07/05/2018 - 10:00
Sentado na arquibancada do tatersal de leilões da Bar5 Stock Farm, um dos mais importantes criatórios de bovinos do Canadá, localizado em Markdale, na província de Ontário, o empresário brasileiro Paulo de Castro Marques, dono de fazendas no sul de Minas Gerais, não se conteve ao ver na pista um garrote da raça simental. Curiosamente, o bicho não recebia nenhum lance da plateia. Os compradores estavam interessados em animais mais famosos do rancho de Ron Nolan, dono da Bar5. “Como ninguém dava lance, eu dei e levei o animal por US$ 6 mil. Mas ele valia três vezes mais”, afirma Marques, que fez fortuna com o laboratório farmacêutico Biolab, um dos maiores do Brasil, com faturamento de R$ 1,5 bilhão. Marques comprou o garrote Pioneer, de 14 meses, animal de linhagem sul-africana, uma genética que não havia no Brasil. Trazido ao País, Pionner se transformou em um reprodutor que lhe rendeu US$ 1,5 milhão na venda de sêmen. Desde então, Marques nunca nunca mais se distanciou da Bar5. A proximidade com a família Nolan foi a ponte para outro negócio que começou há três anos. O executivo investiu US$ 400 mil para ter um rebanho de angus no exterior. O empresário comprou 36 fêmeas nos Estados Unidos e as exportou para o Canadá, para as fazendas da Bar5. “Nem sempre a gente consegue trazer ao Brasil uma genética diferente”, diz Marques. “Às vezes, o produto é caro demais ou, por causa de protocolos sanitários e de importação, se tornam inviáveis.” As fêmeas são acasaladas com touros da Bar5 e os embriões produzidos nos laboratórios da canadense são trazidos ao Brasil.
Desde o início da parceria com a Bar5 chegaram ao País 500 embriões, dos quais 95 produtos já nasceram nas fazendas da Casa Branca Agropastorial, nome empresa de Marques. No ano passado foram vendidas as primeiras fêmeas na fazenda. Neste ano, serão vendidos os primeiros touros em um leilão, agendado para setembro.
Assim como Marques, há outros empresários, fazendeiros e cooperativas que investem no agronegócio de outros países, em busca de oportunidades. São brasileiros que se espalham pelo mundo, em setores da pecuária, da agricultura e da bioenergia. No exterior, eles plantam de tudo, de soja a arroz, de milho a laranja. Além disso, investem em usinas de biocombustível e criam rebanhos de gado bovino. O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GV Agro), é um ferrenho defensor do agronegócio brasileiro, do seu potencial de crescimento e de seu protagonismo na produção global de alimentos. Mas não descarta o valor das iniciativas de quem investe lá fora. “Todo investidor busca segurança jurídica, estabilidade política e econômica, estratégia de desenvolvimento e, sobretudo, previsibilidade”, diz Rodrigues. “Nem sempre estes temas são encontrados no Brasil.” Não há nenhum levantamento oficial ou pesquisa que mostre esse movimento de brasileiros apostando no exterior. Não se sabe também em que setores apostaram e em quais atividades têm se envolvido com maior ênfase. Mas basta uma busca informal de experiências consolidadas para se chegar a uma certeza: todos os investimentos no exterior têm um paralelo de sucesso no Brasil. E mais: não são especulativos. Os negócios estão inseridos na economia desses países, em busca de resultados de produção.
Os projetos brasileiros lá foram podem ser divididos em dois grupos. Um é composto de investimentos em países vizinhos, como Paraguai, Uruguai, Bolívia e Argentina. Neste caso, constitui-se quase uma extensão das fazendas brasileiras de grãos e de gado. O outro é mais heterogêneo, tanto na forma de atuação, como nos objetivos. Pode ser um investimento em produção e processamento de alimentos, já visando a mercados internacionais, ou a criação de um modelo de negócio para melhorar o desempenho de projetos no Brasil, como é o caso de Marques. Nesse grupo ampliado estão investidores que atuam nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e em países da África e da Europa.
O movimento de brasileiros no exterior, no entanto, não é recente. O exemplo icônico foi a atuação do mineiro Sebastião Ferreira Maia, que morreu em 2005, aos 89 anos. Em meados da década de 1970, Tião Maia, como era conhecido, partiu para a Austrália sem saber inglês, comprou cerca de um milhão de hectares de terras por US$ 3 milhões e se tornou o maior criador de gado do mundo. O que ocorre nos dias de hoje é diferente e não soa mais como desbravamento de fronteiras e nem como aventura. A presença de brasileiros em países da América Latina tem esse viés. No Paraguai, por exemplo, houve uma invasão de brasileiros plantando grãos, principalmente soja, nas duas últimas décadas. Com a participação direta do Brasil, o Paraguai saiu de uma produção de 2,7 milhões de toneladas de soja para 10,6 milhões na safra passada.
