28/12/2013 - 8:05
O professor austríaco Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna, dizia que “gerenciar é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação”. Durante sua vida – ele morreu em 2005, aos 96 anos –, Drucker escreveu 39 livros, nos quais detalhou suas teorias sobre o modo como os seres humanos se organizam e interagem em suas relações no trabalho. Embora gerados a partir da longa convivência de Drucker com a indústria dos Estados Unidos, Europa e Japão, seus ensinamentos têm uma aplicação universal, caindo como uma luva para as empresas do agronegócio, que vêm substituindo o serviço braçal pela máquina, as verdades centenárias arraigadas pelas pesquisas e se pautado por relações de trabalho mais horizontais. A americana Cargill, produtora de alimentos em 65 países, escolhida como A EMPRESA DO ANO no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL, ganhou tal distinção por ter o melhor desempenho no setor AGRONEGÓCIO DIRETO, categoria que inclui as companhias cujo foco de atuação está inserido no agronegócio, seja como produtora, trading ou fornecedora de insumos, entre outras atividades.
A gestão corporativa da subsidiária brasileira da Cargill, que faturou R$ 24 bilhões no ano passado com grãos, óleos, fibras, amidos e energia, no País, é um misto de tradicionalismo com uma postura aberta a novos desafios. A começar pela contratação de jovens profissionais, entre eles agrônomos, zootecnistas, engenheiros e economistas. A Cargill tem atualmente 9 mil funcionários, aumento de 36% em relação ao contingente empregado em 2010. O crescimento do número de funcionários vem acompanhando a expansão física da empresa em investimentos como os de Castro (PR), para milho, de Três Lagoas (MS) para biocombustível, e o aumento da capacidade de algumas unidades, além da aquisição de fábricas de terceiros, como as de atomatados da Unilerver, entre outras. Entre elas está o início da cogeração de energia da usina de etanol e açúcar em Cachoeira Dourada (GO), no ano passado. “Montamos programas para que os jovens talentos consigam assimilar a nossa cultura”, diz Luiz Pretti, presidente da Cargill no Brasil.
Pretti considera a formação de talentos da Cargill como uma missão tão vital para o futuro da empresa que faz questão de entrevistar pessoalmente os candidatos a posições na área financeira, setor ao qual sempre esteve ligado. Além de presidente da filial, Pretti acumula os cargos de tesoureiro para a América Latina e de CEO do Banco Cargill e é membro de conselhos, como os da Fundação Cargill, CargillPrev e SJC Bioenergia. “Para os demais cargos não me atrevo”, diz. “Até brincamos que existe uma máfia da Esalq na empresa.” Segundo Pretti, há de fato uma preferência por quem se forma na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, na USP/Piracicaba, no interior de São Paulo. A Esalq é considerada por executivos do setor como a melhor escola para os cursos de agrárias, especialmente a engenharia agronômica, embora Pretti mencione também universidades como as de Viçosa (MG) e a Unicamp (SP). “O importante é que as pessoas entrem na empresa e fiquem”, diz. “Ela é tão grande que é possível passar por muitos postos durante uma vida, sem se repetir.”
O atual presidente, que está na Cargill há nove anos, se considera um novato. A grande maioria dos executivos faz uma carreira muito longa na Cargill. Há funcionários, como o engenheiro Wilson Santi, que estão na empresa há cerca de três décadas – na matriz, em Minnesota, Estado do Meio-Oeste americano, é o caso, por exemplo, do CEO mundial, Gregory Page, que foi admitido na empresa em 1974 e passou por vários cargos até chegar ao topo, em 2007.
Na Cargill, a forma organizada de administrar os recursos disponíveis e as decisões tomadas pela cúpula da empresa têm garantido a expansão em áreas essenciais ao seu desenvolvimento. O gerenciamento do plano logístico é um dos setores que mais se beneficiam desse posicionamento. “As radiografias são imprescindíveis para detectar oportunidades”, afirma Pretti. “Estamos olhando para o Norte do País, porque quem não olhar para essa região está fora do jogo.” A Cargill tem capacidade de exportar pelo Norte do País dois milhões de toneladas de grãos por ano. “Mas vamos dobrar essa capacidade”, diz Pretti. Os investimentos começaram no ano passado e se estenderam para 2013, com o objetivo de expandir a capacidade do terminal portuário de Santarém, no Pará. A capacidade de recebimento e armazenagem de grãos, que era de 60 mil toneladas, vai a 90 mil toneladas. Entre janeiro e setembro deste ano, 1,7 milhão de toneladas de soja e milho saíram por essa rota, um crescimento de 66% sobre o mesmo período de 2012. Da margem direita do rio Tapajós partem navios que seguem pelo rio Amazonas até o Oceano Atlântico com destino à Europa, Ásia e Estados Unidos.
