A investigação conjunta da Polícia Federal e Receita, que levou à deflagração da Operação Enterprise nesta segunda-feira, 23, teve início em setembro de 2017. Ao longo de três anos, os investigadores buscaram entender como uma organização criminosa especializada no tráfico internacional de cocaína operava a lavagem do lucro obtido com a comercialização da droga.

O ponto de partida das autoridades foi a apreensão de 780 quilos de cocaína, pela Receita Federal, durante uma fiscalização de rotina no Porto de Paranaguá, no Paraná.

Ao longo do inquérito, foram apreendidas outras 50 toneladas da droga, ligadas ao mesmo grupo, em portos do Brasil, Europa e África.

“É uma organização muito grande, espalhada por todo o País e por vários países no exterior, que se ocupava da entrada de droga no Brasil, transporte, acondicionamento, preparo para exportação. Vários ramos de atividades”, explicou o superintendente da Receita Federal, Fabiano Blonski, em entrevista coletiva na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR).

De acordo com as apurações, o grupo usava ‘laranjas’ e empresas fictícias de diversos segmentos para lavar bens e ativos multimilionários no Brasil e dar aparência lícita aos rendimentos do tráfico. O dinheiro era injetado, por exemplo, em transações imobiliárias, compra e venda de veículos e companhias em recuperação judicial.

“As organizações que atuam no tráfico estão cada vez mais especializadas, atuando nos moldes que a gente tem visto nos casos de corrupção: utilizando empresas de fachada, laranjas, esquemas complexos de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio”, disse o auditor fiscal Edson Shinya Suzuki aos jornalistas.

As apurações, guiadas por uma perspectiva econômico-financeira, buscaram identificar o ‘caminho do dinheiro’, isto é, os núcleos financeiros da organização para, então, garantir judicialmente o sequestro de bens e valores. A estratégia da descapitalização tem sido usada pela Polícia Federal, combinada à prisão de lideranças e à cooperação internacional, como a aposta mais eficaz para desarticular facções ativas dentro e fora do País.

“Nós estamos demonstrando ao longo deste ano, em cada uma das operações, que o crime organizado, sobretudo os grandes líderes, não estão na periferia. Estão na elite, estão financiando outros crimes, estão estendendo seus braços dentro e fora do País. O tráfico de drogas não pode mais ser encarado como a mera apreensão de um caminhoneiro carregando droga”, resumiu o coordenador nacional de repressão a drogas, armas e facções criminosas da Polícia Federal, Elvis Secco. “A apreensão de drogas não deve ser o objetivo final, ela é um meio”, completou.

De acordo com Secco, a ‘Enterprise’, classificada pela PF como a ‘maior operação do ano no combate à lavagem de dinheiro do tráfico de drogas e uma das maiores da história na apreensão de cocaína nos portos brasileiros’, obteve R$ 1 bilhão em bens e valores apreendidos e bloqueados. Entre eles, 37 aeronaves, uma delas avaliada em 20 milhões de dólares, imóveis e veículos de luxo, armas de fogo, passaportes falsos, drogas e mais de 11 milhões de euros em espécie encontrados no porta-malas de uma van em Lisboa, capital de Portugal – um dos ‘bunkers’, segundo a corporação.

O principal alvo da Operação Enterprise é um brasileiro, que não teve a identidade revelada, residente na Europa. Com a interceptação telefônica e quebra de sigilo bancário dos investigados, em março de 2018, ele foi identificado como uma das lideranças da organização criminosa. A partir de então, outros sete grupos foram mapeados pelos investigadores.

“Dois grupos que fazem a logística da colocação da cocaína no Porto de Paranaguá, um grupo de logística de transporte sediado em São Paulo, um grupo de logística de transporte aéreo sediado em São José do Rio Preto, no interior paulista, um grupo no Rio Grande do Norte especializado no envio de cocaína para a Europa através de embarcações de pesca, outro grupo, também no Rio Grande do Norte, voltado para a remessa de cocaína em meio à exportação de frutas e dois subgrupos no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que também mandavam cocaína para Paranaguá e para São Paulo”, explicou Sérgio Luís Stinglin de Oliveira, chefe dos Grupos Especiais de Investigações Sensíveis da Polícia Federal e coordenador da Operação Enterprise.

A ação mobilizou 670 policiais federais e 30 servidores da Receita Federal para o cumprimento de 151 mandados de busca e apreensão e 66 mandados de prisão nos Estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco.

Os agentes fizeram ainda uma parceria com a Interpol para localizar oito investigados no exterior e identificar bens mantidos em outros países. Para isso, os nomes suspeitos foram incluídos na lista de difusão vermelha da organização de polícia internacional.