20/09/2020 - 16:00
Adolescentes e pré-adolescentes são um dos grupos mais afetados quando o assunto é saúde mental durante o isolamento social, acreditam especialistas. Foram-se as festas e a convivência com os amigos, vieram a ansiedade e a depressão. É a chamada “balada roubada”.
Definição foi usada por sociedade de psicanálise para representar sentimento de jovens em isolamento social, distante dos amigos. Médicos relatam maior busca por ajuda durante a quarentena do novo coronavírus; falta de escola também contribui para o problema
Quando o WhatsApp de Mariana* chegou a 5 mil mensagens não respondidas, a mãe teve certeza de que algo estava errado. Aos 12 anos, a menina dizia que não via “saída para sua vida”, chorava sem razão clara e tinha dores de barriga constantes. Passou a se recusar a assistir às aulas online da escola e acreditava que era a única que não conseguia aprender daquela nova maneira, imposta pela pandemia. A mãe não a deixava mais sozinha no quarto, com medo de suicídio. Ao procurarem um psiquiatra, Mariana teve em maio o diagnóstico de depressão e foi medicada. Só há poucos dias, ela pegou o livro para estudar pela primeira vez depois disso. “Eu chorei ao ver. Mas para as aulas pelo computador ainda não conseguiu voltar”, conta a mãe, uma dona de casa do interior de São Paulo.
Adolescentes e pré-adolescentes são um dos grupos mais afetados quando se fala em saúde mental durante o isolamento social, acreditam especialistas. A identidade deles se forma pelo grupo, pelo outro. E quando o outro está longe, isolado também, muitos vínculos acabam ruindo. Foram-se ainda as festas, as conversas nos intervalos das aulas, os momentos de experimentar a independência, na escola ou em qualquer lugar longe da família. É a balada roubada, como bem definiu em live sobre o tema a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.
Uma pesquisa publicada no Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry concluiu que “crianças e adolescentes são mais suscetíveis a ter altas taxas de depressão e ansiedade durante e depois de período de isolamento”. Os pesquisadores analisaram 83 estudos sobre o assunto publicados entre 1946 e 2020.
Outro trabalho, feito na China em abril, mostrou que 22% dos estudantes declararam ter sintomas depressivos durante a quarentena e 18% disseram ter se sentido ansiosos. Os índices são superiores ao que se identificava antes da pandemia. No Brasil, pesquisa da Fundação Lemann e Itaú Social mostrou em agosto que 77% dos estudantes estavam tristes, ansiosos, irritados ou sobrecarregados.
“Eu sou um fracasso”, diz Mariana, ao ser indagada porque se sente triste. “Às vezes sou muita chata, acho que magoo todo mundo.” A menina, que perdeu o pai aos 4 anos, fazia terapia antes da pandemia e já tinha um quadro de ansiedade. Mesmo não tendo se adaptado ao ensino remoto, ela morre de medo de voltar à escola porque teme contaminar a mãe.
“Claro que neste momento de pandemia a gente espera reações emocionais, mas não persistentes. Quando se tenta algo positivo e não funciona ou o adolescente não se interessa por nada, é preciso ficar atento”, diz o professor de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Polanczyk.
Entre os outros principais sintomas da depressão estão baixa autoestima, sensação de inutilidade, irritabilidade, pensamentos sobre morte, alterações de sono e apetite e até físicas, como dores e enjoos. Polanczyk é o coordenador da pesquisa Jovens na Pandemia, feita no Hospital das Clínicas, que pretende identificar os efeitos do momento atual na saúde mental por meio de formulários online preenchidos pelos pais. O grupo espera receber cerca de 10 mil respostas e poder auxiliar as famílias depois.
A administradora Aurora* conta que o filho Marcos*, de 17 anos, pediu ajuda há cerca de um mês. “Ele não aguentou tanta solidão.” O adolescente, que era muito sociável, passou a estudar apenas por meio de vídeos gravados pelos professores, já que a escola promoveu poucos encontros online. “De repente a rotina dele sumiu, o contato sumiu, não via professor, não interagia, não ouvia perguntas dos colegas, o mundo sumiu completamente”, diz a mãe.
Ele começou a não dormir, se sentir feio, burro e sem amigos. Levado ao psiquiatra pela primeira vez na vida, Marcos foi medicado porque estava com sintomas depressivos e chegou a falar de suicídio com o médico.
Câmeras fechadas. Não há pesquisa ainda que mostre o aumento de casos de depressão, ansiedade, automutilação ou suicídio durante a pandemia, mas psiquiatras relatam aumento de procura de adolescentes. “Esses casos já vinham num crescente e, com certeza, o isolamento social contribui para isso”, diz o psiquiatra da infância e da adolescência e médico colaborador do Programa de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência do HC, Miguel Boarati. “A tendência do adolescente é se isolar do grupo familiar e ficar com os amigos.” Agora, o que acontece é o contrário.
O médico também acredita que a falta de escola e a mudança para o ensino remoto contribuem para a situação. Há diminuição do contato com colegas, professores e, algumas vezes, até mais cobrança, provas e exercícios para compensar a falta da aula presencial.
Escolas e professores, por outro lado, se ressentem de poder ajudar pouco os alunos com dificuldades emocionais durante o distanciamento. Estudos mostram que os docentes são essenciais para identificar questões na saúde mental dos estudantes, casos de abuso, de violência doméstica. “Na sala de aula presencial ou no intervalo estávamos sempre observando. Agora, por mais que você peça, eles fecham a câmera”, diz a supervisora pedagógica da Escola Vereda, no ABC paulista, Patricia do Nascimento Carvalho.
Ela conta que muitos pais passaram a relatar problemas de ansiedade e depressão durante a pandemia. Com o gancho do setembro amarelo, campanha de prevenção ao suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina, a escola criou um projeto para que os alunos possam falar de seus sentimentos nas lives.
A frustração com planos de viagens, formaturas, festas, que foram sendo perdidas ao longo do ano, causa mais ainda a sensação de incerteza. “A perspectiva de tempo para o adolescente é diferente, por uma questão cognitiva. Um ano é um tempo enorme para eles, sentem que muitas coisas estão sendo perdidas, o que se torna algo muito estressante”, afirma Polanczyk.
Marina Marcondes, de 17 anos, conta que tinha uma grande viagem para a Amazônia marcada com a escola para este ano, esperada desde que era criança. “Fiquei muito chateada, ainda estou chateada, mas sou otimista e tento pensar que as coisas acontecem por alguma razão”, diz a menina, que é aluna do Colégio Santa Cruz e participou de um projeto da escola para expressar a quarentena em fotos.
Registrou um cubo mágico com as faces viradas, o que, para ela, representa a incerteza desses tempos. “As fotos revelam muito do que os alunos estão vivendo, a partir disso me aproximei deles, procurei alguns para conversar”, diz o orientador do ensino médio do Santa Cruz, Bruno Weinberg, que propôs o projeto. Em uma imagem, Manuela Freire, de 16 anos, registra a sombra das suas mãos imitando um pássaro e expressa no nome da foto a vontade da adolescente há meses em casa: “Me leva junto”.
*Nomes fictícios – a reportagem preservou a identidade dos jovens sob tratamento e de suas famílias
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.