Depois da primeira fase, os produtores nacionais agora estão consolidando seus negócios no Paraguai. Um desses casos é o da Lar Cooperativa Agroindustrial, com sede em Medianeira (PR). Com 10,6 mil associados, a cooperativa faturou no ano passado R$ 5 bilhões. Eles produzem grãos, aves, suínos, leite e mandioca e vendem commodities para 67 países. A Lar está há 21 anos no Paraguai, onde atende 1,1 mil produtores de soja, milho e trigo. A cooperativa vende os insumos, armazena e comercializa a produção. São 20 engenheiros agrônomos que andam por todo o país prestando assistência técnica e orientando os produtores no uso correto dos insumos. “Isso nos dá grande segurança nas vendas de insumos, resultando em um grau muito baixo de inadimplência”, diz Irineo da Costa Rodrigues, presidente da cooperativa. Nos últimos cinco anos, a produção de grãos dessa unidade da cooperativa saiu de 402 mil toneladas para 508 mil toneladas. A receita no país vizinho saltou de US$ 156,8 milhões, em 2013, para US$ 192,8 milhões na safra passada.
Além da soja, outra cultura em crescimento no Paraguai é a do arroz. O país produz um milhão de toneladas, o triplo de seis anos atrás. A meta é cultivar na próxima década 220 mil hectares, ante os atuais 150 mil hectares. Quem está ajudando essa expansão é o empresário e agropecuarista, Washington Umberto Cinel, dono da Gocil, uma das maiores empresas de segurança privada do País. Ele cria gado há 30 anos e cultiva arroz no Rio Grande do Sul. Há três anos, uma vez por mês, Cinel desembarca no país, depois que se tornou sócio da Villa Olive Rice, através da Cinel Alimentos. “O Paraguai tem uma economia consolidada e é um país que facilita os negócios”, diz Cinel. “Não podia perder a oportunidade e aconselho investir lá.” A Villa Olive Rice possui 17 mil hectares de terras, sendo 6 mil hectares irrigados e a previsão é dobrar essa área cultivada nos próximos anos. No mês passado, Cinel comprou a marca Broto Legal, de Campinas (SP), que fatura R$ 500 milhões por ano.
No ano passado, o Brasil importou 1,1 milhão de toneladas de arroz em casca, das quais 552 mil toneladas vieram do Paraguai. Cinel diz que a intenção é integrar a produção do Paraguai com o beneficiamento da arrozeira de Uruguaiana, unidade na qual investiu R$ 40 milhões, criando novas sinergias. “Hoje, tudo está conectado”, afirma Cinel. “Qualidade, investimento, direcionamento de um produto e ganho de mercado estão no mesmo pacote.”
De acordo com os investidores, integração e sinergias são a base para a perenidade dos negócios lá fora. Isso significa entender a cultura de um país, o papel que uma empresa estrangeira exerce nesse contexto e quais os princípios que ela carrega. O advogado Judiney Carvalho, que está na Amaggi há 31 anos, assumiu a presidência da companhia no início deste ano. Ele diz que, por conta de sua cultura, a empresa consegue fazer das unidades no exterior uma extensão da sede, em Cuiabá (MT). “É desafiador fazer negócios lá fora porque é preciso ter um entendimento razoável de outras culturas”, afirma Carvalho. “É preciso uma boa análise de oportunidades nesses cenários.” A Amaggi, empresa que pertence à família do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e que fatura cerca de US$ 3,5 bilhões por ano, atua no Paraguai e na Argentina na originação de soja. Na China, Holanda e Suíça, ela faz o comércio de commodities. Além disso, tem uma processadora de soja convencional na Noruega, desde 2009.
Analisar cenários é justamente o que tem levado a Millenium Bioenergia, com sede em Campinas (SP), a investir na Austrália. A empresa é uma integradora de recursos de capitais com foco no setor sucroenergético. Ela possui dois projetos greenfield, termo que designa um trabalho que começa na concepção de uma ideia. Uma usina de cana-de-açúcar está em Mato Grosso e outra de cana orgânica fica na Flórida, nos Estados Unidos. Neste mês, está na agenda do CEO da Millenium, Eduardo Lima, uma visita à Austrália para avaliar quatro terrenos no Estado de Queensland. É para lá que ele está captando US$ 210 milhões destinados à construção de uma usina flex de etanol de milho e de cana-de-açúcar. “Temos um projeto brasileiro na Austrália, de investidores brasileiros, embora haja a participação de capital estrangeiro e de governo, e que há dois anos está no mercado”, diz Lima. “A base é a inovação e o conhecimento desenvolvido aqui, levados para fora do País.” Depois de cerca de US$ 2 milhões gastos em estudos de viabilidade, Lima acredita que o início das obras possa ocorrer em cerca de um ano.
