09/10/2013 - 16:52
Do aeroporto De Guarulhos, na Grande São Paulo, até o aeroporto de Três Lagoas, no sul de Mato Grosso do Sul, são quase duas horas de voo. No dia 18 de setembro, os 70 lugares do avião da Passaredo estavam lotados. De cima, a paisagem que se via no momento da aterrissagem era a de um verde absoluto e em vários tons, ora determinados pelas pastagens do gado, ora pelas florestas de eucalipto. No desembarque, um casal perguntava à comissária de bordo onde as malas seriam retiradas. Em frente à aeronave, vários passageiros tiravam fotografias para guardar de recordação. Havia também os apressados, como há em todo aeroporto de cidade grande, mas nesse caso não sem motivo. A cidade, cada vez mais, recebe executivos de toda parte, do País e do mundo. Por isso, depois de mais de 25 anos, Três Lagoas voltou a contar com voos comerciais, no mês passado. Além da Passaredo, com duas frequências diárias, a Azul deve colocar a cidade em sua rota ainda neste ano. “Todas as empresas são bem-vindas, porque temos pressa de crescer”, diz Márcia Moura (PMDB), a prefeita da cidade. “Vem gente de todo lado por causa de nossas 450 indústrias de todos os tamanhos, mas foram as imensas plantações de eucalipto que mudaram a paisagem da região da noite para o dia e deram ao município uma projeção que até então ele não tinha.”
Três Lagoas, com seus mais de 110 mil habitantes, recebeu R$ 12 bilhões em investimentos entre o ano 2000 e 2010 e deve receber mais R$ 12 bilhões até 2014. Entre os investidores está a Petrobras, que desembarcou na cidade com uma carteira recheada de cerca de R$ 3 bilhões. No próximo ano, a estatal começa a produzir anualmente 1,2 milhão de toneladas de ureia, um dos principais insumos dos fertilizantes, fundamental para a produção agrícola do País. Mas a menina dos olhos dos investimentos em Três Lagoas é a indústria da celulose. Três empresas já se instalaram nos arredores da cidade – Fibria, do grupo Votorantim, resultado da união entre a VCP e a Aracruz; a americana International Paper, e a Eldorado Brasil, do grupo goiano J&F, comandado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista. Do trio é a Eldorado que toca o projeto mais arrojado. Depois de investir R$ 6 bilhões para colocar a primeira linha de produção de celulose em funcionamento, no fim de 2012, a J&F vai investir mais R$ 7,5 bilhões até 2017, para produzir quatro milhões de toneladas de celulose por ano. O volume de investimento, ainda não formalizado nas planilhas da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), é maior que o total dos já anunciados por todas as demais empresas do setor de celulose do País, de R$ 6,6 bilhões entre 2013 e 2017, segundo relatório da entidade divulgado em junho deste ano.
O presidente da Eldorado, o engenheiro José Carlos Grubisich, justifica o investimento no município. “Três Lagoas, atualmente, é a cidade com a maior taxa de crescimento de Mato Grosso do Sul, uma das regiões mais dinâmicas do País”, diz ele. Grubisich estima que o mercado mundial de celulose tenha uma demanda adicional de um milhão a 1,5 milhão de toneladas, por ano. A atual produção global é de 184 milhões de toneladas. O Brasil é o terceiro maior produtor com cerca de 15 milhões de toneladas por ano, atrás de Estados Unidos, China e Canadá. “O mundo vai precisar de novas fábricas e novas capacidades e é o Brasil que poderá disputar esse espaço”, diz Grubisich. “Por isso o País está se tornando uma potência na produção de celulose, impulsionado pela demanda asiática.”
Segundo a Abraf, a indústria de base florestal exportou US$ 6,7 bilhões, no ano passado, dos quais US$ 4,7 bilhões foram com a venda de celulose e US$ 2 bilhões com a venda de papel. Do total exportado de celulose, os países europeus responderam por 46% e a China, em segundo lugar, ficou com 26%. Mesmo assim, para a Eldorado, está no mercado chinês o pote de ouro do mercado mundial. A tendência de consumo europeu é de estabilidade, enquanto no país asiático a demanda vai a pleno vapor. “O mercado consumidor chinês passa por uma transformação que está só no início”, diz Grubisich. “a população, cada vez mais, utiliza produtos descartáveis em que a celulose é a matéria-prima, como produtos de higiene e fraldas, por exemplo.”
