01/07/2010 - 0:00
Em poucos momentos de sua história o setor da laranja esteve tão movimentado. Fusões, inquéritos policiais e muito, muito dinheiro em jogo. Conhecido por seu jeito tranquilo e conciliador, Carlos Viacava, ex-presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB), é o novo diretor de comunicação da Cutrale e será “o rosto” à frente da empresa. Em uma de suas primeiras entrevistas e em meio à fusão das concorrentes Citrosuco e Citrovita, ele conversou com DINHEIRO RURAL e diz o que será desse conturbado mercado, quais os desafios e como pretende deixar a sisuda empresa um pouco mais simpática. E a sua palavra de ordem é transparência. “Precisamos nos relacionar melhor com o produtor.”
Dinheiro Rural – O sr. chegou num momento “divertido”, não?
Carlos Viacava – É verdade (risos). O José Luis me ligou para marcar um encontro. Foi nessa sala aqui mesmo. Ele disse que precisava da minha ajuda. Falou bem assim: “Quero que você seja nosso diretor.” Fui para casa a fim de pensar, consultei minha esposa, meu filho, falei com o Delfim (Netto), que é meu grande amigo. Aí cada um deu uma opinião. Meu filho disse: “Pai, você trabalhou tantos anos na ACNB, vai lá na Cutrale, vai ser bom para você.” Combinei que ele assumiria a presidência da nossa empresa pecuária. A Cutrale é uma coisa nova, estou satisfeito trabalhando com isso, podendo ser útil para a empresa.
Rural – O sr. é citricultor e a Cutrale nunca foi tida como parceira do produtor. Qual vai ser o seu papel?
Viacava – Nós estamos resgatando as parcerias com os produtores. Acho que a citricultura brasileira está atravessando um momento delicado por causa do greening, que é uma doença séria que abalou a Flórida e está abalando o Brasil. Além disso, outros produtos, como a cana-de-açúcar, estão roubando o espaço da laranja. E eu, como produtor, conheço muito do relacionamento com a indústria que eu não gostava e que pode ser melhorado. Um exemplo é o preço cuja previsão era impossível. Tudo isso pode ser discutido e melhorado.
Rural – E mais…
Viacava – Uma coisa que na Cutrale já acabou é a prioridade para a laranja vinda dos pomares próprios, que entrava na fábrica na frente das demais. Isso mudou, você nunca mais vai ver um caminhão de laranjas próprias passando na frente de outros fornecedores. No caso do preço, ele é livre, o mercado é livre. Mas acredito que podemos ser mais transparentes, o que vai ajudar muito. Estamos buscando algo como o Consecana (conselho da cana), onde o preço deixa de ser um segredo. É fazer algo em que você tenha referência.
“O José Luis Cutrale me convidou para trabalhar. Tive que pensar um pouco, mas resolvi aceitar”
Rural – Quais são os próximos passos para que esse “Consecitrus” seja estabelecido?
Viacava – Estamos trabalhando nisso e está havendo, ainda que informalmente, um processo conduzido pela Faesp e Secretaria de Agricultura, uma conversa com o setor produtivo, em que a Cutrale participa através da CitrusBR para ajudar a criar esse conselho e dar uma referência de preço e oferecer algumas novidades como o pagamento com base no sólido solúvel.
Rural – Algo como o pagamento por sólidos no leite?
Viacava – Como na cana, que é comprada com base na sacarose, na laranja você tem os sólidos solúveis. Quando você tem uma laranja que pegou muita chuva, ela é grande, gordinha e cheia de água. Uma outra menor, que pegou uma seca, tem bastante sólidos solúveis. Quando você faz o concentrado, aproveita os sólidos solúveis. Muitas vezes, uma seca é melhor para a indústria do que a chuva.
Rural – Como a empresa recebeu a notícia da fusão entre Citrovita e Citrosuco?