FUTURO A inovação de base tecnológica é um grande trunfo dos investimentos lá fora. Ela não ocorre apenas em máquinas e implementos, mas também na produção de proteína animal, em sua base genética. A produção de carne e leite no País, embora estejam entre as maiores do mundo, ainda precisam ganhar eficiência de produção e de qualidade. Somente isso explica a defasagem de preços entre uma tonelada de carne brasileira, que sai por US$ 4 mil no mercado externo, e a argentina, que vende por US$ 12 mil. No caso do leite, o País produz 34 bilhões de litros, um dos maiores volumes do planeta, mas que não tem mercado lá fora por conta da falta de qualidade. Na Casa Branca Agropastoril, de Paulo de Castro Marques, isso explica o mais recente projeto. Desde o início deste ano, o especialista em genômica José Fernando Garcia, diretor da AgroPartners Consulting e professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) está fazendo o mapeamento de DNA do rebanho, incluindo os embriões canadenses. O trabalho serve para identificar e selecionar os animais adaptados às condições brasileiras. “A inovação precisa estar no negócio”, diz Marques. “Ela é a base para o crescimento.”
Na raça nelore, um grupo de seis criadores se aventurou na Índia, berço da genética zebuína, para colocar de pé o projeto Nelore JOP. O grupo foi em busca genética melhoradora para os seus rebanhos. De quatro viagens realizadas entre 2006 e 2012, o criador Angelo Mario Prata Tibery, de Três Lagoas (MS), foi o único presente em todas elas. As viagens duraram 135 dias. Foi Tibery, junto com o indiano Pradip Singhi Bhadursing Raoul, que escolheu o rebanho de 35 vacas e quatro touros, levados a uma central de reprodução. O projeto Nelore JOP produziu na Índia 2,3 mil embriões. Desse total, 835 ainda não estão no Brasil. “A ideia era buscar na Índia um banco genético diferente do que temos aqui”, diz Tibery. “Foram longas negociações, passando por 45 rebanhos, até conseguirmos os animais, quase como uma caça ao tesouro.” Os primeiros nascimentos no Brasil ocorreram em 2012, com um total de 275 produtos até agora. Eles estão sendo avaliados em programas de melhoramento genético e nem tudo tem ficado nas mãos dos criadores do JOP. O grupo retém parte dos animais que são criados em uma fazenda no município de Castilho (SP) e vende uma parte. Isso já ocorreu em duas ocasiões e a próxima será em setembro. “Não tem sentido ir tão longe buscar genética e ela não ser repassada”, diz Tibery. “Só assim o trabalho compensa.”
No caso do leite, Nelson Eduardo Ziehlsdorff, 39 anos, diretor da Semex Brasil, em Blumenau (SC), aproveitou a proximidade com criadores de vacas leiteiras, no Canadá, para montar o seu rebanho lá fora. A Semex é uma empresa que tem origem nesse país. Ziehlsdorff começou a comprar gado em 2006. No início foram 16 animais. No auge, chegou a ter 48. Hoje, possui 27 animais, entre vacas e touros das raças jersey e holandesa. O investimento foi de R$ 1 milhão até agora e os animais permanecem em quatro fazendas nas províncias de Quebec e Ontário, as principais bacias leiteiras do país. Entre elas, a de Gary Bowers. Frequentemente, ele está no Brasil avaliando animais em exposições agropecuárias. “Comecei a formar o rebanho no Canadá porque queria fazer parte do desenvolvimento das raças, promovido por criadores de genética de ponta”, diz Ziehlsdorff. “Animais com índices genômicos é uma tendência mundial e nós não podemos ficar de fora.” Com a genética canadense na base de seu rebanho criado no Sítio Recanto da Cachoeira, de 24 hectares no município de Indaial (SC), o criador já tem um projeto pronto para industrializar na propriedade 2,4 mil litros de leite do tipo A, além de produzir manteiga premium e doce de leite. Hoje, a receita da fazenda com a venda de leite, animais e embriões é de R$ 1,6 milhão por ano. O projeto, que deve começar no início em 2019, é para elevar essa fatura. Quanto ao gado no Canadá, nada muda: os investimentos continuam. Ziehlsdorff costuma ir ao país até quatro vezes por ano. A próxima viagem é em julho. Na sua agenda está a compra de mais quatro animais.