09/07/2018 - 10:00
N o início de maio, o engenheiro agrônomo Marcos Sawaya Jank tomou um voo em Cingapura, na Ásia, e desembarcou em São Paulo. São 25 horas de viagem. Dias depois, ele já estava em Brasília. Na sequência, embarcou para Washington. Foram mais 11 horas em um avião, antes de retornar para Cingapura, onde é a sede da Asia Brazil Agro Alliance (ABAA), entidade da qual é CEO e que completou um ano de vida. Na Ásia, o executivo tem uma agenda pesadíssima de estudos e missões, em busca de uma política internacional mais consistente para o País. “O Brasil cresceu muito, exportando commodities”, diz ele. “Mas a gente ainda é muito comprado.” O especialista em agronegócio, professor, doutor em economia e comércio internacional esteve no Brasil para prestar contas sobre as atividades da ABBA, que é bancada por três entidades: a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Entre um vôo e outro, ele concedeu a seguinte entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL.
DINHEIRO RURAL – O Brasil é um bom ator no palco das relações internacionais?
MARCOS SAWAYA JANK – O País tem um problema gravíssimo: acha que exportar é bom e importar é ruim, inclusive no agronegócio. O País exporta US$ 100 bilhões em produtos agrícolas e importa US$ 14 bilhões. Mas os 14 dificultam os 100. Quando qualquer país chega e fala, ‘olha, vou abrir o meu mercado de frango, de carne bovina ou suína, mas eu quero entrar no Brasil com o meu produto, por exemplo, café, coco, banana, pescados’, aí o Brasil cria barreiras. Os lobbies que atuam em Brasília, contra a importação, atuam tanto no setor agrícola como no não agrícola. O Brasil não é protecionista apenas na indústria em geral, também é protecionista no agronegócio. É um discurso dúbio, do exportar é bom, importar eu não quero. É muito diferente da China. O país é grande também na exportação de produtos agropecuários. Exporta mais que o Brasil em agronegócio, mas tem um imenso déficit no setor e aí é muito fácil negociar acesso. Com o Brasil é difícil negociar acesso.
RURAL – O governo tem cumprido seu papel lá fora?
JANK – O ministro Blairo Maggi tem feito um trabalho muito bom. Tem levado a agenda do País para frente, apesar das dificuldades que o Ministério da Agricultura (Mapa) enfrenta hoje. Ele lidera em um momento que o Brasil está bem desarticulado, porque conhece o assunto. E o mais importante, ele viaja, atua e não deixa as coisas ficarem paradas. Mas o Brasil tem uma estrutura envelhecida e engessada, que não acompanhou o crescimento do agronegócio. Em 2000, a exportação era de US$ 20 bilhões. Hoje, ela é cinco vezes maior. O arcabouço legal da área de sanidade, por exemplo, é de 1934. É completamente inaceitável viver com uma lei que foi feita há mais de 80 anos. É preciso agilizar e melhorar processos e também melhorar toda a coordenação da cadeia regulatória.
RURAL – Como o País deveria avançar?
JANK – O País deveria estar fazendo acordos comerciais, mas não está. Não há uma estratégia Brasil. Deveríamos ter uma estrutura mais permanente na Ásia. Não pode ser somente esse projeto da Asia Brazil, que estamos fazendo. É muito pouco frente aos outros países.
RURAL – Que outros países?
JANK – Devíamos olhar mais para a Austrália, o Canadá, a Nova Zelândia, o Chile, o Peru, mesmo porque exportamos mais que eles, e também para os Estados Unidos e a Europa. Acho que o Brasil tem de fazer um pouco do que os países que estão dando certo fazem.
RURAL – E o que eles estão fazendo?
JANK – Eles são muito mais ágeis e rápidos. Por exemplo, um questionário que, às vezes, demora meses para ser
respondido pelo Brasil, a Austrália responde com muito mais rapidez. Ao mesmo tempo, eles também têm uma estrutura que atende melhor aos seus interesses. A Austrália está coberta por acordos comerciais nas suas relações. Para qualquer país que ela exporta existe um acordo comercial já vigente e um mecanismo muito rápido de atender as regulamentações do comprador e também do consumidor estrangeiro.
RURAL – As representações oficiais não cumprem esse papel?
JANK – O Brasil tem cerca de 150 representações em todas as áreas e sempre há alguém que cuida da agropecuária. Mas, em geral, a tarefa cabe a um assessor econômico, o que não é suficiente. Primeiro, porque ele não movimenta a engrenagem do Mapa. O País tem 15 adidos comerciais. Não é um número tão diferente de Austrália, Nova Zelândia e Chile, por exemplo. Mas falta suporte técnico a eles e falta também maior coordenação desses adidos com o Itamarati e com o setor privado. Existe, também, uma certa ausência do setor privado nesse processo. Por exemplo, as entidades brasileiras de classe não estão internacionalizadas. Falta uma presença mais estratégica. Por exemplo, no caso da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), 90% de seus funcionários estão no Brasil. E há somente nove escritórios no exterior. Já os Estados Unidos têm 113 escritórios no exterior. A Austrália tem 103, o Canadá tem 148, a Nova Zelândia tem 40 e o Chile tem 50.
RURAL – Não basta apenas exportar, é preciso estar lá fora?
