10/09/2020 - 12:00
Além de pagar pequenas obras, festas e eventos em bairros da periferia, vereadores de São Paulo também usam o dinheiro das emendas com entidades sociais. Cerca de um quinto da verba gasta na última legislatura bancou oficinas de dança, cursos de capacitação profissional, trabalhos de assistência para parte da população sob algum tipo de vulnerabilidade e repasses para organizações que prestam serviços nas áreas de saúde e educação.
Uma das entidades, o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), com sede na zona leste, recebeu 11 transferências por meio de emendas, de sete vereadores, que somaram R$ 1,4 milhão nos últimos quatro anos. Segundo o IBCC, a instituição tem um departamento para captação de recursos externos, que busca apoio tanto em entidades do setor privado como fontes oficiais.
Os recursos, em geral, são para a compra de equipamentos e instrumentos cirúrgicos. A entidade privada existe há 50 anos. Por meio de convênios com a Prefeitura e o governo do Estado, atende pacientes da rede pública, que chegam a cerca de 70% dos seus atendimentos. Ali, são feitas cirurgias e oferecidos os demais atendimentos para tratamento do câncer.
O Instituto Suel Abujamra, da Liberdade, zona central, recebeu R$ 2,3 milhões neste mandato, por meio de dez emendas parlamentares. Os recursos foram usados para o custeio do dia a dia do instituto à compra de equipamentos como geradores, de acordo com a relação de emendas liberadas. A entidade presta serviços médicos da área odontológica, incluindo cirurgias, e é o braço de serviço público de uma clínica de olhos de mesmo nome.
A clínica é alvo de uma ação na Justiça aberta a partir de um inquérito da Delegacia de Crimes contra a Fazenda, por indícios de sonegação fiscal. As informações do inquérito têm origem em um processo administrativo da Secretaria Municipal da Fazenda. Procurado, o instituto não se manifestou.
O vereador Paulo Frange (PTB) destinou emendas tanto para o IBCC quanto para Instituto Suel Abujamra. Uma das emendas foi para prestação de serviços de oxigenoterapia hiperbárica pelo IBCC. No caso do instituto de olhos, as emendas foram para custear a aplicação de medicamentos e realização de exames, que foram repassadas, segundo o vereador, após consulta à Secretaria Municipal da Saúde. Frange afirmou que não sabia das investigações relacionadas ao instituto.
Cardiologista e com atuação na área da saúde, o vereador disse que preferia que todas as emendas relacionadas à área da Saúde fossem executadas pela própria secretaria. “A secretaria pega a verba da emenda, e repassa para a OS (a Organização Social contratada pelo Estado para realizar serviços médicos). Aí, você não consegue saber quando a OS faz a compra do equipamento que você queria”, disse o vereador.
A Controladoria Geral do Município (CGM) já apontou falhas na execução de alguns desses repasses. Em 2018, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) destinou R$ 40 mil à Associação Periferia Invisível, que trabalha na área cultural em Ermelino Matarazzo. A verba custeou cerca de 10 intervenções artísticas executadas por outra entidade, o coletivo de dança Zumb boys.
“Enquanto coletivo de arte, não temos CNPJ, não somos uma empresa, então a (Associação) Periferia Invisível serve esse CNPJ e nós somos afiliados à associação, porque eles nos representam nesse sentido”, explica o diretor do Zumb boys, Márcio Greyk. Ele ressaltou a necessidade de incentivo público a ações artísticas.
Um relatório da CGM apontou falha na prestação de contas da entidade, após receber patrocínio para uma ocupação cultural na antiga sede da Subprefeitura de Ermelino Matarazzo. Entre os itens em que o órgão viu problemas, está o pagamento pela coordenação financeira e jurídica do projeto (o que foi vedado no contrato com a Prefeitura), além de compras e contratações sem comprovar que princípios de impessoalidade e economicidade foram seguidos.
Apesar disso, a CGM diz que o contrato foi “executado a contento” pela associação e fez uma série de recomendações à Prefeitura para melhorar a qualidade de contratos.
Campeã dos repasses
A vereadora Janaina Lima (Novo) é a que mais gastou com repasses a entidades assistenciais (executados pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos): R$ 5,5 milhões.
Ela afirmou que falta transparência na execução desses pagamentos e que chegou a apresentar um projeto de lei na Câmara para regulamentar formas de acompanhar melhor a execução das emendas.
“O projeto não passou na CCJ (a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que deve aprovar cada norma nova antes de ela ser levada à votação) e eu apresentei de novo”, disse.
Janaina afirmou que a escolha das entidades que vão receber emendas é feita por indicação de voluntários que ela mantém nos bairros da cidade, e que a opção por usar as emendas para essas atividades foi para levar ao setor público a prática de atendimento social do setor privado, que faz doações para ações assistenciais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.