29/09/2020 - 7:03
Em meio ao debate sobre como acomodar no Orçamento novos gastos para mitigar os efeitos da recessão causada pela covid-19 e ajudar a impulsionar a retomada, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) defenderam o foco em reformas nas despesas, para melhorar a eficiência das políticas públicas. Apesar do efeito positivo das medidas no curto prazo, evitando um desempenho ainda pior da economia na pandemia, a preocupação com o desequilíbrio das contas públicas marcou o III Seminário de Análise Conjuntural do Ibre/FGV.
Organizado em parceria com o Estadão, o seminário, promovido a cada trimestre, teve sua segunda edição totalmente virtual – a edição do primeiro trimestre, em 9 de março, ainda foi presencial.
Diante da maior recessão da história, crescem as pressões de setores do governo, do Congresso e da sociedade pela manutenção de medidas adotadas temporariamente em meio à pandemia, como o auxílio emergencial de R$ 600 ao mês para trabalhadores informais, ou políticas que demandam gastos ou redução da arrecadação, como é o caso da atual desoneração da folha de salários.
Introduzida nos governos do PT, a atual desoneração, que troca tributos sobre a folha por taxação sobre o faturamento para algumas atividades, foi prorrogada pelo Congresso para 17 setores até 2021, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou a medida.
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre, considera a tentativa de abrir espaço no Orçamento para um programa de transferência de renda mais robusto, incluindo o Bolsa Família, “meritória”, mas, em sua palestra, frisou a necessidade de o debate passar por uma racionalização do conjunto atual de políticas sociais, tidas como pouco eficientes.
Inclusive, caso o governo não encontre uma solução, há preocupações com relação ao impacto da retirada total dos auxílios no início de 2021, já que os dados do Produto Interno Bruto (PIB) mostram que as transferências ajudaram o consumo, evitando uma retração ainda maior na economia no segundo trimestre deste ano.
No lado da redução dos impostos sobre a folha de salários como forma de impulsionar a economia, Silvia também criticou a opção defendida pelo Ministério da Economia. A equipe econômica recomendou o veto à prorrogação da atual desoneração sobre a folha para 17 setores, considerada ineficiente pelos técnicos, mas vem defendendo um corte linear, para todas as empresas, na tributação que recai sobre a mão de obra. Para abrir mão dessa arrecadação, propõe um novo imposto sobre transações financeiras, no contexto da reforma tributária.
Custos elevados
Para Silvia, a discussão sobre a redução do custo fiscal da mão de obra também é “meritória”, mas a medida tem custos elevados. Além disso, a substituição da fonte de receitas por um imposto sobre transações preocupa porque, para ter impacto arrecadatório, a taxa do novo tributo teria de ser elevada, o que poderia levar a distorções e atrapalhar a atividade econômica. “Talvez fosse melhor discutir impostos sobre a renda (para compensar).”
Os debates do seminário virtual chamaram a atenção para a falta de coesão dentro do governo em torno do “dilema” entre manter novos gastos elevados para ajudar a roda da economia a girar e a necessidade de fazer reformas para acomodar as despesas no já deficitário Orçamento público.
Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, lembrou que, enquanto o Ministério da Economia propõe reformas, o presidente Bolsonaro “diz não” a várias delas, como no caso da proposta de emenda constitucional (PEC) que propõe desindexar, desvincular e desobrigar os gastos do Orçamento, que ficou conhecida como “DDD”. A equipe econômica propôs “DDD”, mas Bolsonaro respondeu com “NDNDND”, disse Castelar.
O problema, na visão de Castelar e Silvia, é que a opção por manter gastos sem reformas poderá ter efeitos negativos no médio prazo, com aceleração da inflação e alta de juros. Isso já está no radar dos agentes econômicos, especialmente no mercado financeiro, lembrou José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, para quem o risco fiscal associado à elevação de gastos públicos nas medidas para mitigar a crise “está em toda a parte” no Brasil.
Segundo o pesquisador e ex-diretor do Banco Central (BC), esse risco se manifesta nas cotações das ações na Bolsa, no câmbio, com a depreciação do real frente ao dólar, e nas cotações dos títulos da dívida pública, que apontam para alta de juros de longo prazo.
Esse risco “só não aparece com clareza na Selic”, a taxa básica de juros, fixada pelo BC em 2% ao ano, menor nível da história, mas Senna teme que a solução política para o “dilema” crie uma exceção ao teto dos gastos públicos, aprovando um programa “extrateto”. Isso poderia levar o risco fiscal a novos níveis, com mais altas no dólar e, aí sim, forçar aumentos nos juros básicos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.