Viacava – A Cutrale mais aberta não significa muito para o produtor. Eu acho que o que importa é o preço da laranja neste ano. E isso já é uma circunstância de mercado. Ninguém pagaria R$ 8 na laranja se ela pudesse custar R$ 2. Houve diminuição da produção na Flórida e no Brasil, e o mercado reagiu com alta do preço. Essas mudanças que a Cutrale vem fazendo não são apenas para a imagem, mas uma mudança de relacionamento.
Rural – Qual é a posição da Cutrale para a questão da formação de cartel?
Viacava – O cartel da laranja nunca existiu. Quando você tem uma empresa só é monopólio. Quando tem quatro, oligopólio. Então, fazer um oligopólio não quer dizer que seja cartel, mas sim um mercado dividido em poucos. O cartel é quando se combina preço, o que a legislação não permite, e não aconteceu.
Rural – E se o Cade chegar à conclusão de que houve combinação de preços?
Viacava – O Cade nunca vai chegar a essa conclusão porque nunca aconteceu. Então, a avaliação será a de que não houve nada. Foi um processo que nós atravessamos e provamos que está tudo em ordem.
“O Christian Lohbauer, da BR Citrus, é quem cuida dos interesses comuns da indústria”
Rural – E com relação aos supostos quintais que cada empresa teria, denunciados inclusive por exdiretores?
Viacava – Aí, eu acredito que há acusações levianas. O Brasil mudou, melhorou, tem uma legislação trabalhista melhor, protege mais o trabalhador e tem que proteger mesmo todos os cidadãos. Por isso temos o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que é um progresso. Ele existe para evitar abusos de poder econômico. E o que ele faz? Controla, fiscaliza, julga e multa, penaliza quando está errado. Nós temos um processo no Cade e estamos confiantes com o resultado.
Rural – Qual é o papel da Citrus BR nessa história, que representa a indústria de forma unificada?
Viacava – Ela está tocando as negociações do conselho de laranja, cuidando do relacionamento com nossos consumidores, conhecimento de mercado, e trazendo mais informações para o setor. Trabalha pelos interesses comuns. E o Christian Lohbauer (presidente) é um cara muito preparado, de competências conhecidas. Estou bastante feliz com ele, é um bom executivo, trazendo excelentes resultados.
Rural – O governo, dentro dos seus limites, está agindo para auxiliar o setor?
Viacava – No caso desse acordo do conselho da laranja, ele está chamando a Faesp e a CitrusBR para tentar chegar a um entendimento. Quem está tocando isso é o João Sampaio, secretário da Agricultura, e o Fabio Meirelles, presidente da Faesp, que é o grande interlocutor da indústria. E tem o Wagner Rossi, ministro da Agricultura, que também está interessado. Já conversamos com ele. Todo mundo quer esse acordo, porque é um problema muito antigo.
Rural – Na bolsa dos EUA, a cotação do suco de laranja está em alta. Isso vai ser repassado para os produtores brasileiros ou não?
Viacava – O problema da laranja não é igual ao da soja, do açúcar e nem do álcool. Esses produtos têm uma bolsa de mercadorias e a laranja, não. Existe uma pequena bolsa nos Estados Unidos, mas é incipiente, não reflete muito nos preços brasileiros.
Rural – Formar uma bolsa da laranja está fora de cogitação?
Viacava – Podemos caminhar para isso, até porque a própria bolsa americana não tem liquidez. Se compro laranja hoje aqui, não tenho como fazer cobertura desse preço. A bolsa não tem liquidez para permitir esse trabalho. Mas acredito que o caminho está em estabelecer um índice.
Rural – A laranja vai ser um negócio melhor no médio e longo prazo?
Viacava – A laranja é um investimento de longo prazo. Na agricultura, se num ano a soja está ruim, no outro ano você planta milho. Na laranja, são 30 anos. Eu, por exemplo, estou no setor há 26 e já vi ano ruim e ano bom. Hoje há novas tecnologias, pomares mais precoces e custos mais baixos. Logo, acredito que sim, a laranja será um bom negócio por muitos anos.