JANK – A complexidade do mundo é tão grande que é preciso estar presente onde o comércio é importante. No caso da Ásia, 50% das vendas do País vão para esse continente. Somente para a China são 30%. Os 20% restantes de comércio para a Ásia já são maior que todo o comércio com a Europa. Então, a Ásia é um continente de relacionamentos e de construção de confiança. As relações precisam de continuidade.
RURAL – Quanto de atenção a China merece?
JANK – A China é o país que mais depende do Brasil no mundo, na área de agronegócio. O país vai comprar cada vez mais milho, carnes e outros produtos brasileiros. A China sabe o que quer do Brasil, mas o Brasil não sabe o que quer da China. Então, é preciso trabalhar essa relação estratégica no comércio. A China tem grande interesse em controlar as cadeias de suprimentos de seus produtos, adquirindo empresas no Brasil, na área de originação, de infraestrutura e mesmo na área de tradings. E eles estão fazendo isso. Então, o País tem de construir uma estratégia de como lidar com a China no agronegócio.
RURAL – O Brasil sabe o que quer lá fora?
JANK – O Brasil cresceu muito exportando commodities, mas ainda é muito comprado. Ainda há poucos produtos brasileiros diferenciados lá fora. Quando comparado a outros países, o Brasil não consegue atender a tudo que se pede, principalmente nos últimos tempos. Outro desafio que dificulta o entendimento nas relações internacionais é o mercado interno gigantesco. O País não se preocupa tanto em atender o cliente internacional porque vende muito no mercado interno, que exige muito menos. Eu tenho sugerido que se façam estudos com base nas melhores praticas internacionais. Claro que com os Estados Unidos e a Europa nem dá para comparar. Agora, com Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Chile e Peru, deveríamos nos comparar, até porque são menores que o Brasil na exportação.
RURAL – Falta protagonismo das empresas exportadoras?
JANK – As grandes empresas têm muito protagonismo. As grandes tradings estão presentes em todos os lugares. Das empresas nacionais, apenas as muito grandes estão lá fora, como BRF e JBS. O que não se vê são as cooperativas e os produtores. Mas o mais grave é que as associações não estão presentes, principalmente as de exportadores que deveriam contar com uma estrutura robusta para agir. Por exemplo, há vários problemas com o açúcar na Ásia, etanol no Japão, salvaguardas na China, subsídios na Índia e no Paquistão. Há problemas de salmonela com a Europa, de suínos com a Rússia, de abate halal com os Emirados Árabes. As agendas estão se complicando. Há um conjunto de questões relevantes atingindo várias commodities. Eu diria que tirando soja, produtos florestais e algodão, que são produtos tranquilos, para todo o resto há problemas de acesso.
RURAL – Nos anos 2000 se dizia que as barreiras não tarifárias eram iminentes. Elas chegaram, definitivamente?
JANK – As barreiras não tarifárias são hoje a principal realidade protecionista. O Japão só compra carne de países livres de febre aftosa sem vacinação. Então, o Brasil não entra. Mas há vários países no mundo que estão abertos ao Brasil, mas com restrições. Por exemplo, os processos de habilitação de unidades de abate são supercomplicados. A China, que está aberta, só habilitou 60 frigoríficos até hoje no Brasil, volume que não é nada para as cerca de três unidades que atuam no mercado. Ou seja, quem tem o passe para ir ao céu, entra na China. Quem não tem, fica por aí.
RURAL – O que a ABAA fez em seu primeiro ano de vida?
JANK – No calendário 2017/2018, realizamos 15 missões. Também fizemos 19 apresentações e participações em
eventos, e, nos últimos seis meses, organizamos missões das entidades, como a ABPA e Unica, para vários países. Mas
a ABAA é um pequeno embrião de presença internacional e meu objetivo é que as entidades se façam representar
por elas mesmas.
RURAL – Que relação o País deve ter com os Estados Unidos?
JANK – Na era Trump será muito difícil, porque os americanos estão, infelizmente, brigando com todo mundo e voltando a uma negociação mercantilista, do tipo toma-lá-dá-cá. Mas não podemos desistir e temos de lidar com os Estados Unidos, urgentemente. Não só porque são um grande importador de alimentos, da ordem de US$ 160 bilhões por ano, mas também por serem os nossos maiores concorrentes no mundo. O Brasil é importante em produtos como soja em grão, carnes, frutas, entre outros produtos, mas os americanos estão sempre por perto. O Brasil tem de coordenar, com os americanos, questões ligadas, por exemplo, à segurança alimentar.
RURAL – E com a Europa?
JANK – A Europa é uma formadora de opinião. Normalmente, ela lidera campanhas que atacam o Brasil. Por exemplo, em questões de sustentabilidade, povos indígenas, uso de antibiótico ou na área de qualidade, como está acontecendo agora. Por isso, é muito importante estar o tempo inteiro debatendo, participando dos inúmeros eventos que acontecem. Bruxelas é o centro da política agrícola comum, que é uma das mais fortes e mais protecionistas do mundo. O Brasil precisa tomar muito cuidado para não perder espaço na Europa. Porque perder, por exemplo, o mercado de carne pode ricochetear em vários outros mercados do mundo. Ou seja, em volume, a Europa tende a ser cada vez menor, mas não menos importante.