17/11/2020 - 7:08
No terceiro anúncio consecutivo de resultado positivo para vacinas contra a covid-19 em menos de sete dias, a farmacêutica americana Moderna informou ontem que seu produto apresentou uma eficiência de 94,5%. O índice ficou ligeiramente acima do da Pfizer (90%) e do Instituto Gamaleya (92%). Pesquisadores ouvidos pelo Estadão dizem que é alta a chance de haver, em 2021, várias opções de imunizante contra o novo coronavírus. Isso facilitaria o combate à pandemia. Ao todo, 57 pretensas vacinas são testadas em seres humanos. Mesmo que só 10% funcionem, serão pelo menos cinco.
As vacinas da Moderna e da Pfizer têm tecnologias inéditas e semelhantes, com base no RNA mensageiro do novo coronavírus. A vacina russa, a Sputnik V, usa um adenovírus humano como vetor; uma plataforma já testada com sucesso em outros imunizantes. Os resultados, segundo as farmacêuticas, são excelentes. A vacina do sarampo, por exemplo, considerada uma das melhores do mercado, tem eficiência de 90%. A da poliomielite é de, em média, 70%. Mesmo assim, a doença foi erradicada em vários países.
O imunizante da Moderna, segundo a própria farmacêutica, apresenta uma vantagem em relação ao da Pfizer. Embora as duas usem a tecnologia do RNA mensageiro (que entrega ao organismo as instruções para fabricar uma proteína do novo coronavírus dentro das células humanas e assim induzir a imunidade), a da Moderna é mais estável. Ela pode ficar armazenada em geladeiras normais por um mês e em freezers comuns por até seis meses. A vacina da Pfizer requer temperaturas de menos 70 graus Celsius, muito mais baixas. Com uma embalagem especial de gelo seco, ela se mantém por duas semanas e, depois de descongelada, por mais uma semana em geladeira comum. Num país como o Brasil, isso pode facilitar ou dificultar a logística de distribuição.
Mas o bom resultado da Moderna – em colaboração com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid) dos EUA e com envolvimento de 30 mil voluntários – surpreendeu até mesmo os pesquisadores. “Eu vinha dizendo que ficaria satisfeito com uma vacina 75% eficaz”, disse Anthony Fauci, diretor do Niaid.
Dinheiro e tecnologia. Quando laboratórios em diversas partes do mundo se lançaram na corrida em busca de uma vacina contra a covid, há menos de um ano, muitos cientistas alertaram para o fato de que desenvolver um imunizante era um trabalho de longo prazo. Além disso, disseram, a chance de um produto que chega à fase 3 de testes ser, de fato, eficiente e seguro a ponto de ser aprovado para uso é de apenas 10%. Os resultados, no entanto, vêm surpreendendo até mesmo os mais céticos.
“Todas essas plataformas são seguras, nenhuma delas usa o vírus atenuado, que poderia mimetizar uma infecção com grande potência”, explica Alexandre Naime Barbosa, chefe do Departamento de Infectologia da Unesp. “Além disso, a tecnologia realmente evoluiu muito, não dá para comparar com uma vacina desenvolvida 50 anos atrás. Um terceiro aspecto é que o Sars-Cov-2 é muito mais simples e menos sujeito a mutações do que o HIV ou o vírus da hepatite C, por exemplo.”
O virologista Flávio Guimarães, do Centro de Tecnologia de Vacinas da UFMG, lembra também de outro aspecto fundamental: o financiamento das pesquisas. “Em vista da emergência sanitária, houve um influxo de dinheiro por parte das empresas e dos governos como jamais houve na história”, disse. “A ciência é pragmática: quando você paga, recebe.”
A diversidade de vacinas, a depender das características de cada uma, pode ser decisiva para esquemas de vacinação mais eficientes. Por exemplo, se uma delas tiver resultados melhores entre os idosos e outra entre os mais jovens. Ou se um imunizante for mais facilmente armazenado e transportado do que outro. Ou se for capaz de prevenir formas mais ou menos graves da doença.
Para os especialistas, o Brasil se encontra em uma posição privilegiada. “O País tem dois acordos bilaterais que incluem compromisso de compra e transferência de tecnologia, para a Coronovac, com o Instituto Butantã, e para a vacina de Oxford, com a Fiocruz e Biomanguinhos”, lembrou o diretor da Sociedade Brasileira de Imunização, Renato Kfouri. “Além disso, o País integra a Covax Facility (a iniciativa da OMS para a distribuição de imunizantes licenciados). E, claro, podemos ainda negociar a compra de outras vacinas se houver disponibilidade.” Essa possibilidade, aliás, continua em análise pelo Ministério da Saúde.
Os cientistas ressalvam, no entanto, que os resultados de eficiência da Pfizer, do Gamaleya e da Moderna não foram ainda publicados em revistas com revisão dos pares. Foram anúncios feitos pelas empresas que, inclusive, acabaram por valorizar suas ações nas bolsas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.