O movimento ao qual se refere o presidente da Eldorado está na base da atual política de governo da China. O presidente Xi Jinping, que tomou posse em março deste ano, disse em seu primeiro discurso que um líder em seu país, hoje, tem de ser avaliado pela capacidade de proporcionar bem- estar à população. No caso, são 1,3 bilhão de habitantes, atualmente, e 1,5 bilhão dentro de pouco mais de uma década. O crescimento da China nesse período equivale a toda a população brasileira de hoje. “Temos motivos de sobra para que a China não saia do nosso radar”, diz Grubisich. “Vamos produzir para quem precisa.” Segundo o Ministério da Agricultura, o Brasil deve sair de sua produção atual próxima de 15 milhões de toneladas de celulose, das quais 60% são exportadas, para 17 milhões de toneladas em 2017, com as exportações batendo na casa dos dez milhões de toneladas. e dentro de uma década o país vai exportar mais do que produz atualmente. neste ano, entre janeiro e junho, as vendas externas da indústria de celulose de mato Grosso do Sul foram de uS$ 487 milhões, um aumento de 120% ante o mesmo período do ano passado.
A Eldorado, para não perder tempo, já começou a colocar de pé o projeto de sua segunda linha de produção de celulose para 2017. “Vamos começar com dois milhões de toneladas, com expectativa de ir a 2,3 milhões após os ajustes que sempre são necessários em fábricas novas”, afirma Grubisich. A expertise em ajustes levou a atual unidade de Três Lagoas, que foi projetada para produzir 1,5 milhão de toneladas de celulose, por ano, a passar para 1,7 milhão em 2014. O projeto da nova fábrica foi apresentado ao governo de Mato Grosso do Sul no começo deste ano.
Mas, como não basta apenas um financiador, o plano de expansão foi submetido ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em junho. No início de setembro a empresa também consultou o Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO), em busca de uma linha de investimento de R$ 1,4 bilhão, com liberação de R$ 700 milhões ainda neste ano e os demais em 2014. “Também já começamos a conversar com algumas agências de crédito de exportação na Finlândia, na Suécia e em outros países europeus que financiam equipamentos importados”, diz Grubisich. O objetivo do grupo J&F – dono da JBS, a maior produtora mundial de proteína animal – é captar até R$ 5 bilhões em linhas de financiamento no mercado, do total orçado de R$7,5 bilhões. A diferença deve ser incorporada à empresa através da capitalização dos atuais acionistas e, eventualmente, com aportes de outros investidores.
No campo, o passivo de florestas plantadas da Eldorado deve subir dos atuais 160 mil hectares e 100 mil árvores colhidas por mês para 350 mil hectares. Para isso, mais do que nunca, a empresa precisa de produtores que sejam seus parceiros ou que arrendem suas terras. Carlos Garcia, coordenador de Prospecção de Terras da Eldorado, já mapeou um milhão de hectares na região com potencial para produzir eucalipto. Garcia, que já foi comprador de bois da JBS por sete anos, antes de ser transferido para a Eldorado, conhece bem as terras da chamada Costa Leste Sul-mato-grossense, polo regional liderado por Três Lagoas e que inclui os municípios de Selvíria, Anaurilândia, Aparecida do Taboado, Bataguassu e Santa Rita do Rio Pardo, que ocupam 3,4 milhões de hectares de terras, dos quais pouco mais de um milhão são em Três Lagoas.
Para Garcia, quando a Eldorado chegou à região em busca de terras para plantar eucalipto, a conversa com os produtores não foi fácil. “Havia a desconfiança de que as florestas plantadas iriam tomar toda a terra da região”, diz ele. a gênese da desconfiança está na crença de que a vocação da região, desde meados da década de 1970, era única e exclusivamente a pecuária. na década de 1990, três lagoas, de fato, era um dos melhores lugares do País para se comprar bezerros cruzados de nelore com raças europeias. Mas, de lá para cá, muita água rolou por debaixo da ponte. a partir de 2004, ocorreu uma forte descapitalização dos pecuaristas, que sofreram com o achatamento do preço da arroba do boi, provocado por um surto de febre aftosa no estado, e com a degradação das pastagens, com a consequente falta de comida para alimentar o rebanho. “O eucalipto não é a única causa da saída do boi da região.” Até porque em todo Mato Grosso do Sul, apesar do crescimento vertiginoso nos últimos anos, a área ocupada pelas florestas é de pouco mais de 500 mil hectares. Tocando a boiada – atualmente, três lagoas abriga um rebanho bovino de cerca de 700 mil animais, menos da metade do existente na década passada. Com a descapitalização, muitos pecuaristas realmente viram no eucalipto uma saída para manter-se no campo. o agrônomo José Carlos Galvani, herdeiro de uma família que viveu da pecuária do município desde o final da década de 1970, se desfez do rebanho de 3,5 mil animais nelore criados em 2,1 mil hectares de pastos para entregar toda a área à eldorado. “O eucalipto foi uma grande válvula de escape para a minha família”, diz Galvani. “Como pecuaristas, tínhamos uma área muito pequena para criar gado de corte e o lucro anual não chegava a r$ 600 por hectare.” do total plantado com eucalipto, 25% são arrendados e 75% são explorados na forma de parceria.
