A pandemia de covid-19, como se esperava, tirou a campanha das ruas, ao menos nos moldes como se conhecia antes, com comícios, passeatas e cabos eleitorais espalhados pelas esquinas. Como consequência, acentuou-se uma tendência já em alta no Brasil: a concentração do debate político no ambiente virtual, especialmente nas redes sociais. O fenômeno ajuda candidatos com uma base de seguidores mais sólida, segundo o Pedro Kelson, mestre em democracia e capital social e coordenador de articulação da sociedade civil no Pacto pela Democracia. Ele também avalia que a onda da renovação, diante da calamidade pública do coronavírus se arrefeceu, assim como nomes ligados aos extremos da política, dando força novamente para um centro mais moderado. Confira:

Pesquisas mostram que candidatos mais identificados com o centro estão liderando na maior parte das capitais. Isso pode ser uma tendência para 2022?

De fato, estamos assistindo a um fenômeno eleitoral marcado pelo continuísmo de mandatos, pelo fortalecimento de candidaturas de centro e pelo enfraquecimento daquelas ligadas à extrema-direita e ao petismo. Há, contudo, candidaturas à esquerda do PT com chances de 2º turnos competitivos, como é o caso de Guilherme Boulos (PSOL/SP) e Manuela D’Ávila (PCdoB/RS), o que aponta para o enfraquecimento dos grandes polos antagônicos nacionais e, não necessariamente, de extremos ideológicos. Embora o presidente Jair Bolsonaro esteja no jogo político há décadas, ele foi fortemente beneficiado em 2018 por uma postura social antissistema, que parece se arrefecer nessa nova configuração.

E o antipetismo?

Neste cenário, o antipetismo se mantém como uma força política ainda vigorosa. Ter base política nos municípios é um ativo para qualquer candidatura que queira chegar competitiva ao pleito nacional. Portanto, o desempenho eleitoral deste ano terá impacto certo nas eleições de 2022. A formação desse centro, todavia, ainda é bastante incerta e há uma disputa por qual grupo político conseguirá ocupar esse lugar no imaginário social.

Candidatos apresentados como ‘novos’ na política não decolaram dessa vez. A onda da renovação política acabou?

Em momentos de crises e incertezas é muito comum que as pessoas escolham pelo que é conhecido e seguro. Me parece que candidaturas mais tradicionais tenham sim o benefício da previsibilidade, respondendo bem à paisagem emocional destes tempos pandêmicos. A isso, soma-se o fato de que o rótulo “nova política” não resistiu ao exercício da prática e ficou extremamente desgastado e esvaziado de significado. A diversidade, contudo, segue sendo um valor importante na atualidade. As eleições americanas mostraram a força e o poder dos movimentos negros e de mulheres, grandes responsáveis pela eleição da chapa democrata Biden/Harris à Casa Branca. A ideia de que é preciso ampliar a representação política, inserindo grupos sub representados nos espaços de poder como mulheres, pessoas negras, jovens, indígenas e população LGBTQI+, segue bastante viva. É preciso ver se há força o suficiente para sobrepujar as barreiras estruturais, culturais e institucionais postas.

A pandemia favoreceu candidatos mais conhecidos?

Ainda que as candidaturas não tenham deixado totalmente de fazer campanha nas ruas, o isolamento social de fato forçou-as a apostar mais nas redes virtuais, terreno que oferece vantagens a figuras públicas já conhecidas. Construir uma base de seguidores do zero hoje, com relevância e engajamento, é muito mais difícil do que anos atrás. As mudanças no modelo de monetização das empresas, que passaram a priorizar sobremaneira conteúdos patrocinados, beneficia candidaturas mais ricas, em geral também mais conhecidas. Os algoritmos das plataformas também têm dado menor alcance para postagens com teor político eleitoral, em resposta à intensa pressão internacional sobre a responsabilidade dessas empresas em propagar desinformação e influir em eleições em todo o mundo. Tudo isso dificulta a vida dos novos postulantes que precisam construir público.

E o horário de TV? Voltou a ser relevante?

Se partirmos dos números de audiência é possível dizer que não. Segundo pesquisa Ibope recente, há uma queda de 16% nos níveis de audiência entre as propagandas eleitorais de 2016 e de 2020, mesmo com mais pessoas em isolamento social. Esses números reforçam a percepção de que o tempo de propaganda eleitoral televisiva, a despeito do altíssimo custo de produção, já não é um fator determinante.

A pandemia expôs de forma mais contundente as desigualdades sociais, especialmente em cidades ricas, como São Paulo. Candidatos propuseram auxílios financeiros, frentes de trabalho e até crédito para alavancar emprego e renda. Passada a eleição, essas são as promessas que deverão ser priorizadas?

Dois fatores seguem no horizonte do próximo biênio. A possibilidade de uma segunda onda antes do lançamento das vacinas e o fato de que o presidente não demonstra nenhuma intenção em mudar sua postura anticientífica caso a pandemia se estenda e volte a crescer. Diante desse cenário, o papel das prefeituras torna-se central. Serão elas que precisarão criar planos articulados e coordenados de proteção da vida e dos empregos no País.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.