Outro investimento na área portuária será feito em Miritituba, outra vila às margens do Tapajós, no município de Itaituba, no qual a Cargill construirá um novo terminal. “Vamos com cautela e planejamento porque não é possível entrar com tudo. A região é muito grande”, diz Pretti. “Por isso, em algumas áreas nossas concorrentes estão mais adiantadas, em outras nós é que estamos.” Atualmente, seis empresas estão construindo Estações de Transbordo de Carga (ETC), uma espécie de porto simplificado, no qual é possível atracar comboios de barcaças com capacidade para até 18 mil toneladas de grãos. Entre elas, estão gigantes do agronegócio, como o grupo Amaggi, que pertence à família do senador Blairo Maggi. Mas o projeto mais adiantado é o CiaNport, que reúne as empresas Fiagril, de Lucas do Rio Verde (MT), e Agrosoja, na região de Sorriso, também em Mato Grosso. Nos portos do Sul, o que possibilitou o aumento dos embarques de grãos da Cargill foi a parceria com a francesa Louis Dreyfus Commodities (LDC) no Terminal Exportador do Guarujá. No ano passado, o embarque foi recorde, com 5,2 milhões de toneladas de soja e milho, ante 4 milhões de toneladas, no ano anterior.
De acordo com Pretti, os planos de expansão também têm como foco o relacionamento com a ponta da cadeia produtiva. “Estar no campo, falando diretamente com o produtor, faz parte do estilo de gestão da Cargill”, diz. “O slogan ‘nossa palavra é o nosso compromisso’ é repetido à exaustão entre nós.” Essa visão de que o sucesso depende intimamente do relacionamento com o homem do campo é compartilhada pela multinacional suíça Syngenta, empresa da área de controle de pragas, proteção de cultivos, sementes e, no caso do café, no desenvolvimento de plataformas para a integração de produtores, cooperativas e torrefadoras para a comercialização de grãos de qualidade.
Nesta primeira edição do prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL, a Syngenta destacou-se em gestão financeira, na categoria AGRONEGÓCIO DIRETO. No ano passado, sua receita global foi de US$ 14,2 bilhões, 7% superior em relação a 2011. A América Latina, com o Brasil na liderança, respondeu por vendas de US$ 3,71 bilhões, um crescimento de 12%, a maior taxa entre os 90 países em que a empresa atua. Segundo Antonio Carlos Guimarães, presidente da Syngenta para América Latina, o mais importante ativo de uma empresa é fazer com que o seu cliente tenha benefícios no relacionamento com ela. “A área de finanças pode ajudar muito, criando essa relação ganha-ganha”, diz Guimarães. “Os modelos de barter foram nosso principal instrumento para estreitar o relacionamento com os produtores rurais.”
As operações de barter, que contam com um portfólio de produtos trocados por sacas precificadas no mercado futuro, respondem por 30% do faturamento da empresa. A Syngenta foi uma das pioneiras a investir nesse tipo de transação milenar, mas que no universo empresarial moderno do agronegócio passou a ganhar fôlego há pouco mais de uma década. Com o barter, o produtor passou a eliminar os riscos de variação de moeda e variação do preço da commodity. “Para a Syngenta, o reflexo desse modelo foi bom porque eliminou os riscos do balanço”, diz Guimarães. “Hoje, o barter é um padrão da indústria.”
Neste ano, no dia 27 de março, durante o Demonstration Day, em Florianópolis, capital de Santa Catarina, uma iniciativa global da companhia com edições semelhantes nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Suíca, o diretor-geral da Syngenta no Brasil, Laércio Giampani, afirmou que o principal desafio da empresa é continuar pensando como o produtor. “Um agricultor que planta trigo pensa em ser o melhor na cultura, independentemente de precisar do controle de insetos, doenças ou da melhor semente”, disse Giampani. Para Guimarães, a Syngenta, que cultiva a preocupação de como evoluir na relação com sua cadeia produtiva, tem apresentado alternativas aos produtores. “Na área de café, por exemplo, criamos o Nucoffee para integrar toda a cadeia e tirar o produtor do isolamento”, diz Guimarães. “É importante que ele se veja no produto final.” Para os produtores de algodão, a Syngenta criou um barter acoplado à logística, no qual a fibra é levada até os portos. “Para os grãos, as tradings sempre estiveram nos locais de produção, mas, no caso do algodão, os importadores estão nos portos”, afirma Guimarães. “E se eles estão aí, é aí que colocamos o produtor.”