03/11/2020 - 12:30
O Brasil ainda vivia sob o regime militar quando o grupo político de Rubens Furlan (PSDB) assumiu a prefeitura de Barueri pela primeira vez em fevereiro de 1983. O prefeito, que busca neste ano o sexto mandato, é um retrato do continuísmo na Região Metropolitana de São Paulo.
Levantamento feito pelo Estadão mostra que a falta de alternância no poder se repete em pelo menos outras quatro cidades da região: Caieiras, Cotia, Mogi das Cruzes e Guararema. Além de décadas no comando dos Executivos municipais, esses grupos têm em comum o poder econômico na região e a maioria no Legislativo.
Político influente na cidade que tem um dos maiores orçamentos da região, Furlan se manteve no poder até quando não era prefeito, indicando os sucessores nas eleições em que não podia concorrer. “É algum crime ser eleito prefeito seis vezes?”, questionou em entrevista ao Estadão. Furlan tem no mandato atual secretários com quem trabalhou nos anos 1980.
Nas pesquisas de intenção de voto divulgadas pelos jornais locais, Furlan aparece em primeiro lugar. No último pleito, venceu com 84,73% dos votos válidos. “O poder econômico do grupo político de Furlan é muito forte, acaba sendo uma disputa desproporcional”, disse Baltasar Rosa (PT), candidato da oposição.
Nessa eleição, o prefeito acumula uma receita de R$ 708 mil e um gasto de R$ 1 milhão – ambos valores superiores à soma de todos os demais candidatos.
Todos os 21 parlamentares da Câmara Municipal são do grupo político do prefeito. “Os vereadores não podem manifestar ideias contrárias a Furlan de forma mais enérgica. Se o fizerem, no mandato seguinte estão fora do páreo”, afirma Rosa.
O prefeito, por sua vez, diz ter uma relação harmoniosa com o Legislativo. Apesar de negar que já tenha em mente um sucessor, afirmou que o filho, Rubinho, “está enlouquecido para o pai sair para ele entrar”.
Peso
A questão econômica pesa muito na política, sobretudo no âmbito local, diz Marco Antônio Teixeira, professor de ciência política da FGV-SP. “Uma das razões do monopólio político é a questão econômica, que transforma a democracia local em um controle de um grupo só.”
Para ele, a alternância no poder é saudável. “A boa democracia recomenda que as lideranças tenham um certo ‘desapego’ do cargo, e não transformem o poder em um instrumento quase feudal, de apropriação familiar.”
Em Guararema, políticos ligados a Sebastião Alvino de Souza se revezam no Executivo municipal há mais de 30 anos. Pai do hoje deputado federal Marcio Alvino (PL), Sebastião assumiu o comando da prefeitura pela primeira vez em 1970, após renúncia do prefeito de então. Ele governou a cidade por mais um mandato, entre 1977 e 1983, e chegou a concorrer nas eleições municipais de 1988, mas morreu em um acidente de carro. Quem assumiu a disputa foi a viúva, Conceição Alvino de Souza, eleita prefeita naquele ano e, depois, por mais dois mandatos, entre 1997 a 2004.
A ex-prefeita fez como sucessor o amigo da família Vicente Antonio Mariano e, depois, o seu próprio vice, André do Prado (PL). Em seguida foi a vez do seu filho, Márcio Alvino, se eleger por duas vezes. Ele deixou a prefeitura em 2014 para disputar uma vaga no Congresso. Seu vice, Adriano de Toledo Leite (PL), assumiu, se reelegeu e hoje ocupa a prefeitura.
Neste ano, o arquiteto e urbanista José Luiz Freire, conhecido como Zé (PL), é o candidato do grupo político. O Estadão não conseguiu contato com eles. “Temos aqui uma situação de coronelismo”, diz a candidata a prefeita Natália Americano (PSL).
Localizada a quase 30 quilômetros de Guararema, Mogi das Cruzes é governada por prefeitos ou vices do PSDB há pelo menos duas décadas. Mas, para o vereador e candidato a prefeito Rodrigo Valverde (PT), cabe ao ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL) a “gerência da política” local. A assessoria de imprensa do PL nacional disse, em nota, que Valdemar trabalha para o partido em Brasília, em regime de dedicação exclusiva.
Em Caieiras, o mesmo grupo político está no poder desde 2009. Já em Cotia, o PSDB governa há duas décadas.
Poá
Eleito em 2012 com 77% dos votos, Francisco Pereira de Souza, conhecido como “Testinha” (Solidariedade), teve seu mandato cassado pela Câmara Municipal após ter aumentado a taxa do lixo por meio de um decreto em valor acima da inflação. Mesmo fora da disputa, seu nome vai aparecer para os eleitores de Poá no próximo dia 15 de novembro. Sua mulher, candidata a prefeita, escolheu como nome de urna “Márcia Bin Esposa do Testinha” (PSDB).
As referências ao marido não param por aí. Quem entra nas redes sociais da candidata também se depara com uma foto do casal. Em seu site oficial, a ex-primeira-dama diz que participa “ativamente da política poaense há mais de duas décadas”: “Acompanhando meu amado esposo, ex-vereador e ex-prefeito de Poá”.
Ela concorre ao lado de Geraldo Oliveira (Solidariedade), primo de Testinha. Procurada pelo Estadão, a assessoria de imprensa de Marcia alegou agenda lotada. O marido não retornou o contato.
Em Itaquaquecetuba, o ex-prefeito Armando Tavares Filho, conhecido como “Armando da Farmácia”, se colocou como pré-candidato à prefeitura, mas acabou desistindo. A validade de sua candidatura não era certa, pois ele teve as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado e pela Câmara Municipal.
O partido decidiu então lançar a ex-mulher de Armando, Heroilma Lins. Em fotos publicadas na rede social da candidata, o ex-prefeito aparece em alguns eventos de campanha. E declara publicamente apoio à ex-mulher. Mas diferente do caso de Poá, Heroilma não cita Armando em seu nome de urna ou slogan. No site oficial, a candidata reforça a trajetória na política para além do cargo de primeira-dama, que inclui um mandato na Assembleia de São Paulo e a chefia da secretaria da Promoção Social. “Sendo eleita, quem vai administrar a cidade sou eu. Sempre fui uma mulher independente”, disse Heroilma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.