01/02/2009 - 0:00
Nei César Mânica é um otimista por natureza. Há 13 anos no comando da Cotrijal, cooperativa localizada no município de Não-Me-Toque (RS), ele não acredita em queda do agronegócio durante este ano. A prova de sua confiança no desempenho do setor está no próprio planejamento da sua cooperativa para 2009. A estimativa da Cotrijal é de crescer 8% e superar o maior faturamento de sua história, alcançado no ano passado, quando fechou em R$ 586 milhões. Na entrevista concedida à DINHEIRO RURAL ele explica por que acredita que o ano será mais positivo do que alguns imaginam.
DINHEIRO RURAL – O País está em crise. Qual a sua expectativa para a décima edição da Expodireto?
NEI MÂNICA – Estamos otimistas. Para esta edição da feira, as contratações aconteceram de forma muito antecipada, com as empresas confirmando suas participações mais cedo. Para se ter ideia, hoje estamos com 98% do parque já comercializado e mais de 315 empresas estarão presentes. Para nós, esse cenário é uma agradável surpresa. A expectativa é muito boa, apesar de sabermos que podemos atravessar uma crise globalizada. Mas o agronegócio brasileiro já passou por isso e temos que mostrar nossas potencialidades para enfrentar esse tipo de situação.
RURAL – A que o sr. atribui essa perspectiva positiva?
MÂNICA – A Expodireto, nessas nove edições, conseguiu uma posição muito forte entre as maiores feiras do Brasil. Temos um parque de 84 hectares, recebemos empresas bem selecionadas. Tudo para não perder o foco em tecnologia e oportunidade de negócios. Além disso, nós acreditamos que as commodities, principalmente milho, canola, girassol e soja, vão alavancar os negócios. O setor de máquinas trará muitas novidades, com muitas linhas de produtos, com os bancos trazendo recursos e créditos promocionais. Além dos próprios preços, que devem estar atrativos. Tudo isso faz com que o evento seja uma grande oportunidade de negócios.
RURAL – O sr. acredita que a feira possa superar a edição do ano passado em volume de negócios?
MÂNICA- O ano passado foi muito bom para o setor agrícola, depois tivemos uma queda, quando veio essa crise. Nós acreditamos que haverá boas oportunidades de negócio, mas será difícil superar o ano passado, quando tivemos mais de R$ 300 milhões em negócios. Acho que igualaremos esse número, essa é a nossa meta.
RURAL – Como o sr. observa os mercados neste início de ano?
MÂNICA – O mercado internacional, em termos de commodities, está em um patamar que considero bom. Nós dependemos muito da variação cambial e neste momento, com o dólar cotado em torno de R$ 2,30, tem sido positivo. Estamos prevendo um bom mercado para as culturas de verão, colhidas em fevereiro, março e abril. Se esses patamares se mantiverem, e acredito que vão se manter, teremos renda na propriedade, apesar de os custos de plantio, principalmente no milho, terem sido muito elevados.
RURAL – Então o sr. acredita que a crise não tenha tantos efeitos como alguns previam?
MÂNICA – Eu sou muito otimista. Essa crise é passageira, só não sabemos quando ela irá passar. Se olharmos a história, sempre tivemos crise. De qualquer forma, acredito que essa crise globalizada não é do tamanho que muita gente vem pintando. Tenho certeza que com determinação, redução de custo e maior planejamento podemos enfrentar esse problema. Acho que a partir do segundo semestre o cenário irá melhorar e esperamos que na Expodireto já se sinalize essa recuperação.
RURAL – Os produtores da região compartilham o seu otimismo?
MÂNICA – Nós temos 4.600 associados e conversamos bastante com eles. No geral, o que percebo é que eles estão um pouco retraídos em termos de negociações futuras, até porque sempre se tem a expectativa de que se pode ganhar mais. Mas eles estão acreditando que esses patamares do mercado, que como eu disse estão bons, devem se manter.
RURAL – Como está estruturada a cooperativa?
MÂNICA – Somos uma cooperativa com 51 anos de história. Hoje trabalhamos em 14 municípios na região norte do RS. Possuímos 28 unidades de beneficiamento, tendo o forte da cooperativa na produção vegetal, com soja e milho no verão, e trigo e cevada no inverno. Somando essas culturas, produzimos cerca de 600 mil toneladas por ano. Também atuamos na bacia leiteira, onde temos mais de 800 produtores produzindo leite. Possuímos uma cadeia de suinocultura com programa integrado com a cooperativa Aurora. Além disso, a Cotrijal também possui 14 lojas que comercializam todos os produtos da pecuária e mais seis supermercados e uma fábrica de ração, somada a uma empresa de transporte.
RURAL – E pelo jeito isso tem dado bons resultados…
MÂNICA – Em 2008 tivemos o maior desempenho da nossa história e fechamos o ano com faturamento de R$ 586 milhões. O resultado ainda poderia ter sido melhor, já que as culturas de trigo e cevada foram comercializadas a partir de janeiro e os seus resultados entram no balanço de 2009.
