Sob o risco de aumento da evasão escolar devido à pandemia do novo coronavírus, o relator da regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), avalia a possibilidade de permitir o uso de recursos do fundo para bancar bolsas a estudantes como forma de incentivá-los a voltar à escola. O investimento seria uma forma de tentar evitar que o abandono escolar e a perda no aprendizado comprometam a renda e a produtividade desses futuros trabalhadores, trazendo prejuízos ao País.

Uma pesquisa feita por um grupo de entidades educacionais, entre elas a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), aponta que um a cada três alunos cogitam abandonar a escola ou a universidade por causa da pandemia.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, a falta de um plano concreto para retomar as atividades escolares com segurança acendeu o alerta para as consequências negativas sobre a desigualdade de renda e o crescimento futuro da economia. O professor do Insper Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas em desigualdade no País, acredita que o prejuízo no aprendizado pode afetar a renda do estudante em até R$ 70 mil ao longo de sua vida. Em caso de abandono dos estudos, o prejuízo chega a R$ 400 mil para ele e a sociedade.

“Tem de estar no radar das redes uma política muito séria de incentivos aos alunos para voltarem à escola”, afirma a Rigoni. “Essa (política) das bolsas pode ser uma, eu acho superinteressante. Tem inclusive uma ideia já testada em outros países do mundo, que é fazer uma poupança para o aluno, e aqueles que conseguirem completar o ensino médio podem sacar esse dinheiro. Dá um incentivo não só para ele voltar à escola, mas também para completar o ensino médio.”

A ideia ainda é preliminar e, segundo o deputado, depende de uma análise de qual instrumento jurídico poderia ser usado para direcionar dinheiro do Fundeb para essas bolsas. Por isso, ainda não há uma definição de valores para o incentivo.

Rigoni tem trabalhado na regulamentação do Novo Fundeb, aprovado este ano pelo Congresso Nacional e que prevê maior participação da União. Em seu relatório, ele propõe concentrar a maior parte dos recursos para municípios mais pobres. O texto precisa ser votado ainda este ano para evitar um “apagão” de recursos no início de 2021 para as redes estaduais e municipais.

Conectividade

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) é relatora de um projeto que busca ampliar o acesso de alunos e professores a internet e equipamentos, sobretudo em regiões mais vulneráveis. A falta de conectividade foi um dos fatores que acentuou a desigualdade educacional na pandemia. Quase 3,4 milhões de brasileiros vivem em distritos sem nenhuma antena de conexão móvel disponível. No caso da banda larga fixa, mais de 2 mil municípios apresentam baixa velocidade de conexão, menor que 5 Mbps.

“Um tempo atrás, uma mãe me falou: ‘olha, eu não tenho internet, não consegui conectar, falaram que eu podia baixar esse aplicativo no meu celular, mas ele não comporta’. Era um celular bem simples. Aí na TV o código não funciona. São alunos que já estão em moradias muito vulneráveis, com um córrego passando na frente, sem mesa, sem internet. Muitas vezes, pais e mães não puderam aprender a ler e escrever. São condições muito adversas.”

Tabata lembra que a falta de acesso à educação traz impactos para além do aprendizado, deixando o jovem mais vulnerável a problemas de saúde e à criminalidade. “Muitas pessoas escolheram só olhar para um dos lados. Estamos vivendo uma pandemia que é, sim, letal para muitas pessoas, e nós não podemos voltar para a escola que deixamos em março (sem adaptações). Por outro lado, muitas pessoas ignoram o fato de que a negação do direito à educação também representa uma morte, ainda que lenta”, diz.

Política complementar

A presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretária estadual de Mato Grosso do Sul, Cecilia Motta, afirma que “sem sombra de dúvidas” haverá prejuízo aos estudantes, apesar dos esforços de muitas escolas em adotar protocolos sanitários para tentar retomar as atividades. Ela destaca a necessidade de ter políticas complementares à educação, como a conectividade, e a importância da busca ativa de alunos para evitar a evasão.

“Às vezes, o estudante desanimou, os pais não estão acompanhando ou estão trabalhando, e o aluno não faz as atividades. Às vezes, a família perdeu renda e o jovem precisou buscar trabalho. Precisamos fazer essa busca ativa”, conclui.

Para lembrar

O Fundeb, o principal mecanismo de financiamento da educação, já esteve no centro da polêmica discussão de onde tirar recursos para bancar o Renda Cidadã, ou Renda Brasil, programa social pensado para substituir o Bolsa Família. Em setembro, o governo anunciou que usaria dinheiro do Fundeb e de precatórios – valores devidos a pessoas físicas ou jurídicas após sentença definitiva na Justiça – para tirar o programa do papel.

A proposta de usar Fundeb e precatórios foi duramente criticada. Parlamentares, educadores, organizações da sociedade civil ligadas à defesa da renda básica e da educação e até mesmo aliados do governo reagiram mal à proposta.

Nos últimos meses, o governo vem se debatendo para criar um novo programa social para substituir o Bolsa Família e abarcar parte dos atuais beneficiários do auxílio emergencial, criado para ajudar trabalhadores informais afetados pela crise da pandemia do coronavírus.

Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que o governo pode acabar retomando apenas o Bolsa Família no ano que vem se não apresentar proposta fiscalmente sólida para a criação de um novo programa social.