados para a Ilha da Cananéia, em São Paulo. É para lá que irão as vacas que receberão os embriões, fazendo a chamada “barriga de aluguel”.

Só depois de uma análise criteriosa sobre as condições dos descendentes dessas novas linhagens indianas é que os primeiros embriões chegarão ao mercado de leilões, que movimenta mais de R$ 600 milhões por ano no Brasil. Mas a expectativa já é grande. “Ninguém vai querer ficar de fora dessa nova revolução que está chegando ao Brasil”, aposta o empresário Paulo Horto, sócio da Programa Leilões. Ele prevê uma grande valorização das raças nelore e guzerá, mas aponta o gir leiteiro como a “bola da vez”. As vacas indianas que estão sendo trazidas para o Brasil chegam a produzir mais de 20 litros/dia, comendo em pastagens precárias – a média nacional é inferior a cinco litros. Ao seu lado nessa aventura indiana, Barcellos contou com dois “anjos da guarda”, que literalmente vasculharam os caminhos da Índia de cima a baixo, em busca dos melhores exemplares possíveis.

Celso Marconi saiu do aeroporto internacional de São Paulo no dia 20 de outubro de 1997 com destino à Índia. “Havia muitas dúvidas, ninguém sabia ao certo como era o nelore indiano, o original”, explica. Sem conhecer o país e com o obstáculo do idioma para ser superado, ele incluiu o segundo “anjo” na jornada. Pradip Singhi Bhadursing Raoul é um indiano que, com 56 anos na época, se tornou peça fundamental na empreitada. Sua família, da região de Bhavnagar, cria nelore há mais de 840 anos. “É praticamente impossível andar pela Índia sem a ajuda de alguém que conheça muito bem o local”, destaca. Acompanhado de Pradip, ficou até fevereiro de 2008, o que, segundo ele, valeu a pena.

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Nelore na Índia é usado COMO GADO DE TRAÇÃO no trabalho da terra

Mas nem tudo foi fácil. Mesmo com toda documentação em ordem e após ter construído um laboratório para atender às exigências indianas de exportação, questões culturais emperraram o processo. Líderes religiosos não viam com bons olhos a exportação de animais sagrados, principalmente os bovinos. Isso porque na religião hindu o boi é o protetor de Shiva, divindade suprema daquele povo. Mas, graças à intervenção do governo brasileiro, tudo foi resolvido. “Seja no nelore, seja no gir, haverá um impacto muito grande porque a pureza é muito grande e a própria seleção natural cuidou de desenvolver animais que são verdadeiras máquinas de converter alimento em leite e em carne”, diz Barcellos. Agora, ele espera os resultados. “Assim que nascerem os primeiros exemplares, vou sentir que minha missão foi cumprida”, avalia Barcellos.