Apesar de toda a operação florestal estar nas mãos da eldorado, a diferença entre um sistema e outro é que no arrendamento Galvani recebe R$ 800 por hectare e na parceria ele corre riscos juntamente com a empresa e recebe aquilo que o mercado da commodity oferece. “a parceria é mais interessante, porque tenho um valor mínimo garantido”, diz Galvani. “Como o preço da celulose está subindo, em agosto recebi quase r$ 5 mil a mais em relação à terra arrendada”, diz Galvani.” Como Galvani, até os pecuaristas mais tradicionais da região já se renderam às florestas da eldorado. Cláudio totó Garcia, que seleciona nelore desde 1962, e é reconhecidamente no setor um dos melhores criadores de fêmeas da raça no País, entregou à empresa 260 hectares para o plantio de floresta. “Fiz parceria em uma área de terra fraca, na qual iria gastar muito para recuperá-la”, diz totó. “Pensei em primeiro lugar na renda que vou ter com o eucalipto e isso responde por 90% dos produtores que fecharam contrato com a eldorado.”
Grubisich, que também cria nelore em Mato Grosso do Sul, no município de Camapuã, a 400 quilômetros de três lagoas, diz que o modelo de uma maior industrialização da região é fruto da política do governo do estado. em função dessa política, o município sul- mato-grossense passou de um modelo de pecuária tradicional para um novo, em que parte da terra está sendo substituída pela expansão da cidade, com mais urbanização ou com industrialização. “na medida em que a indústria entrou na região, a terra subiu de preço e é preciso rentabilizá-la”, diz Grubisich.
A Eldorado busca produtores que tenham terras em um raio de até 200 quilômetros da fábrica. Assim, quanto mais próximo da fábrica, maior é o valor do hectare. Em um raio de 80 quilômetros, por exemplo, o preço pode ir a R$ 7 mil. Nas imediações da fábrica chega a R$ 12 mil, mas há produtores que nem por esse preço entregam suas terras. Antes de as indústrias de base florestal aportarem em Três Lagoas, em 2005, o preço do hectare não passava de R$ 2 mil.
Para o professor da Faculdade de Zootecnia de Uberaba (Fazu-MG) Adilson de Paula Aguiar, que também é sócio da consultoria Consupec, o produtor que planeja ficar na pecuária precisa investir na melhoria das pastagens para ser competitivo. “É inevitável que aconteça para as áreas de eucalipto de Mato Grosso do Sul o mesmo que ocorreu para a cana-de-açúcar em São Paulo”, diz Aguiar. “Mesmo as terras que não forem convertidas se valorizam.” Totó é um dos pecuaristas da região que se utilizam dos conhecimentos do professor Aguiar. “Estamos adubando, corrigindo o pasto e manejando melhor os animais para aproveitar todo o potencial de nossas melhores terras”, diz. Segundo o criador, uma vaca fora do rebanho, por falta de comida ou por baixa rentabilidade, é o mesmo que uma fábrica fechada.
Pesquisa em alta – A valorização das terras está, também, empurrando o eucalipto para um novo patamar de produtividade. Atualmente, a média é de 38 toneladas de celulose por hectare nas florestas da Eldorado. “Queremos ir a 47 toneladas por hectare”, diz o engenheiro Germano Vieira, diretor florestal da empresa e presidente do Instituto de Pesquisa Florestal (Ipef), de Piracicaba (SP). No jargão técnico, equivale a elevar a produtividade média de 40 metros cúbicos de celulose, por hectare, para 50 metros cúbicos. “O Brasil pode fazer isso em poucos anos.”
Para acelerar o processo, a Eldorado vai inaugurar um centro de pesquisas destinado a desenvolver mudas de eucalipto com tecnologia própria. Desde o ano passado, a empresa conta com um banco de germoplasma com 480 famílias de espécies da planta. A tarefa não é fácil nem é rápida. São necessários nove anos para obter, de 40 mil ensaios, um único clone de planta para ser registrado em nome da empresa. Atualmente, a Eldorado tem uma área de 400 hectares para testar essas novas plantas. “Estamos mandando nossos pesquisadores aos Estados Unidos para estudarem plantas que, a princípio, não têm nada a ver com o eucalipto”, diz Vieira. “Mas eles podem encontrar tecnologias que nos interessam.”
Para Grubisich, grande parte da melhoria e competitividade do negócio ainda virá da área de pesquisa e inovação florestal, contribuição que nenhum movimento ambientalista em favor da preservação de florestas nativas contesta atualmente. Na Eldorado, a regra é: para cada árvore de floresta plantada que for colhida, uma espécie nativa é plantada. “Toda a indústria de base florestal vem fazendo isso”, diz Grubisich. “Por isso, as florestas nativas vêm crescendo ano após ano no País. A tendência é sermos cada vez mais verdes.”