RURAL – E este ano…
MÂNICA- Estamos projetando um faturamento de R$ 620 milhões para 2009. Teremos de fazer um planejamento estratégico, visando ao incremento da produção, e um trabalho forte em relação à gestão das propriedades. Queremos elevar nossa produtividade, já que não dá para fazer previsões quanto ao mercado internacional. Se os preços caírem, então diminui um pouco o faturamento. Mas, em contrapartida, se os preços aumentarem além do que programamos, nós superamos a estimativa de faturamento. Estamos trabalhando com o cenário em que as condições de mercado se mantenham. Não deve alterar muito não.
RURAL – Mas, pelo que consta, vocês estão preocupados com o envelhecimento do homem do campo. É verdade?
MÂNICA – De certa forma sim. Estamos desenvolvendo um trabalho de orientação no processo de sucessão na fazenda. Abordamos os jovens que estão se preparando para ser os futuros gestores da propriedade. O programa funciona com reuniões, em que montamos comitês, viajamos com esses jovens produtores, levando-os a palestras, e os integramos à cooperativa, fazendo com que eles participem ativamente da gestão da propriedade. Também trabalhamos junto aos pais, para que eles entendam a importância de preparar os jovens para a sucessão.
RURAL – Mas de onde surgiu essa preocupação?
MÂNICA – É um trabalho interessante, pois acreditamos que nos próximos cinco anos teremos uma mudança de gestão bastante profunda, até pela média de idade dos produtores da região, na faixa dos 60 anos. Muitos vão sair da atividade, se aposentar. E quem assumir tem que estar capacitado e nós queremos prepará-los para a propriedade e para a cooperativa também. Se esses jovens não estiverem bem instruídos, eles podem não dar continuidade ao negócio de maneira satisfatória. Temos de 80 a 100 propriedades envolvidas no programa e devemos aumentar neste ano.
RURAL – Qual o perfil dos produtores dessa região?
MÂNICA – A região é formada por pequenos produtores. Temos produtores com três mil hectares, mas eles são a minoria e não refletem nossa realidade. As propriedades têm em média 25 hectares.
RURAL – Mas existe adoção de tecnologia pelos produtores da região?
MÂNICA – A tecnologia é muita aceita. Temos o plantio direto bem implantado, rotação de cultura, aplicação de fungicidas, sementes tratadas, tudo que se tem à disposição é utilizado. Nós fazemos um trabalho de conscientização junto ao produtor, mostrando a importância de se plantar usando bastante tecnologia. Esse é um dos motivos que fazem a média de produtividade da nossa região superar em muito a média do Rio Grande do Sul e até a média do Brasil.
RURAL – No ano passado, tivemos a liberação do milho geneticamente modificado. Como o sr. vê essa tecnologia?
MÂNICA – O milho transgênico é uma realidade, mas há detalhes importantes na implantação que devem ser observados, até para que não haja um retrocesso na adoção dessa tecnologia. Por isso estamos organizando com a Abramilho um fórum que acontecerá na Expodireto e servirá para debater esse e outros temas referentes à cultura do milho.
RURAL – Mas o sr. acredita que esse tipo de tecnologia pode contribuir com a produção do Estado…
MÂNICA – Com certeza, essa tecnologia poderá contribuir. Porque produtividade se aumenta com melhoria no solo e adoção de novas tecnologias. É algo que deve ser perseguido e implantado. Temos que levar a conscientização para que se use a tecnologia. Até porque não é na crise que você deixa de aplicar tecnologia. Na crise você usa mais tecnologia para aumentar a produtividade, ter um desempenho melhor e ser mais competitivo.
RURAL – Em compensação, o clima tem dado trabalho nos últimos anos…
MÂNICA – O clima a partir da metade de dezembro normalizou. No ano passado, na época crítica da cultura de cevada e trigo, em outubro, choveu muito. Com isso, a produção foi boa, mas a qualidade caiu. Assim, a cevada não pode ser usada para produzir malte e cerveja, apenas como forrageira. Já no início de dezembro, tivemos uma pequena seca que provocou quebra na safra de milho. Na nossa região fomos um dos menos afetados. Agora o clima está se desenvolvendo muito bem para soja e milho, com chuvas regulares e perspectivas boas.
RURAL – Mesmo com tantos problemas de quebras, a agricultura ainda é um bom negócio nos pampas gaúchos?
MÂNICA – É um bom negócio, com certeza. Desde que se use tecnologia e aproveitem as oportunidades. Hoje você tem a informação do clima e dá para fazer muitas atividades em cima das previsões. Para quem usa a tecnologia, e faz um trabalho de gestão, é um bom negócio. Agora o amadorismo, que acha que é só plantar em um mês e colher no outro, está fadado a sair da atividade, com toda a certeza.