30/09/2013 - 14:21
Um forno antigo, bacias de água, latões, linhas. E muitas folhas de plantas nativas do Cerrado, como magnólia, palha de milho, figueira e pata-de-vaca, colhidas em Santo Antônio do Descoberto, Alexânia e Luziânia, cidades goianas vizinhas ao Distrito Federal. Um cenário simples, mas que guarda a experiência e a criatividade da brasiliense Roze Mendes, 51 anos, que, apesar de empreendedora premiada, prefere ser chamada apenas de artesã. Tudo começou há 29 anos, quando ela estava desempregada e resolveu tentar o artesanato. Moradora de Samambaia, bairro da periferia de Brasília, a 20 quilômetros do Palácio do Planalto, ela usa milhares de folhas secas para confeccionar delicados adereços, com a marca Flores do Cerrado, que enfeitam de roupas de grife a buquês de noiva. Com folhas e linha na mão, a artesã cria blusas, bolsas, toalhas de mesa, colares, brincos, cintos, broches, guirlandas e todo tipo de decoração para festas, eventos e casamentos, feitos com muita cor.
Em Brasília, é comum fazer arte com as folhas do Cerrado. Mas o diferencial de Roze é o design. O olhar apurado fez com que ela criasse obras que podem valer até R$ 1 mil o metro quadrado, como um painel de sisal enfeitado com rosas. Para quem não quer pagar tanto, oferece porta-guardanapos, em formato de flor, por R$ 5. “Eu sempre quis ter um produto conceituado, que ganhasse prêmios”, diz ela. E conseguiu. Roze já foi vencedora, por três ocasiões, do Prêmio top 100, na categoria melhores artesanatos do Brasil, promovido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).
O design diferenciado da Flores do Cerrado conseguiu o registro no instituto nacional de Propriedade Intelectual (inpi), e também garantiu a Roze um ponto de venda mais sofisticado, um showroom dentro de um salão de beleza no Lago Sul, região nobre de Brasília. A técnica para transformar as folhas em material durável é chinesa. Ela se chama esqueletização, que consiste em lavar sucessivamente as folhas até tirar sua clorofila e deixar apenas seu “esqueleto”, o que lhe dá mais durabilidade e resistência à tinta. As folhas são cozidas em água, alvejadas – processo de adição de cloro, que antecede a utilização de tinta – e tingidas com tintas naturais – extraídas de açafrão, casca de cebola e urucum. “O principal legado que quero deixar para todos que trabalham com o Cerrado é que preservem o meio ambiente, sem queimadas”, diz ela. Roze se refere a alguns manuseios sustentáveis que procura adotar: utiliza apenas as quantidades que precisa, coleta folhas danificadas e prefere as que já estão caídas no solo, evitando retirar as folhas das plantas.
Após ter virado uma marca, o trabalho de Roze já é reconhecido em várias cidades brasileiras, como Gramado, no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Goiânia. Até para o exterior, em países como França, Estados Unidos e países africanos, a artesã exporta, além de prestar consultoria e participar de feiras de artesanato. Recentemente, a exposição de sua marca em redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram lhe rendeu o contato com um representante comercial de Portugal, que deseja importar itens do portfólio dela. “Já fui desempregada, mas hoje minhas flores do cerrado vão para o mundo”, afirma.
Antes do reconhecimento, Roze passou por dificuldades. Em 1984, ela foi aluna de um curso de florista no Sesi, onde aprendeu a técnica da esqueletização. Mas ela só conseguiu montar o ateliê oito anos depois, no apertado apartamento onde morava com o marido. Nessa época, apesar de ainda não trabalhar com a técnica chinesa, por falta de espaço, o estilo próprio no design das peças começou a despertar o interesse de vários lojistas. Com o aumento da demanda por seus objetos, dois anos depois, em 1994, ela se mudou para uma casa em Samambaia – onde vive ainda hoje –, com mais espaço. E ela também ensinou a técnica a outras mulheres da comunidade. “Já capacitei mais de 500 pessoas”, diz.
Atualmente, Roze emprega seis assistentes, que a ajudam a criar peças com foco no mercado de casamentos. A filha Samanta Mendes, encarregada do showroom e que cuida da divulgação e das vendas ao exterior, conta que, há dois anos, desde que começou a atuar com força nesse segmento, a Flores do Cerrado conseguiu incrementar seu faturamento em 40%. “Enquanto vendemos um painel de flores para um lojista por R$ 85, negociamos com a noiva um arranjo simples para cabelo por R$ 250.” Além de rentável, o negócio de Roze prova que é possível aliar empreendedorismo à consciência social. E tudo isso preservando a flora da região.