01/10/2010 - 0:00
Nem mesmo Gregor Johann Mendel, “o pai da genética”, poderia acreditar que suas experiências de segregação independente de genes iriam ganhar tamanha grandeza quase dois séculos após sua morte. Sua fundamental contribuição o câncer e a Aids à ciência fez com que caíssem todas as barreiras para o emprego da biotecnologia na agricultura e abriu horizontes antes impensados pelos homens. Para a pesquisa científica, porém, buscar e conquistar resultados para otimizar a produtividade no campo já configura “coisa do passado”, com sistemas e métodos que já foram amplamente estudados, detalhados e conhecidos por toda a comunidade científica. Agora, o desafio é outro e ainda maior: desenvolver e retirar das sementes de soja e de tabaco geneticamente modificadas moléculas que contribuam com a indústria farmacêutica na busca da cura do câncer de mama, uma vacina para a Aids e hormônios do crescimento. Na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília (DF), o pesquisador Elíbio Rech, o mesmo que esteve à frente do desenvolvimento da soja transgênica em parceria com a Basf, criou um dos maiores e mais valiosos laboratórios-estufa do mundo para a evolução das pesquisas acerca dos Organismos Geneticamente Modificados, OGM, voltados para fins medicinais, e trabalha, juntamente com seus colegas, numa espécie de lavoura cujas plantas transpiram esperanças para a humanidade.
Elíbio Rech “As espécies utilizadas para essas pesquisas em hipótese alguma são para o consumo humano”
Com temperaturas rigidamente controladas, abundância de água e luz, e sistemas de segurança que permitem apenas a entrada de pessoas autorizadas no laboratório-estufa, cerca de 600 plantas crescem sob o olhar atento de Rech. São variedades de tabaco e soja transgênica com anticorpos anticâncer, hormônios do crescimento e moléculas anti-HIV inseridos em seu DNA. “Essas plantas não são medicinais nem podem ser consumidas com fins terapêuticos, elas agem como incubadoras para a produção das moléculas”, explica o cientista.
“As plantas são utilizadas somente para produzir determinado medicamento. A molécula é inserida e, como ela se multiplica por sementes ou por propagação vegetativa, você obtém uma massa significativa, que em seguida é purificada. As plantas não vão para a cadeia alimentar em hipótese alguma.” Segundo Rech, os estudos vêm sendo feitos com a soja devido ao grande conhecimento que a comunidade científica já tem sobre a espécie, mas as mesmas pesquisas poderiam ser feitas com o milho. “As plantas, seja a soja, seja o tabaco, de um modo geral, agem como incubadoras de moléculas que futuramente serão biofábricas de fármacos.” Ainda segundo Rech, a vantagem do uso da soja transgênica na produção de fármacos é, principalmente, econômica. “Essa economia, em comparação com os experimentos feitos em animais, é 40 vezes menor.”
A intenção da essas pesquisas em hipótese alguma embrapa é criar são para o consumo humano” uma biofábrica de fármacos para a cura de doenças como o câncer
Para o presidente do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia, Clive James, o Brasil ocupa uma posição de destaque no uso de OGM, ocupando o segundo lugar, com 21,4 milhões de hectares plantados com OGM, e avança na pesquisa científica para outros fins, ganhando notoriedade por sua abrangência. “O Brasil tem um papel fundamental no desenvolvimento de tecnologias geneticamente modificadas, e isso não está inserido apenas no setor agrícola, mas na pesquisa de novas tecnologias em diversas áreas”, analisa o cientista. Ele afirma que o Brasil já tem um importante papel no uso de sementes transgênicas, atrás apenas dos Estados Unidos. “O poder do conhecimento e da tecnologia que os brasileiros dispõem atualmente é de fazer inveja ao resto do mundo.”
As pesquisas acerca de transgênicos voltados para a fabricação de fármacos já estão em fase avançada de testes, principalmente as plantas que contêm moléculas com hormônio do crescimento. “No entanto, temos grandes resultados conquistados com as plantas com anticorpos anticancerígenos”, diz Rech. “A nossa intenção é realmente criar uma biofábrica que possa ajudar a humanidade. Isso inclui responsabilidade, muitos estudos, mas a certeza de que podemos fazer algo além dos lucros no campo.”