15/10/2020 - 14:23
O julgamento do caso de André do Rap no Supremo Tribunal Federal envolve não só a discussão sobre a revogação automática de prisão preventiva, mas também a possibilidade de o presidente da corte derrubar decisões monocráticas de outros ministros.
Pela primeira vez, o plenário analisa um caso de suspensão liminar, sendo que cinco dos seis ministros que votaram no julgamento iniciado nesta quarta, 14, entendem que a medida ‘excepcional’ é cabível em casos de ‘risco de grave lesão à ordem segurança pública’ e divergência quanto ao entendimento majoritário da Corte.
Logo no início de seu voto, o presidente do Supremo, Luís Fux, ressaltou aos colegas, até gesticulando, que a decisão de derrubar liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello – a que determinou a soltura de André do Rap – foi uma medida foi ‘excepcionalíssima’.
O novo decano da Corte ainda vai se pronunciar sobre caso na tarde desta quinta, 15. Ao Estadão, comentando a decisão que derrubou sua liminar, Marco Aurélio atribuiu ao presidente do Supremo ‘autofagia’. Além dele, a ministra Cármen Lúcia e os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes devem apresentar seus votos em julgamento realizado nesta tarde.
No entanto, na avaliação de Fux, a suspensão de liminar é cabível como ‘medida extrema’, somente podendo ser dada quando à ‘risco de grave lesão à ordem e à segurança pública e quando a decisão questionada estiver em desacordo com a jurisprudência colegiada. O presidente da Corte chamou atenção para o ‘efeito multiplicador’ das decisões do Supremo e frisou que ‘fez questão’ de levar o caso ao Plenário em ‘respeito ao colegiado’.
“Presidente do Supremo Tribunal Federal tem que velar pela Corte. Presidente do Supremo Tribunal Federal não pode delegar Justiça. A PGR me procura na antecedência do feriado e eu fui instado a dar uma resposta, ou de um lado ou de outro”, afirmou.
Fux citou ainda precedentes de medidas deferidas por outros presidentes do Supremo, entre eles o ex-ministro Carlos Veloso, que foi chefe da Corte entre 1999 e 2001, tendo se aposentado em 2006.
Um dos outros precedentes citado tem relação com o antecessor de Fux na Presidência do Supremo, o ministro Dias Toffoli. Em seu pronunciamento, o ministro diz que tomou as decisões na época de recesso da Corte, ‘dentro da excepcionalidade’. “Entendo o tamanho da cadeira que ocupa o presidente do supremo. Sabemos as responsabilidades que recaem sobre ele”, destacou Toffoli.
Quanto ao caso concreto, Toffoli apontou que quando o pedido da Procuradoria-Geral da República sobre o retorno à prisão de André do Rap chegou ao gabinete de Fux, o suposto líder do PCC ‘já estava em fuga, desrespeitando a própria decisão’ de Marco Aurélio. Nessa linha, segundo Toffoli, Fux atuou dentro da necessidade de manutenção do cumprimento da decisão do Supremo.
O ministro Alexandre de Moraes ressaltou que o caso de André do Rap configura a primeira oportunidade do plenário em analisar o cabimento de suspensão de liminar pelo presidente do Supremo e propôs a discussão sobre a amplitude e os limites de tal medida.
Segundo Alexandre, Fux atuou na esteira de outras decisões da Corte, não tendo ‘inovado’, nem contrariado o posicionamento do Supremo, em sua avaliação. No caso em questão, o ministro entendeu que a suspensão de liminar era ‘excepcionalmente cabível’ levando em consideração o ‘risco de grave lesão à ordem è a segurança’.
O ministro Edson Fachin, por sua vez, ponderou que cabe à Presidência do Supremo ‘velar pela intangibilidade das decisões’ da Corte, mantendo a ‘coerência de uma orientação a todos os membros do judiciário que corresponda a opinião majoritária do tribunal’.
“No caso, tendo em vista que há pronunciamento majoritário de ministros deste Supremo no sentido contrário ao adotado pela liminar, caberia ao presidente velar pelo respeito à integridade da posição majoritária e submeter a questão ao Plenário”, destacou.
Na mesma linha, Luís Roberto Barroso sinalizou que o cabimento de suspensão de liminar pode se dar somente em casos de ‘não observância a jurisprudência consolidada do tribunal com complicações para ordem pública’. Assim como Fux, o ministro frisou que a medida era ‘excepcionalíssima’ e ‘não pode se transformar em regra’.
Para Barroso há fundamento legal, precedentes e norma expressa para que o presidente do STF suspenda liminares de outros ministros em caso de ‘manifesto interesse público para evitar grave lesão a ordem pública. O ministro ainda destacou a importante de que as decisões sejam levadas ao pleno.
“Nas situações em que isso ocorra o procedimento deve ser o de levar o caso ao plenário. Considero atípico e como regra geral indesejável que um colega possa sobrepor a sua decisão a de outro colega”, frisou.
O ministro também aproveitou o momento para reforçar o posicionamento de que todas as decisões liminares sejam levadas ao Plenário virtual da Corte, sugerindo ainda uma ‘via expressa’ para apreciação das cautelares.
‘Carência de amparo legal e regimental’
Penúltima a votar na sessão plenária desta quarta, 14, a ministra Rosa Weber, vice-presidente da Corte, usou termos como ‘desconforto’, ‘perplexidade’ e ‘preocupação’ para se referir à questão da possibilidade de suspensão, pelo presidente do Supremo, de liminar concedida em matéria penal. Na visão da ministra, a medida não é cabível.
“Os dispositivos legais e regimental invocados não autorizam a compreensão de que, pelo menos em matéria penal, possa o presidente do STF suspender a eficácia de liminar concedida monocraticamente por ministro da Corte, decisão esta que comporta revisão sim, mas pelo órgão colegiado”, destacou.
Segundo Rosa, a atuação monocrática do presidente, no mínimo em matéria penal, ‘carece de amparo legal e regimental’. Por outro lado, a ministra reforçou em Fux, ’em absoluto inovou’ ao derrubar a decisão de Marco Aurélio, fazendo referência aos precedentes citados ao longo do julgamento.
“Parece-me indispensável a existência de texto normativo expresso a consagrar a competência do presidente para suspender os efeitos de decisão monocrática de seus pares, relativamente aos quais não há qualquer hierarquia, ou pelo menos de decisão deste plenário explícita a respeito”, afirmou ainda.
Apesar das ressalvas de fundamentação, no entanto, Rosa acompanhou o voto de Fux, ‘sem se comprometer com a tese’ da possibilidade de suspensão de liminar pelo presidente do Supremo.
Também em seu voto, Rosa sinalizou que deve encaminhar para a manifestação do Plenário outro ponto relativo às competências do presidente do Supremo Tribunal Federal. A ministra relatou que, como vice-presidente da Corte, teve de analisar embargos de declaração interpostos contra decisão de Toffoli que arquivou inquéritos a pedido da Procuradoria-Geral da República, sem prévia redistribuição dos feitos.
Rosa disse que cogitou pedir questão de ordem quanto à competência do presidente para tanto em se tratando de temas penais e sinalizou que rejeitos os embargos em decisões ‘que vão oportunizar levar o tema ao Plenário para que se fixe as competências’.